A julgar pelo que diz a mídia, os Estados Unidos vão lamentar a aposentadoria de sua atual geração de líderes. Os analistas apontam uma carência de pessoas preparadas para assumir seus lugares e citam como exemplo as tentativas infrutíferas da Coca-Cola na busca de um presidente. Algumas empresas, porém, parecem jamais ter de lidar com esse tipo de problema, pois procuram profissionais dentro dos próprios quadros, promovem indivíduos qualificados, desafiam-nos e desenvolvem suas qualidades em posições de responsabilidade para depois lhes passar o bastão.
O fato é que a maioria das companhias possui grandes reservas de pessoal qualificado não aproveitado. Muitas vezes, porém, falhas no processo de seleção e desenvolvimento para a liderança, aliadas a pressupostos inválidos sobre a natureza humana, excluem exatamente os melhores líderes. Em geral, as organizações frustradas em seus esforços internos de desenvolvimento de líderes têm problemas nos seguintes aspectos:
Escolher as pessoas erradas para papéis de liderança.
É de fundamental importância investir nos indivíduos que apresentam mais possibilidades de se desenvolver e de se tornar líderes de sucesso. Mesmo com tempo, dinheiro e esforço de sobra, nem todos podem ser treinados para liderar. Grande número de estudos psicológicos indica a consistência do comportamento humano e dos traços de personalidade ao longo do tempo. Ou seja, as pessoas só mudam até certo ponto. As organizações devem ser realistas sobre quanto e quão rapidamente um indivíduo pode mudar, além de ter boa noção das pessoas que dificilmente mudarão. O desafio está em escolher indivíduos que têm potencial de crescimento. Esse processo deveria ocorrer em todos os níveis de uma companhia, não só nos altos escalões.
Ter a compreensão errada de como deve ser um “bom líder”.
A maioria das empresas define claramente suas metas financeiras e de desempenho, mas não estabelece o que considera eficaz no que diz respeito a resultados de liderança. O sucesso de diferentes estilos de liderança depende da situação. O importante é usar um processo disciplinado para definir a combinação de qualidades -que incluem forte pensamento estratégico, habilidades interpessoais e de comunicação, tino comercial, capacidade de gerenciar mudanças, coragem e consideração pelos outros. Isso fará com que os líderes tenham êxito nas organizações, tendo em vista seu contexto estratégico e empresarial.
Os líderes costumam procurar alguém com quem tenham trabalhado pessoalmente e que se encaixe em sua própria definição de liderança. Contudo, a direção seria mais bem servida se criasse um perfil de liderança explícito e formal. Essa definição reduz a confusão e a ambigüidade quanto a quem possui potencial de liderança e pode lidar com as exigências de um novo cargo, assim como encoraja os próprios líderes mais velhos a desenvolver capacidade de implementação e a ser modelos desses comportamentos.
Ignorar ou usar mal as avaliações de executivos.
Os altos gerentes podem perguntar: “Por que precisamos de uma avaliação formal de nossos líderes, se já temos todas as informações necessárias oriundas das avaliações de desempenho e de nossas próprias impressões?”.
Parte da resposta é que as avaliações de desempenho se baseiam em realizações, dados e observações registrados no passado, enquanto as avaliações formais olham para a frente para julgar o potencial de um indivíduo. Além disso, os gerentes são, notoriamente, péssimos juízes de potencial e demonstram uma tendência comprovada a escolher pessoas que se pareçam com eles.
Os gerentes também têm dificuldade em descrever características ou atributos específicos, em articular os motivos pelos quais vêem uma pessoa de certa maneira e em comparar os candidatos a um modelo de liderança formal. As pessoas acabam julgando com base em um ou dois fatores, em vez de levar em conta todo o leque de requisitos do cargo. Tomam decisões fundamentadas em boatos, em vez de em observações diretas.
Pior, alguns gerentes confiam tanto em sua intuição que chegam a conclusões contrárias a fatos já conhecidos. Quanto mais arrogante e egocêntrico o gerente, mais confiante será em julgar os outros. Por fim, os gerentes costumam fazer julgamentos incorretos quanto ao potencial de um indivíduo por falta de uma perspectiva externa independente. Estão demasiadamente inseridos na cultura de sua própria organização.
Mesmo quando as empresas decidem usar um método formal para avaliar executivos, podem enfrentar problemas. Certos métodos de avaliação param nas descrições de um candidato e são incapazes de prever seu desempenho num cargo diferente ou que envolva mais responsabilidade. Também é difícil ter uma discussão sincera sobre os pontos fortes e as necessidades de desenvolvimento de um alto líder. A natureza política da maioria das organizações torna as pessoas relutantes ou até incapazes de discutir honestamente o que observam e vivenciam ao avaliar outro indivíduo. Isso pode resultar de sentimentos de lealdade, de autoproteção ou de uma indisposição para confiar no julgamento de terceiros.
O método de avaliação GEM
É preferível um método que desenvolva e promova talentos internos acostumados à cultura de uma empresa a recrutar altos executivos de fora, pois isso pode ser um tiro no escuro. De um lado, o sucesso em cargos elevados depende da aceitação de um executivo por seus pares; muitos candidatos externos fracassam porque a cultura os rejeita. De outro, as promoções sinalizam que uma companhia valoriza seus quadros gerenciais.
