Uma pesquisa de mercado quantitativa identifica que marca de ácido acetilsalicílico (como Aspirina), dipirona (como Novalgina) ou acetaminofenol (como Tylenol) os consumidores compram para curar sua dor de cabeça. Mas com ela não é possível descobrir o que pensam quando estão na farmácia. Para isso, foram inventadas as pesquisas qualitativas e, especificamente, os focus groups, que estimulam os consumidores a revelar seus processos de pensamento e detectam sua relação emocional com produtos e marcas.
Técnica de pesquisa qualitativa, esses grupos conseguem descobrir a conexão emocional que liga um produto ou serviço a seu usuário. Mas é preciso saber aplicá-los corretamente Por Bonnie Goebert
Há mais de 30 anos como moderadora de focus groups, a pesquisadora Bonnie Goebert escreveu o livro Beyond Listening – Learning the Secret Language of Focus Groups (ed. Wiley), que se tornou referência nessa área. Os highlights do livro, a seguir, mostram em que Sinopse atividades os focus groups são mais eficazes e quais são os erros recorrentes, além de trazer exemplos e histórias reais. Goebert faz vários alertas. Segundo ela, muitas empresas vêm usando focus groups inadequadamente, como a única ferramenta para investigar o mercado, quando não se deve abrir mão de pesquisas quantitativas. Outro problema: muitas ainda não entendem que uma boa rodada de focus groups gera perguntas mais precisas, porém não dá respostas definitivas.
Reza a lenda que nos anos 50 os engenheiros de alimentos e economistas domésticos da Betty Crocker, fabricante norte-americana de produtos alimentícios, imaginaram ter em mãos um campeão de vendas quando criaram uma mistura para bolo instantânea. Bastava acrescentar um líquido e estava pronta a massa do bolo. O feito ocorreu durante o governo do presidente Eisenhower, quando refeições rápidas e produtos que facilitavam a vida estavam no auge. A equipe da empresa achava que não havia como errar, mas as mulheres que compraram o produto e fizeram o bolo tiveram uma opinião diferente.
O que deu errado? Para descobrir, aposto que alguns pioneiros pesquisadores de mercado consultaram donas-de-casa. Aliás, na década de 1950, as mães que ficavam em casa começaram a ser valorizadas e a se orgulhar dos aspectos realmente trabalhosos de cuidar do lar, o que ia muito além do nome “dona-de-casa”. Constatou-se que o problema era a simplicidade do produto. A consumidora não se sentia realizada, não tinha envolvimento com ele. A mistura fazia com que ela se sentisse inútil, especialmente se, em outro lugar, sua mãe, usando um avental, ainda continuasse a bater bolo com todos os ingredientes de sempre.
Os cérebros da Betty Crocker voltaram então ao trabalho. Reformularam a mistura de tal forma que, além da água, a pessoa tivesse de adicionar um ovo. No entanto, o verdadeiro feito desses primeiros pesquisadores foi a descoberta de como as donas-de-casa se sentiam ao usar uma mistura pronta para fazer massa de bolo. A resposta real foi, na verdade, um insight: é preciso adicionar orgulho de volta ao processo de fazer um bolo.
Essa história pode não ser verdadeira, mas foi contada diversas vezes aos pesquisadores de mercado para demonstrar que: se você quer saber o que um consumidor pensa… pergunte. Então escute. E então pergunte novamente para ver se entendeu direito. E, antes de dar o que eles querem, pergunte e escute outra vez. É para isso que fazemos focus groups.
O focus group é uma parte invisível do ferramental de marketing. Betty Crocker à parte, é virtualmente impossível seguir as migalhas de uma série de focus groups até um trabalho de marketing bem-sucedido (ou não). Os consumidores raramente dão a solução, mas ajudam a definir o problema. Minha suspeita é que nenhuma dona-de-casa disse à empresa que faltava o ovo. Acho que simplesmente expressaram certa relutância, sem saber muito bem por quê. O problema real não tinha nada a ver com o valor intrínseco do produto, mas representava a conexão emocional que liga um produto a seu usuário. Se você quiser entender os “porquês” e os “comos” do uso de produtos… ou da interrupção de seu uso… ou do uso ocasional do produto… ou de sua marca… ou da marca do concorrente… você pode usar os focus groups.
