Para impulsionar a realização, a criatividade e a inovação, você deve se tornar um “esticador”, em vez de manter a “mentalidade perseguidora” usual; quatro fatores vão prepará-lo para isso.
O Cara da Kombi, como alguns o chamam afetuosamente, mora em uma kombi detonada, ano 1978, apelidada de Salsicha em homenagem ao personagem do desenho animado Scooby-Doo. Quando o motor do veículo falha, ele tenta consertá-lo com fita adesiva para evitar incômodos e o custo de ir ao mecânico. O fogão portátil o ajuda a preparar refeições frescas e saudáveis.
É 2015, e Salsicha passará parte do ano estacionada atrás das lixeiras de um Walmart em Dunedin, Flórida. Durante o dia, o Cara da Kombi garante a ginástica graças à barra de exercício dos carrinhos de compras, mantendo-se em ótima forma. Apesar de Salsicha não ser um veículo grande, há espaço suficiente para guardar a única calça jeans, o saco de dormir e os cadernos nos quais ele escreve à noite, quando não está lendo algum livro.
O Cara da Kombi gosta de seu estilo de vida peculiar, porque lhe permite apreciar o que possui sem distrações em relação ao que os outros possuem e também o aproxima da vida ao ar livre de que tanto gosta. Compradores curiosos às vezes param para olhar seu carro no estacionamento do Walmart, perguntando-se sobre a pessoa aparentemente estranha que mora ali. Alguns são empáticos com a situação de aperto que o homem parece enfrentar e lhe oferecem comida ou dinheiro. Ele recusa todas essas ofertas educadamente. Quando conversam com ele, ficam sabendo de uma informação surpreendente.
O Cara da Kombi é multimilionário. Ele poderia com facilidade bancar uma das casas espaçosas da vizinhança. Escolheu a vaga no estacionamento do Walmart não por ser um errante, mas porque ela o coloca no espaço mental correto para esticar os recursos e, desse modo, conquistar seus sonhos de vida. “Quando vive em uma kombi, você precisa apreciar o que tem.” Sua filosofia pessoal é: “A vida é como um oceano. Ela vai mandar ondas boas e ruins, mas no fim do dia você vai surfar na que aparecer a sua frente”.
O estacionamento do Walmart também oferece a conveniência de estar a apenas 4,8 quilômetros do trabalho, onde ele orgulhosamente estaciona sua kombi perto dos carros esportivos luxuosos e das SUVs paramentadas de seus colegas. Depois de desfrutar um café coado feito em seu fogão, ele trabalha em um emprego que muitas crianças adorariam ter quando crescerem.
O Cara da Kombi é Daniel Norris, jogador da liga principal de beisebol da América do Norte.
Em 2011, Norris era o principal candidato a ocupar a vaga de arremessador do Toronto Blue Jays. Depois de receber US$ 2 milhões de bônus ao entrar no time, fez o que as pessoas fazem quando estão com dinheiro: foi às compras. Um de seus novos colegas, que tinha acabado de sacar seu próprio bônus, organizou uma orgia de três horas no shopping center local. Os colegas de Norris gastaram dezenas de milhares de dólares em apetrechos e equipamentos. A única aquisição de Norris: uma camiseta Converse que comprou em oferta por US$ 14. “Só porque o dinheiro está lá não significa que você tem de ter coisas mais legais do que antes”, diz ele.
Depois de assinar um novo contrato com um salário maior, Norris pensou que ter tanto dinheiro arruinaria seu estilo de vida e o distrairia de seu trabalho e paixão: jogar beisebol. Ele pediu a seus assessores financeiros que depositassem apenas US$ 800 por mês em sua conta-corrente para cobrir as despesas básicas, enquanto investia de maneira conservadora o restante de seu contracheque. O orçamento mensal representa uma renda equivalente a cerca de metade do valor de alguém que trabalha em tempo integral ganhando salário mínimo.
Em sua família, o dinheiro era curto. Quando criança, Norris via seus amigos ganharem novas luvas e tacos a cada temporada, enquanto continuava usando equipamentos velhos. Ele não se ressentia com seus pais por não comprarem itens novos. Ele reflete: “Nunca me faltou aquilo de que eu realmente precisava. Quando criança, você sempre tem desejos. De modo lento, mas seguro, aprendi a apreciar as coisas que conseguia. Sou muito grato por ter sido criado assim”.
Mesmo quando já tinha milhões de dólares, Norris fez o que poucos colegas jogadores nem sequer considerariam: arrumou um segundo emprego. Ele trabalhou durante as férias da temporada por 40 horas semanais na Mahoney’s, uma loja de equipamentos esportivos em sua cidade natal, Johnson, Tennessee. Ele não precisava do dinheiro para viver, apenas gostava do trabalho. Também passou parte das férias viajando pela Nicarágua, hospedando-se em albergues da juventude e caminhando na mata.
