Se os gestores de marcas não começarem a planejar o marketing a longo prazo, pouco conseguiremos avançar. Porém resultados recentes na bolsa de valores indicam a urgência de resultados a curto prazo. Como proceder?
Com a saída da General Electric do índice Dow Jones, fica uma dúvida: as empresas precisam ter essa visão de futuro? Segundo especialistas, são necessários cinco reposicionamentos
Em um ambiente de negócios cada vez mais focado nos resultados de curto prazo, muitas empresas tradicionais têm enfrentado dificuldades para se manter no topo com base em suas estratégias de longo prazo, voltadas ao crescimento sustentável.
Nesse sentido, a exclusão da General Electric do índice Dow Jones da Bolsa de Nova York, no fim de junho deste ano, foi um marco. Por diversos motivos. A GE era a última remanescente dos integrantes originais do Dow Jones, importante referência da economia mundial. A empresa também é o caso mais recente de uma longa lista de marcas institucionais que são consideradas termômetros de mercado, especialmente por conta do desempenho de longo prazo.
Será que a visão de longo prazo realmente conta para o branding? Mark Miller e Lucas Conley, autores do livro Legacy in the making: Building a long-term brand to stand out in a short-term world [em tradução livre, Legado em construção: Criando uma marca de longo prazo para se destacar em um mundo de curto prazo], defendem que sim, que a visão de longo prazo continua a ser o caminho mais proveitoso, tanto para marcas como para investidores. “Embora pareça algo contra-intuitivo, marcas guiadas por ambições de longo prazo são capazes de tomar decisões de curto prazo melhores e mais rapidamente do que as concorrentes”, escreveram em um artigo na Knowledge@Wharton.
Há o desafio de revitalizar marcas icônicas como a GE, no entanto, e eles propõem uma abordagem diferente para isso.
Para os pesquisadores, a abordagem moderna de construção de legados empresariais exige que as organizações avancem além dos parâmetros tradicionais, em um processo de transformação que os autores estruturaram em cinco dimensões:
1) Do institucional para o pessoal. Em vez de se basear apenas nos sistemas e processos institucionais, é preciso atrair pessoas que buscam fazer a diferença, o que se traduz em um compromisso social mais profundo.
2) Do atitudinal para o comportamental. Em vez de se basearem em atitudes (aquilo que dizem) que satisfaçam o público externo, os líderes mais avançados querem que os comportamentos (aquilo que fazem) internamente estejam de acordo com as crenças da organização. Em vez de atuar de fora para dentro, eles agem de dentro para fora.
3) Do comando para a influência. As empresas não dizem mais o que os consumidores devem fazer, mas levam em conta sua influência social e convidam os clientes a ajudarem a contar a história da marca.
4) Do ortodoxo para o não convencional. Líderes que constroem um legado moderno fazem mudanças extraordinárias e duradouras quebrando as regras e até mesmo atuando a partir de paradoxos – por exemplo, o de que é possível ganhar dinheiro e, ao mesmo tempo, ser um vetor do bem.
5) Do episódico para o perpétuo. É preciso encontrar uma forma de cultivar o significado duradouro, revigorando a marca ao fazer do passado um ponte para o futuro. Segundo os especialistas Miller e Conley, em um mercado em rápida mudança, como o atual, marcas como a GE têm de fazer mais do que “dar vida a coisas boas” no fim de cada trimestre.
“Para construir legados modernos, elas devem encontrar formas de manter essas coisas boas vivas e prosperando por muitos e muitos anos”, afirmam.
Administradores com foco em marketing olham para o futuro, mas agem apenas pensando no curto prazo
Se os profissionais não começarem a pensar no marketing a longo prazo, pouco conseguiremos avançar
O marketing é um dos pilares das empresas. Afinal, ele é responsável por fazer a ponte entre a marca e os seus consumidores. Contudo, muitas companhias ainda não aproveitam todos os benefícios que ele poderia proporcionar, o que se deve ao fato de seus profissionais não pensarem no marketing a longo prazo. Diante de um mercado cada vez mais dinâmico, é preciso aprender não só a olhar para o futuro, mas também agir de maneira planejada até ele.
Com um dia a dia cheio de obrigações, como lidar com orçamentos, gerenciamento e ferramentas SaaS, os profissionais de marketing acabam sob pressão para resolver as questões do momento, deixando de lado planejamentos importantes para o futuro. Isso contribui para que as companhias percam competitividade em relação à concorrência.