Eles são as maternidades e clínicas de recuperação de marcas (peço desculpas a minha amiga e cliente, a futuróloga Faith Popcorn, por roubar sua metáfora. Ela foi a primeira a considerar sua empresa, a Brain Reserve, um ambulatório –não um hospital com todos os serviços– para clientes listados na Fortune 500 preocupados com um aspecto específico de suas empresas). Como pesquisadora de mercado de muitas dessas empresas, meus focus groups são centros de saúde especializados em diagnóstico. Faith e outros consultores são clínicos, enquanto pesquisadores qualitativos de mercado, como eu, são radiologistas.
Os focus groups são ideais para começar a entender o que os produtos significam para os consumidores em suas mentes, e não em seus bolsos. Vamos descartar a idéia de alguém num shopping center de um bairro importante, com uma prancheta na mão, perguntando aos passantes se gostam mais de Pepsi ou de Coca-Cola. Quero saber o porquê.
Para ir além dos números
Qual você prefere ou de que você gosta mais são as questões mais bem trabalhadas em pesquisas. Elas se incluem nas pesquisas quantitativas que dizem a você qual, quantos, com que freqüência e por quem. Porém os focus groups são uma técnica de pesquisa qualitativa, que permite um aprofundamento além das medições. A pesquisa qualitativa e, especialmente, os focus groups são o cenário no qual a história se desenrola, as hipóteses se desenvolvem e de onde uma explicação emerge. Seu valor está na habilidade de permitir que o cliente entenda totalmente a preferência por uma marca, uma decisão de compra ou a falta de interesse em um produto bem divulgado. Claro, alguém deve ter concluído que a mistura de bolo não vendia. Um profissional de marketing mais experiente, por sua vez, escutaria os usuários, desenvolveria alguns insights e se perguntaria o que a Betty Crocker poderia fazer para enfrentar um aparente senso de inadequação. Daí o ovo.
Durante as últimas três décadas, tenho escutado os consumidores falar sobre uma infinidade de produtos. E sempre me surpreendo com o que eles têm a dizer. Não necessariamente porque as conclusões são inesperadas, mas porque se pode aprender muito quando se vai além das cifras e se fala com os consumidores olho no olho. São pessoas de verdade, que fazem suas escolhas quanto aos produtos que compram, usam esses produtos de maneira individual e ficam emocionalmente ligadas às marcas que preferem. Basta colocar-se diante delas e escutá-las.
Por que realizar um focus group?
A maioria de nós opera no piloto automático quando dirige um carro. Não paramos para pensar em pôr a chave na ignição, dar partida ou girar o volante. Fazemos isso quase sem pensar, por hábito, sem analisar nossas motivações. Apenas agimos. Os focus groups retiram esse aspecto “automático” dos padrões de compra e os colocam no “manual” por algum tempo, para ajudar-nos a compreender o que está acontecendo na psique dos clientes. Mergulhando na consciência dos consumidores podemos desenterrar as razões subjacentes a suas ações e formar impressões sobre o que está realmente acontecendo.
Uma pesquisa simples identificará apenas que marca de ácido acetilsalicílico (Aspirina), dipirona (Novalgina) ou acetaminofenol (Tylenol) os consumidores compram, mas não será possível descobrir o que passa por sua cabeça quando está em uma farmácia diante daquela prateleira. Você poderia usar uma câmera de vídeo e filmá-los. Porém acho que teria informações mais úteis se simplesmente perguntasse. É aí que você vai ouvir: “Está tudo muito confuso. Temos Aspirina e Novalgina e Tylenol, mas o que é Bufferin? E esta marca menciona dor de cabeça, esta outra fala em dores musculares, e esta aqui diz que é para febre”. Escute o que ele diz. O que ele está pensando é qual medicamento aliviará o problema no braço de sua mulher, e é por isso que ele está parado totalmente sem ação diante da prateleira.
Ouça os consumidores falando sobre analgésicos nas grandes farmácias, longe de qualquer farmacêutico. E aproxime-se mais dos que têm mais de 50 anos, cuja visão é menos perfeita e os braços não alcançam muito alto, quando contam sobre a frustração de não poder alcançar um artigo na prateleira ou ler as minúsculas letras no rótulo, que poderiam esclarecer um pouco sobre qual marca de analgésico eles deveriam comprar. Você pode ter todos os dados, mas não ouviu o que os consumidores estão realmente dizendo, que é: a proliferação de analgésicos semelhantes os está enlouquecendo.