Mesmo assim, empresas ignoram com freqüência o talento em seus próprios escalões para procurar um salvador vindo de fora. O Group Evaluation Method (GEM, ou Método de Avaliação em Grupo) supre as lacunas de vários outros métodos ao promover uma discussão franca sobre os pontos fortes e fracos de um indivíduo, incluindo uma previsão de seu desempenho em cargos de mais responsabilidade.
Por meio de uma discussão estruturada entre pessoas que conhecem as exigências do cargo e o candidato, avalia-se sua capacidade de liderança. O processo cobre três etapas:
-
Descrição: análise crítica das habilidades de um indivíduo em várias áreas da liderança, como integridade, forma de lidar com situações de crise ou de forte pressão, seleção de pessoas, pensamento estratégico, desempenho gerencial, habilidades interpessoais, habilidades de comunicação.
-
Previsão: discussão sobre como o candidato tenderá a se comportar e qual será seu desempenho num papel diferente, mais amplo, que acarrete mais responsabilidade, e em que aspectos poderia fracassar ou ter dificuldades.
-
Desenvolvimento: relação de prioridades de desenvolvimento de curto e longo prazo.
Esse processo também ajuda a criar consenso em torno das pessoas que ocuparão cargos mais elevados. Visto que, de modo geral, os avaliadores acabam sendo pares do novo líder, investirão para que a promoção dê certo, em vez de dar vazão a sua frustração por não terem sido incluídos no processo de seleção.
Tipicamente, no processo GEM, um facilitador habilidoso lidera grupos de quatro a seis pessoas escolhidas entre indivíduos com cargos superiores que tenham experiência em trabalhar com a pessoa em avaliação. Pode ser o gerente do indivíduo, o gerente de seu gerente ou altos gerentes que tenham trabalhado diretamente com o candidato. De modo geral, os subalternos não participam, mas os pares podem ser incluídos desde que ocupem cargos que não estejam em competição direta com o do avaliado. O grupo deve entender as potenciais exigências do cargo e, idealmente, ter interesse no sucesso do candidato. O facilitador ajuda a levantar questões e pressupostos, a buscar provas, a refinar perspectivas e a reconciliar divergências de opinião. E poderá então compilar um relatório que sintetize a discussão para a tomada de decisão final. Ao contrário da maioria dos métodos de avaliação, o GEM vai além da mera descrição do candidato, pois prevê seu sucesso. E acrescente-se que, devido ao fato de os avaliadores serem responsáveis pelo desenvolvimento do indivíduo em questão, poderão chegar a conclusões claras e práticas sobre como proceder e terão a autoridade necessária para implementá-las.
Exemplos de aplicações
Em trabalho recente da Mercer Delta, o processo GEM esclareceu uma gama de questões que não teriam vindo à luz de outra forma.
1. Revelar talentos ocultos
O presidente de uma grande empresa química nos Estados Unidos nos pediu uma avaliação de sua equipe gerencial e de vários executivos com alto potencial. Ele planejava aposentar-se dali a cinco anos e queria uma sucessão tranqüila e ordenada, além de talento suficiente na alta gerência. O problema era que um executivo “estrela”, encarregado da divisão mais rentável da companhia, achava que tinha direito ao cargo.
O presidente discordava, pois o executivo, de personalidade dura, havia afastado outros executivos e vários membros do conselho com suas críticas. O processo GEM deixou clara a falta de apoio a esse executivo, que então pediu demissão. Outro indivíduo que fazia parte do processo foi um dos subalternos diretos do presidente, responsável por uma operação que tinha orçamento, mas não apresentava demonstrativo de perdas e lucros. Embora fosse membro da alta gerência, costumava estar ausente das reuniões e não era muito conhecido dos outros executivos.
O GEM revelou suas habilidades de liderança e sua facilidade para contatos interpessoais. Também era muito respeitado por trabalhar bem em equipe e por sua reputação no setor em que atuava. Ao discutirem seu futuro, ficou claro que deveria assumir um cargo na sede da empresa para fortalecer seu relacionamento com a alta gerência e com a diretoria e que deveria demonstrar suas habilidades à frente de uma divisão que tivesse de apresentar demonstrativo de perdas e lucros.
Presumindo que isso desse certo, poderia ser promovido, após dois anos, ao cargo de diretor de operações e, em seguida, ao de presidente. Desde então, sabemos que esse executivo já se encontra em atividade na sede da empresa e que tudo corre conforme planejado para sua promoção a diretor de operações.
2. Revelar problemas ocultos
A utilidade do GEM para revelar percepções equivocadas se comprovou durante o processo de avaliação de uma gestora em meio de carreira. Ela gerenciava o departamento de atendimento ao cliente de uma grande empresa de tecnologia e estava sendo avaliada como potencial diretora. No quadro de avaliadores foram incluídos seu chefe direto e os vice-presidentes de recursos humanos e marketing. O chefe estava pronto a promovê-la quando descobriu que a candidata era arrogante e indelicada com o pessoal de marketing, com quem interagia diariamente. A sessão parou ali; todos concordaram que ela deveria receber feedback sobre isso e resolver o problema para permanecer no cargo. E a promoção foi, por consenso, descartada.