SaaS Marketing é a estratégia que desenvolve o marketing de um serviço vendido como assinatura, com o fornecedor recebendo uma receita recorrente. Ele busca despertar no usuário o interesse em experimentar seu serviço. Durante esse teste, o marketing procura demonstrar na comunicação ao cliente as vantagens de se tornar um assinante.
Para colher melhores retornos, é necessário pensar em trabalhos mais duradouros, que gerem resultados constantes e tragam autoridade e engajamento para a marca.
Resolver os problemas de agora é essencial. Mas só isso basta?
O marketing e a estratégia andam de mãos dadas. Porém, os profissionais da área estão deixando a estratégia de lado quando o assunto é se planejar para o futuro. De acordo com uma pesquisa feita pelo The CMO Survey em agosto de 2019 com 341 líderes de marketing dos Estados Unidos, esses profissionais gastam 68,5% do seu tempo gerenciando questões do presente e somente 31,5% preparando-se para o futuro.
A descoberta surpreende, principalmente em um tempo em que se fala muito da relação entre negócios, marketing e tecnologia para desenvolver negócios inovadores. Portais e eventos da área estão sempre discutindo sobre a adoção de tecnologias avançadas, como Inteligência Artificial (AI), personalização e aprendizado de máquinas para conquistar oportunidades futuras, melhorar a experiência do cliente, bem como criar novos produtos e serviços.
Diante disso, por que ainda se peca ao criar planos para o futuro?
Alguns fatores respondem este questionamento:
Pressão por ganhos a curto prazo
Geralmente, o marketing é visto como uma alavanca para impulsionar as vendas a curto prazo, em vez de um mecanismo que possibilita o crescimento a longo prazo.
A pressão trimestral para obter lucros do mercado acionário, por exemplo, gera a necessidade de focar em campanhas de marketing para alcançar lucros imediatos ou ampliar as linhas de produtos. Com isso, os profissionais deixam para mais tarde o desenvolvimento de recursos ou negócios que resultem em benefícios permanentes.
Poucas funções estratégicas
É comum que os profissionais de marketing ocupem funções táticas, como gerenciar mídias sociais ou promoções. Segundo o levantamento da The CMO Survey, o marketing lidera a entrada no mercado em somente 37% das organizações, o aumento das receitas em 36% e a seleção do mercado em 20,6%.
Portanto, fica evidente que quando os membros do time de marketing não têm espaço na mesa dos líderes, eles também não têm credibilidade para inspirar e liderar mudanças estratégias no seu setor de atuação.
Ambiguidade de função
Em outro relatório também da The CMO Survey, de fevereiro de 2019, evidencia-se que somente um em cada três líderes de marketing afirmam que têm uma função ‘’muito clara’’ dentro da empresa.
Uma vez que consideram as suas funções ambíguas, é provável que esses profissionais se concentrem mais em prioridades momentâneas do que nas estratégias para futuro, visando obter conquistas rápidas para proteger o que podem controlar.
Embora seja crucial resolver os problemas do agora, é imprescindível adotar medidas que permitam que a empresa obtenha os resultados desejados e consiga mantê-los.
Olhar para o futuro é o começo da mudança
Estar atento em tudo é uma das principais características dos profissionais de marketing. Isso é indispensável para saber quais são as tendências que estão surgindo e como elas podem ser aproveitadas no seu trabalho.
Este é o primeiro passo para começar a pensar a longo prazo. A partir do conhecimento das tendências futuras, o time de marketing pode criar planejamentos para que elas sejam aplicadas no negócio.
Desse modo, pode-se desenvolver o hábito de estar sempre com um pé no futuro e pronto para gerenciar ferramentas e comportamentos que impactam o negócio. Com isso, a empresa não corre o risco de ser pega de surpresa por não ter se preparado para as novidades do mercado.
Marketing a longo prazo traz valor para a empresa
O marketing pensado a longo prazo engloba a visão, missão e valores da empresa. Trata-se de um planejamento que pode durar anos para ser colocado em prática e que tem papel decisivo nas ações da marca.
A partir dessa estratégia é possível definir qual é o posicionamento da organização. Sendo assim, pode-se dizer que o processo orienta ações de maneira macro, funcionando como uma importante ferramenta de comunicação com o público-alvo.