No início, isso intrigava os agentes de Norris, que se perguntavam por que uma estrela em ascensão não acompanhava as práticas de seus colegas nas férias, com viagens de luxo ou baladas na pomposa South Beach, na Flórida. O time acabou reconhecendo que seu modo de vida o mantinha focado naquilo que realmente importava: jogar beisebol.
Para Daniel Norris, o sonho de sua vida é ser um excelente arremessador de beisebol e vivenciar as maravilhas da vida ao ar livre – e nada disso depende de gastar milhões de dólares. Ao abrigar-se na kombi, ele foge da mentalidade que deixa muitas estrelas do esporte falidas ou deprimidas.
Em meados de 2015, os Blue Jays venderam Norris para o Detroit Tigers. Semanas depois, Norris doou a camisa número 44 de sua estreia como rebatedor das ligas principais. Aproximando-se da base no segundo inning como rebatedor pela primeira vez desde o ensino médio, ele jogou a bola para fora do estádio, tornando-se o primeiro rebatedor da história da liga americana a fazer um home run no Wrigley Field de Chicago e apenas o 19º arremessador da história do beisebol a conseguir um home run em sua primeira tacada.
Quando você começou a ler sobre Daniel Norris, provavelmente não imaginou que ele fosse uma estrela do esporte ou um multimilionário. Estrelas do esporte deveriam dirigir carros modernos. Multimilionários deveriam viver em casas espaçosas. Empresas deveriam crescer o mais rápido possível. Muitos dólares investidos em marketing deveriam corresponder a vendas maiores. Pessoas que têm dinheiro para gastar deveriam comprar coisas. Soluções improvisadas no trabalho e na vida são para aqueles que têm pouco. Porém o que Daniel Norris aprendeu e pôde ensinar é que a mentalidade elástica nos ajuda a conquistar ótimos resultados o tempo todo – independentemente do pouco ou do muito que tenhamos.
Normalmente, achamos que devemos fazer o máximo com o que possuímos só quando nos vemos contra a parede. Mas não deveria ser assim. Quero convencer você a escolher esticar os recursos nas épocas boas tanto quanto nas ruins. Quero que você se oponha à mentalidade perseguidora das coisas e abrace a mentalidade elástica o tempo todo – e nem precisa morar em uma kombi! É uma abordagem que vai muito além de sair de situações difíceis – é uma forma totalmente diferente de viver e trabalhar para obter sucesso e realização.
OS ELEMENTOS-CHAVE
Há quatro elementos críticos da mentalidade elástica:
SENTIR A POSSE PSICOLÓGICA.
Esse é o famoso sentimento de dono com que as empresas querem impregnar seus funcionários. Só um gerente que se sente dono de uma loja de moda feminina, por exemplo, seria capaz de transformar um vestido encalhado em uma canga de praia cortando as alças com tesoura, a fim de impulsionar as vendas.
O sociólogo Amitai Etzioni descreve uma forma de posse que frequentemente passa despercebida: a posse como atitude. Com base em seu trabalho, psicólogos começaram a definir a posse psicológica, algo material ou imaterial que as pessoas vivenciam como sendo parte delas, apresentando o sentimento de posse mesmo que não possuem, de fato, o recurso. Isso é importante porque o sentimento de posse permite transformar recursos. Ao acreditar que controlamos tais recursos, permitimo-nos trabalhar com eles de maneira mais criativa.
Uma pesquisa mostrou que, quando as pessoas têm essa sensação, ficam muito mais satisfeitas com o emprego. Em uma amostra de profissionais variados – de contadores a engenheiros de software –, a posse psicológica representou 16% da satisfação em relação ao trabalho. Isso os ajuda a pensar que podem controlar as circunstâncias, permite que expressem sua individualidade e oferece a sensação de pertencimento.
A posse psicológica também leva a melhor desempenho financeiro. Em outro estudo – com 2.755 funcionários em 33 pontos de venda de uma rede de varejo –, pesquisadores descobriram que uma marcada posse psicológica e comportamentos típicos de dono estavam associados a melhor desempenho financeiro.
ACOLHER AS RESTRIÇÕES.
A professora de psicologia da Columbia University e artista plástica Patricia Stokes passou anos avaliando o que levou Claude Monet a produzir um fluxo constante de obras-primas. Stokes identificou que a arte de Monet, desde os primeiros anos, como aluno, até o final de sua vida, tinha uma constante: as restrições.
No início, ele eliminou os contrastes claro/escuro, afastando-se da pintura figurativa e desenvolvendo o impressionismo. Nos últimos anos, ele se impôs outras restrições, colocando-se em estado de aprendizado constante. Monet sabia pintar muito bem, mas o que o diferenciava de muitos outros artistas era que sabia pintar bem de maneiras muito diferentes.