Se eles não conseguem encontrar o querem em 30 segundos, pegam qualquer coisa, pagam o preço pedido e tocam a vida. Pesquisas de mercado e focus groups não devem ser excludentes. Eu nunca aconselharia um cliente a realizar uma série de focus groups em vez de uma pesquisa sofisticada. Hoje em dia, os profissionais de marketing precisam de todos os dados e têm de ser capazes de observar qualquer forma de pesquisa de mercado.
O que a pesquisa qualitativa faz é acrescentar profundidade e contexto. Será que os resultados seriam exatamente os mesmos se você conversasse com outro grupo de dez pessoas? Talvez não. A pesquisa qualitativa não tem a mesma precisão estatística que a quantitativa. E, infelizmente, os focus groups têm sido praticamente a única arma no arsenal de ferramentas de pesquisa que os profissionais de marketing utilizam.
Quando conto às pessoas o que faço para ganhar a vida, muitos esperam que eu faça uma conexão instantânea entre seu comercial favorito e o grupo de pessoas que o aprovou. Ou então apresentam sua própria interpretação do que é um focus group: “Você mostra novos produtos aos consumidores e vê como se sentem a respeito, não é?”. Os focus groups têm muito menos a ver com coletar reações a novos produtos do que com compreender como deveria ser a aparência de um novo produto, tato, cheiro, e depois propô-lo ao cliente. Quase ninguém apresenta uma nova proposta de produto ou serviço baseado em palpite.
Os focus groups são uma importante ferramenta de pesquisa se você estiver pronto para ouvir. Não espere ter respostas. Não espere soluções. Esteja preparado para ouvir coisas em que você nunca tinha pensado. Em geral, uma boa rodada de focus groups dá origem a mais perguntas, mas elas serão mais precisas. Os insights que emergem das provocações e estímulos de um focus group podem ajudar os profissionais de marketing a refinar seus produtos e serviços, definir os clientes mais receptivos a seus produtos, e alcançar e reter os consumidores usando mensagens relevantes e adequadas.
Onde os focus groups são mais eficazes e quais são as perguntas certas
Os focus groups funcionam melhor nas seguintes tarefas:
- Explorar os hábitos de compra dos clientes. Por que estão comprando sua marca ou a de seu concorrente? Por que não estão visitando seu site, embora pareçam conhecê-lo?
- Compreender mais o consumidor específico da categoria. Você quer lançar um produto dirigido a donos de animais domésticos. Para determinar se o conceito vai deslanchar, primeiro você precisa saber como esses consumidores consideram e tratam seus animais. Por que antropomorfizam seus bichos de estimação? Existe alguma diferença entre donos de gatos e de cães, donos de animais de raça pura e de vira-latas?
- Saber mais sobre as atitudes dos consumidores. Como profissional de marketing de um produto de baixas calorias, você está interessado nas atitudes das pessoas que controlam ou não o peso. Quais são as diferenças entre as que compram o produto para suas famílias e as que compram para si mesmas?
- Examinar a imagem da marca. O que as pessoas acham de seu café? Você vende o blend da moda ou o ultrapassado café instantâneo? Seu cliente em potencial vê sua loja de artigos masculinos como um lugar desconfortável como um ninho de cobras ou confortável como sapatos velhos?
- Distinguir os laços emocionais do consumidor com um produto. Seu produto de limpeza custa menos e parece fazer um trabalho melhor que o de seu concorrente, no entanto os clientes compram o do concorrente. Por quê? É porque essa é a marca que suas mães usavam ou porque ela faz com que os usuários pareçam mais inteligentes?
- Desenvolver uma campanha de publicidade eficaz. As mulheres tingem o cabelo porque acreditam que isso as faz parecer tão jovens quanto elas se sentem, mas será que elas querem mesmo ouvir isso na publicidade? É melhor enfatizar que seu restaurante fast food é rápido ou que o sabor é ótimo?
- Alimentar um palpite bem informado. Você desenvolveu uma hipótese sobre por que pessoas das classes com maior renda poderiam usar seu novo serviço financeiro. Como saber se essa conclusão está certa?
Como aproveitar ao máximo as pesquisas de mercado
- Faça perguntas aos consumidores em vez de presumir o que eles necessitam.
- Utilize pesquisas de mercado para descobrir quando, quantos e com que freqüência; e use focus groups para descobrir por quê.
- Escute bem para ver se há uma oportunidade; às vezes ela bate à porta suavemente.
- Os focus groups não fornecem soluções. Eles o ajudam a formar um quadro que revela possibilidades e limites.
- Um bom focus groups renderá melhores perguntas, e não respostas definitivas.
Fonte: Revista HSM Management