O objetivo do marketing que olha para o futuro vai muito além de atrair o público desejado, haja vista que se baseia em três pilares: educar, encantar e fidelizar. Tais processos fazem com que a empresa crie autoridade no mercado, ganhando uma posição de destaque em comparação aos concorrentes.
Todavia, os resultados não são imediatos e é necessário compreender que, por esse processo trabalhar estratégias consideradas mais robustas e complexas, atinge todo o time de marketing.
As etapas para o marketing a longo prazo são:
- realizar uma pesquisa de mercado;
- determinar os objetivos e metas da empresa;
- criar as personas exigidas para o negócio;
- estabelecer linhas de conteúdo;
- definir cronogramas para o processo;
- monitorar os resultados constantemente.
As métricas são essenciais para se provar o investimento a longo prazo
As métricas são aliadas para comprovar os resultados obtidos por meio do investimento de longo prazo. Nesse caso, as métricas a serem definidas dependem do tipo de objetivo das ações de marketing dentro do planejamento.
Se a intenção é aumentar o conhecimento da marca, pode-se usar como métrica o número de curtidas nas páginas das redes sociais, número de visualizações em vídeos e número de visitas no site da companhia.
Quando a ideia é ampliar o engajamento da marca, é possível mensurar o número de compartilhamento das redes sociais, quantidade de comentários e tempo que cada usuário gasta no aplicativo da empresa, por exemplo.
Em situações em que o objetivo é educar o mercado, uma possibilidade para metrificar os resultados é o acompanhamento do número de visitas no site, número de assinantes da newsletter e porcentagem de pessoas que adotam a solução oferecida pelo negócio.
O marketing a longo prazo ocupa um papel fundamental para definir e efetuar mudanças no posicionamento da marca como um todo, sendo obrigatório para que seja viável atingir os resultados macro da empresa.
Ao voltar os olhos para o futuro, os profissionais de marketing ajudam a construir marcas com bases mais fortes e devidamente preparadas para lidar com as novidades e oscilações do mercado.
Curto e longo prazo no marketing: os reflexos no conteúdo e storytelling
Entenda porque marcas priorizam os efeitos de curto prazo no marketing e quais as consequências disso para o branding e sucesso das empresas.
Se eu pensar nas marcas com as quais tenho trabalhado ou prestado consultoria nos últimos anos, a maioria delas na área de tecnologia B2B, a principal prioridade sempre foi a ativação de vendas em curto prazo. Mas nós, profissionais de marketing B2B, costumamos chamar de geração de leads.
As empresas investiram a maior parte do orçamento delas em campanhas de curto prazo, no fundo do funil (e em conteúdo relacionado), na esperança de aumentar as vendas nos próximos trimestres. Eu tive uma prioridade semelhante quando liderei o marketing para a divisão de uma grande empresa na área de energia.
O foco não era a marca. As campanhas de ativação de curto prazo e os programas de vendas eram bem-sucedidos na maioria dos casos. Pelo menos, isso é o que eu (e a maioria dos profissionais de marketing) pensamos.
A pesquisa mais recente de Les Binet e Peter Field, Effectiveness in Context, analisa centenas de campanhas do banco de dados IPA, com foco na eficácia do marketing. De acordo com Binet e Field, a eficácia do marketing está em declínio e o “curto prazo” é, em muitos aspectos, a mãe de todos os problemas de marketing. O que aconteceu, exatamente?
Os efeitos do curto prazo no marketing
Como mencionei, os profissionais de marketing estão cada vez mais focados no curto prazo. Eles gastam dinheiro na ativação de vendas imediatas, em vez de construir uma marca em longo prazo. Optam por táticas de fundo do funil porque pagarão melhor, em um ano, na maioria dos casos.
Mas em uma das partes mais importantes da pesquisa, Field e Binet demonstram que, no longo prazo, essa visão imediatista deteriorará rapidamente o impacto geral do marketing.
Muito tempo gasto colhendo as frutas mais baixas significa menos tempo para regar a árvore. Eventualmente, ela para de crescer.
Além disso, distraídos por um fluxo contínuo de dados de curto prazo, os profissionais de marketing não vão perceber que algo vai dar errado. E quando o fizerem, pode ser tarde demais.