O senso comum diz que as pessoas nascem criativas, mas Stokes acredita que criatividade é tanto parte da mentalidade como uma capacidade inata. Para ela, acolher as limitações ajuda a separar os bons artistas dos excepcionais, padrão que ela também encontrou na arquitetura de Frank Lloyd Wright e nas composições musicais de Claude Debussy.
Em ambientes de negócios nos quais o desempenho também se baseia muito na criatividade, Stokes identificou o mesmo, o que pode ser exemplificado tanto pelas criações de Coco Chanel como pelas campanhas publicitárias da Leo Burnett, que transformou os cigarros Marlboro em uma marca global. Ainda que as principais responsabilidades de muitos profissionais não dependam de trabalhos criativos, a artista chega à mesma conclusão: de crianças do ensino fundamental a ratos de laboratório, as restrições ajudam a usar os recursos com criatividade para impelir o desempenho.
Quando um dos experimentos de Stokes forçou roedores a apertar uma barra apenas com a pata direita, eles aprenderam a apertar a barra de diversas outras maneiras caso não tivessem essa restrição. Os roedores apresentaram o que os pesquisadores chamam de “pequeno c” criativo – uma forma de criatividade que não é focada em produzir trabalhos criativos, mas em resolver problemas práticos por meio de novos usos e aplicações de recursos. Apesar de tendermos a pensar na criatividade como algo que produz obras- -primas, ela é, na verdade, parte importante de fazer o cotidiano acontecer. É o que permite a um programador concluir a primeira linha de código original, a um gestor de produto identificar um novo mercado para um produto e a um professor primário encontrar uma forma divertida de ensinar subtração.
Por décadas, a visão dominante entre psicólogos foi a de que as restrições serviam como barreira ao uso criativo de recursos – uma burocracia limitadora, um chefe praticante do microgerenciamento etc.
Esse ponto de vista, lastreado pela mentalidade perseguidora, avalia os esforços com base na quantidade de recursos dedicados a buscá-los, ou seja, quanto menos recursos, menor a importância do esforço. Apesar de esse raciocínio ter sua lógica quanto ao dano proporcionado pelas restrições, pesquisas recentes começaram a lançar dúvidas a respeito, afirmando que as restrições servem a um propósito importante.
Ravi Mehta, da University of Illinois, e Meng Zhu, da Johns Hopkins University, examinaram como pensar sobre a escassez ou a abundância influencia o uso criativo de recursos pelos indivíduos. Os pesquisadores imaginaram que tornar a escassez mais evidente colocaria as pessoas no mesmo tipo de espaço mental que instigou Phil Hansen e Claude Monet a produzir obras de arte, reduzindo a tendência natural a usar os recursos de modo convencional. Em oposição, se a abundância for aparente, a tendência é que os recursos sejam usados de maneiras mais tradicionais. Para testar essas hipóteses, eles fizeram experimentos relacionados com desenvolvimento de novos produtos, preparo de refeições e conserto de brinquedos quebrados.
Todas as vezes em que houve restrições – de orçamento ou prazo, por exemplo –, as pessoas dedicaram energia mental para agir de maneira mais engenhosa e os resultados foram melhores.
PROSPERAR NA FRUGALIDADE DE RECURSOS.
Você transformaria novatos ou idosos dinâmicos em gestores, permitindo que criassem sozinhos planos de marketing para os produtos e minimizando, assim, a supervisão centralizada? Isso é trabalhar com recursos frugais.
Frugalidade significa ausência de status e de sucesso para os perseguidores, mas é uma virtude que traz melhores resultados para quem tem uma mentalidade elástica. A maioria das pessoas não tem uma opinião positiva quanto a indivíduos ou organizações frugais, classificando-os de mesquinhos ou sovinas.
Uma equipe de professores de marketing liderada por John Lastovicka usou entrevistas com consumidores frugais, um exercício escrito com estudantes de graduação e episódios dos programas de Oprah Winfrey e Montel Williams sobre esposas que também tinham essa postura. Lastovicka descobriu três padrões nesse tipo de pessoa.
Em primeiro lugar, são indivíduos que dão ênfase a objetivos de longo prazo em vez de prazeres imediatos. Esse é o tipo de chefe que, com o futuro em mente, evita dar benefícios de curto prazo para oferecer carreiras longas (recompensadoras) aos funcionários, estabelecendo relações de vida inteira com os clientes e criando um negócio sustentável.
Em segundo lugar, as pessoas frugais reutilizam o que têm em vez de comprar mais. Em muitas esferas da sociedade – e talvez mais em conselhos de administração –, gastos supérfluos são uma marca de status. De acordo com essa linha de pensamento, quanto maior o dispêndio, mais bem-sucedida a pessoa deve ser, porque apenas os abonados podem se permitir gastar. Em terceiro lugar, os indivíduos frugais se sentem livres de convenções, o que os torna menos suscetíveis às comparações sociais da mentalidade perseguidora. Eles não se prendem ao que não têm; em vez disso, abrem o caminho usando o que têm.