3. Contribuir para um plano de desenvolvimento
Numa empresa internacional de médio porte que presta serviços financeiros, o GEM ajudou na avaliação dos diretores de todas as funções. Durante uma sessão sobre o potencial do diretor de informática, vieram à tona vários fatos interessantes. Embora fosse inteligente, analítico e aprendesse rápido, não possuía treinamento formal nem graduação em sua especialidade. Mais preocupante ainda eram os relatos de que os sistemas da empresa haviam falhado diversas vezes, assim como os sistemas de backup. Além disso, no ano anterior haviam ocorrido pelo menos quatro incidentes em que as pessoas não conseguiam receber e-mail durante vários dias, o que prejudicara muito a empresa, com escritórios em vários outros países.
A equipe da alta gerência usou a sessão GEM como oportunidade para criar um plano de desenvolvimento para o diretor de informática com vista a melhorar o desempenho de sua função e os resultados seriam revistos antes de determinar se poderia ser promovido.
4. Adaptar o estilo de liderar de um candidato a presidente
Numa pequena empresa de prestação de serviços, o processo GEM ajudou na avaliação de três candidatos à sucessão do presidente. Embora a maioria das discussões relativas à sucessão costume ser realizada em particular, esse presidente decidiu reunir um grupo para uma discussão aberta, incluindo um membro do conselho que conhecia os candidatos e dois outros indivíduos da alta gerência prestes a se aposentar e que, portanto, não concorreriam ao cargo.
Todos queriam que a pessoa certa fosse escolhida, pois seus investimentos acionários e seus vencimentos de aposentadoria estavam diretamente ligados ao desempenho da empresa. O grupo identificou que um dos três candidatos teria maior possibilidade de assumir o cargo. O chefe anterior desse profissional louvou suas qualidades de liderança, inclusive sua capacidade de fazer o que se recomendava, resultado de seu treinamento como fuzileiro naval.
Contudo, o presidente fez um balanço das qualidades mais valiosas que esperava encontrar num líder: ele acreditava, por exemplo, que o empreendimento necessitava de alguém que pudesse estabelecer laços emocionais com os funcionários de todos os escalões. E a discussão revelou que isso não fazia parte das habilidades do candidato. Para explorar o assunto mais profundamente, a Mercer Delta entrevistou os subordinados do candidato a sucessor e confirmou sua tendência a ser abrupto e insensível com os outros, além de revelar sua dificuldade em agir informalmente em reuniões sociais.
As entrevistas com os subordinados do candidato também evidenciaram o grande contraste entre o estilo dele e o do presidente em exercício. A empresa crescera rapidamente com a aquisição de várias outras pequenas companhias e mantivera suas equipes gerenciais. O presidente, um empreendedor, soubera compartilhar o espírito empresarial dessas equipes e investir na ideia de que a organização era uma grande família de empreendedores que trabalhavam em regime de cooperação, e não numa estrutura de comando hierárquica. Graças aos detalhes revelados pelo processo GEM, esse profissional recebeu treinamento focado em habilidades interpessoais. Ele então pôde suceder ao presidente e está se saindo muito bem.
Outros métodos de avaliação
Embora o GEM seja um excelente método para superar os preconceitos nas avaliações e para prever o sucesso no desenvolvimento, também tem suas limitações. Assim, a informação advinda de múltiplas abordagens de avaliação costuma proporcionar uma visão mais completa.
Por exemplo, o GEM pode ser acoplado a entrevistas estruturadas e profundas para determinar o desenvolvimento, a avaliações e feedback de variadas fontes e a ferramentas e testes de avaliação psicológica. Na maioria das empresas existe vasta oferta de talentos aguardando a oportunidade de desenvolver-se. O que o processo GEM faz é proporcionar o retrato mais claro e detalhado dos pontos fortes e necessidades de desenvolvimento de cada indivíduo no contexto de sua empresa.
Assim, e suplementado por outras ferramentas sempre que necessário, o processo GEM gera as bases para a identificação e desenvolvimento de altos líderes para a próxima geração.
O que o GEM oferece à empresa
Pontos fortes
- Combina descrição, previsão e desenvolvimento.
- Os julgamentos baseiam-se na observação interna, em vez de em opiniões externas.
- O alinhamento de equipes da alta gerência se dá em torno de suas definições de liderança.
- Os julgamentos finais refletem consenso normativo de múltiplos observadores.
- A discussão de características é feita por múltiplos observadores.
Limitações
- Requer facilitadores habilidosos.
- Vários indivíduos devem conhecer o candidato a ser avaliado.
- Pares que são concorrentes diretos não podem ser incluídos no grupo de avaliação.
- Não inclui a contribuição de subordinados.
- Funciona melhor numa cultura organizacional aberta, em que as pessoas são sinceras e diretas.
- Não há benchmarking com o que está fora da empresa.
Fonte: Revista HSM Management, por Mercer Management Journal