Existem outras descobertas notáveis mencionadas nas pesquisas mais recentes:
- marcas online tendem a buscar efeitos de ativação de vendas de curto prazo mais do que marcas offline, devido à disponibilidade de clientes;
- marcas em categorias com alto volume de pesquisas online (serviços financeiros, bens duráveis etc.) tendem a seguir marcas online e buscar efeitos de ativação de vendas de curto prazo, porque é mais fácil ativar respostas;
- profissionais de marketing de marcas de vendas baseadas em assinatura (por exemplo, operadoras de rede móvel e software) diminuíram os gastos das comunicações com construção de marca.
Com base em minha experiência, eu acrescentaria que a maioria das marcas de tecnologia B2B tende a priorizar estratégias de curto prazo devido à disponibilidade mais fácil de clientes online.
“A revolução digital costuma levar ao aumento da eficiência de ativação e, portanto, uma proporção maior deve ir para a marca. Parece paradoxal, mas o que está acontecendo no mundo digital significa que você precisa construir essa marca ainda mais”, diz Binet.
“Marcas online que vendem ou alcançam o público online precisam de uma porcentagem maior de seus gastos indo para a construção da marca, pois elas já têm canais diretos para conversão.
A realização digital está levando a uma maior eficiência de distribuição, portanto, é necessário dar mais ênfase à marca.”
O mesmo vale para aquelas em categorias com alto volume de pesquisa online, de tecnologia, baseadas em assinatura financeira e para todas as empresas que negligenciaram estratégias de reconhecimento de marca em longo prazo.
O papel do conteúdo e storytelling nesse contexto
Consequentemente, a produção de conteúdo se concentrou, principalmente, no fundo do funil e no conteúdo focado no produto (ou serviço) para dar suporte a programas de ativação de vendas de curto prazo.
Na maioria dos casos, uma estratégia de conteúdo sólida e documentada nem foi solicitada e nem implementada. Você não precisa dela para a execução de campanhas de ativação de vendas de curto prazo.
Field e Binet aconselham uma estratégia combinada de reconhecimento de marca e ativação de vendas para alcançar o máximo de eficácia de marketing. Eles aconselham uma divisão em 60/40 para um impacto ideal em muitas categorias diferentes.
Isso significa que você deve investir pelo menos 60% de seu orçamento em reconhecimento de marca em longo prazo e 40% em ativação de vendas mais imediata. E pode haver variação nesse valor para cada setor. Por exemplo, o setor financeiro é aquele em que a construção da marca é mais importante.
FMCG = A Sigla FMCG, que em inglês significa fast-moving consumer goods, em tradução livre é algo como produtos de giro rápido.
As comunicações de marca criam estruturas de memória duradouras, que aumentam o nível básico de demanda e reduzem a sensibilidade ao preço. A ativação de vendas aciona essas memórias e as converte de forma eficiente em vendas imediatas, diz Binet.
A construção da marca e a ativação de vendas não são escolhas ou alternativas. Elas são mutuamente interdependentes e ambas são essenciais para o sucesso em longo prazo.
Os autores explicam que o marketing de ativação de vendas tem a ver com o aumento da disponibilidade física e funciona melhor por meio de um direcionamento rígido e mensagens relevantes.
Em contraste com isso, a construção da marca significa aumentar a disponibilidade mental dos consumidores para sua empresa e é impulsionada por amplo alcance, histórias, emoções e associações.
O cenário ideal seria executar programas integrados de conscientização da marca e ativação de vendas. E é aqui que a estratégia de conteúdo e técnicas como storytelling entrarão em jogo.
O conteúdo e o storytelling no topo do funil estimularão o conhecimento da marca e sua necessidade de construir memórias duradouras. Os materiais de meio e de fundo do funil alimentarão a necessidade imediata de programas de ativação de vendas.
O valor está nas lembranças e o conteúdo está no centro delas.
IPA
O Institute of Practitioners in Advertising (IPA) é o órgão comercial e instituto profissional para agências e indivíduos que trabalham na indústria de publicidade, mídia e comunicações de marketing do Reino Unido.
Fonte desses artigos: foram publicados na Revista HSM Management e no portal Rock Content, por Ivan de Souza e Giuseppe Caltabiano, e o estudo que inspirou os gráficos foi publicado pelo IPA