ENXERGAR O POTENCIAL DE RECURSOS QUE OUTROS REJEITAM.
Você contrataria um sem-teto ou um viciado em drogas para trabalhar em sua empresa? Esse é um exemplo típico de recurso rejeitado, mas que pode ser transformado em funcionário diligente e dedicado.
As ideias de Anthony Giddens, professor da London School of Economics, orientam a pauta de boa parte da sociologia contemporânea, e suas ideias sobre o que ele denomina teoria da estruturação permitem entender como algumas pessoas transformam lixo em tesouros. Em termos simples, a teoria da estruturação propõe que não é possível entender o comportamento social só examinando de perto ações individuais ou só observando coletivamente empresas e sociedades. Giddens propõe que pequenos e grandes funcionam juntos, o que significa que ações individuais produzem estruturas como normas, tradições e regulamentações e que estas, por sua vez, moldam as condutas pessoais.
Na University of Michigan, a teórica das organizações Martha Feldman aplicou algumas das ideias de Giddens ao estudo dos recursos. Abordagens tradicionais costumam sempre tratá-los como objetos fixos que adquirimos. Nossa interação com eles não muda seu significado, pois têm um valor inato definido pelas grandes estruturas de normas, tradições e regulamentações. Se você quer conhecer as possibilidades de sucesso para algo – uma nova contratação, uma empresa, o futuro de um adolescente –, examine seu estoque de recursos. Desse ponto de vista, lixo continua sendo lixo porque é o que é.
Feldman conceitua os recursos de maneira bem diferente. Em vez de focar seu valor inato, ela enfatiza como as pessoas os usam. É claro que as coisas têm qualidades naturais – rocha é mais pesada que brita –, mas essas qualidades apenas lhes conferem potencial. Você tem de jogar uma pedra para torná-la uma arma ou colocá-la sobre um papel para transformá-la em peso.
Feldman defende que quase tudo – tangível ou intangível – tem potencial como recurso, mas que, para se tornar valioso, é necessária ação. Isso ajuda a perceber que os recursos não vêm de fora – não são coisas que obtemos prontas, e sim algo que criamos e moldamos. Não são só indivíduos que podem agregar valor a recursos.
A pesquisa de Feldman e seus colegas revelou que sistemas sociais – organizações, escolas ou famílias – também podem criar recursos valiosos em âmbitos inesperados.
CONHEÇA PESSOAS COM MENTALIDADE ELÁSTICA
Para onde quer que voce olhe, encontrará pessoas dotadas de mentalidade elástica. Elas atuam em diversos campos e alcançam ótimos resultados na vida profissional e pessoal usando os recursos que estão disponíveis.
Richard “Dick” Yuengling fez crescer, nos Estados Unidos, a cervejaria que herdou da família enquanto rivais maiores e com mais recursos se debatiam. Comprou fábricas e equipamentos – e, portanto, participação no mercado – a preços baixos, deixando que os outros brigassem entre si. Hoje, sua cervejaria se encontra entre as cinco maiores do país e ele está na lista de bilionários da Forbes.
Bob Kierlin construiu a Fastenal, uma das empresas mais bem-sucedidas do mundo, adotando e promovendo a frugalidade. Depois ele foi senador dos Estados Unidos.
O exemplo do diretor Robert Rodriguez, que filma sem roteiro, anima qualquer um a trabalhar com o que tiver à mão. A espera pelos recursos “certos” pode ser longa e até interminável, ao passo que agir de imediato ensina a valorizar o que está disponível.
O chef Roy Choi faz – dentro e fora da cozinha – combinações improváveis, que evidenciam por que o todo é melhor do que as partes. Ele comanda a bem-sucedida rede de food trucks gourmet de tacos Kogí em Los Angeles, Califórnia.
Gavin Potter, às vésperas dos 50 anos de idade, aposentado como consultor de gestão e com formação em psicologia, não tinha os recursos ou o preparo dos concorrentes, matemáticos, ao participar da competição da Netflix que premiaria, em 2006, quem melhorasse seu algoritmo de recomendações em 10%. O psicólogo britânico não venceu os matemáticos, mas virou uma celebridade; foi sua ideia, obtida de modo elástico, que alavancou o time vencedor.
Fonte: Revista HSM Management. O autor desse artigo, Scott Sonenshein, é professor da escola de negócios da Rice University, sediada em Houston, Texas, Estados Unidos, e faz pesquisas sobre trabalho, organizações e psicologia humana. É autor do livro O poder do menos: o segredo da alta produtividade (ed. HSM), em cujos highlights este artigo se baseia.