A ambiciosa Rota da Seda do século 21

Embora haja desafios, a China tem os meios e o nível de comprometimento necessários para fazer o novo bloco econômico de 68 países crescer de modo inclusivo. Saiba mais detalhes sobre a nova rota da seda que conecta a China com vários países via ferrovias e portos.

Com a ascensão do protecionismo no Ocidente, o presidente da China, Xi Jinping, prometeu apoiar a globalização. Ele anunciou no primeiro semestre deste ano a iniciativa “Belt and Road” (cinturão e rota, em inglês), de US$ 900 bilhões, considerando-a “o projeto do século”. Ela materializa a ambição chinesa de liderança global e já houve um fórum multinacional para discuti-la, o Belt and Road Forum for International Cooperation.

O projeto Belt and Road significa uma mudança de estratégia da China para o mundo e transformará consideravelmente a dinâmica mundial do comércio e da geopolítica. Nada disso será fácil, porém. Algumas nações permanecem céticas sobre a prática e a lógica do grande número de frentes da Belt and Road, enquanto muitos críticos rotularam a iniciativa de “neocolonialismo”. Certos países até se recusaram a validar esse imenso plano, preocupados com a falta de compromisso da China com a transparência e a sustentabilidade socioambiental.

Contudo, o que torna a iniciativa potencialmente transformadora não é apenas o investimento e a infraestrutura técnica dos trabalhos. Mais importante do que isso são os novos valores e a filosofia que formam a base ideológica do projeto. O “espírito da Rota da Seda”, conforme colocou Xi, incorpora o espírito de “paz e cooperação, abertura e inclusão, aprendizado e benefícios mútuos”. Como uma das maiores beneficiadas com a globalização nas últimas décadas, a China está tentando alavancar sua compreensão sobre as necessidades das nações em desenvolvimento de transformar suas economias e aperfeiçoar o bem-estar de seu povo.

Xi parece tentar desenvolver o projeto com seu poder de convencimento, não com a “força bruta” econômica. Isso é claramente muito desafiador e talvez arriscado. Mesmo assim, fornece a visão de uma nova ordem global. Historicamente, a ajuda de potências ocidentais costumava estimular o desenvolvimento econômico como meio de reforço às ideologias políticas ocidentais nos países beneficiados.

Em compensação, a visão para a iniciativa Belt and Road, de acordo com os chineses, é formar “uma grande família de coexistência harmônica”, ao converter as lendas da antiga Rota da Seda em uma história moderna de crescimento inclusivo e cooperação mundial. Isso se parece um pouco com conto de fadas, mas a ideia chinesa é que a construção de pontes e estradas na Ásia Central e de portos na África e no Sul da Ásia ajudará essas nações a participar da economia mundial com o melhor de suas capacidades. Trata-se de algo diferente de forçar qualquer país a, em troca de socorro, obedecer ao comportamento político da parte poderosa.

Além de infraestrutura física, o projeto incluiu a construção de “Rotas da Seda virtuais”, como estradas digitais que cruzam fronteiras. A China já lidera o mundo de muitas maneiras em e-commerce e outras formas de inovações digitais para negócios. Esse aspecto da iniciativa oferece grande potencial para todos os envolvidos.

FOCO NO LONGO PRAZO

A iniciativa de Xi apresenta oportunidades significativas tanto para empresas com sede na China como para as do resto do mundo. Mesmo assim, a maioria das companhias de fora da China ainda não descobriu exatamente como se envolver ou maximizar o potencial total da Belt and Road. É compreensível, dadas a complexidade da iniciativa e sua falta de clareza.

Por ora, muitas pessoas enfatizam seus elementos tangíveis – como o tamanho e o escopo da infraestrutura, o investimento total e o grande número de países envolvidos – e afirmam que essa é uma missão irrealista.

Especialistas alegam que a dimensão do projeto e a inexperiência chinesa em gerenciar ações dessa natureza levarão ao fracasso. Há, de fato, muitos desafios à frente, mas é preciso lembrar que a China já teve vários aprendizados desse gênero também.

Ao mesmo tempo que muitas empresas chinesas estatais serão a vanguarda da Belt and Road, o setor privado terá papel relevante. Comparadas às estatais, as companhias privadas da China são, em geral, mais ágeis, centradas no mercado e empreendedoras. A ideia promovida por Xi poderia oferecer às melhores delas uma plataforma para crescerem e se tornarem globais.

Ao longo da próxima década, veremos um grande salto na conectividade global, e a influência geopolítica da China tende a continuar a crescer. O país permanecerá migrando da periferia do palco mundial para o centro. Se bem executada, a Belt and Road poderá oferecer à economia mundial a sacudida necessária para crescer, tirando mais pessoas da pobreza e expandindo o mercado consumidor. O comércio entre países europeus e asiáticos, por exemplo, pode aumentar conforme a iniciativa faça as mercadorias serem embarcadas de maneira mais eficiente.

Deve haver alguns tropeços pelo caminho, talvez alguns grandes. E também não é garantido que a China tenha todas as ferramentas e os recursos para tratar cada problema corretamente, pelo menos não de início. Precondições, como o contínuo bom desempenho da economia chinesa, são igualmente necessárias. O país vai aprender e adaptar-se em pleno voo. A Belt and Road não será fácil e seu impacto não se dará da noite para o dia, mas não é sábio desconsiderar a capacidade da China de torná-la um sucesso.

Fonte: Revista HSM Management, por Edward Tse. Ele é fundador e CEO da Gao Feng Advisory Company, consultoria em gestão sediada na China, e autor de China’s disruptors.


Atualização do artigo em outubro de 2019

Após a publicação original do artigo acima, em 2017, algumas atualizações sobre o assunto já foram publicadas na midia. Vejamos:

As ‘Novas Rotas da Seda’, o maior projeto do presidente chinês

A segunda cúpula das “Novas Rotas da Seda”, ocorrida em maio de 2019 por Xi Jinping, é dedicada ao projeto do presidente chinês, que tenta colocar seu país no centro das relações econômicas mundiais. Oficialmente chamado de “o Cinturão e a Rota”, este projeto procura melhorar as relações comerciais intercontinentais mediante a construção de portos, ferrovias e parques industriais.

Quem apoia?

O presidente russo, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, aliados da China, estão presentes, assim como outros 35 chefes de Estado e governo procedentes de Ásia, África e América Latina, assim como os dirigentes máximos da ONU e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mas a maioria dos países da Europa ocidental, prudentes diante do projeto chinês, apenas enviou ministros, e os Estados Unidos não têm representação. Há uma exceção: o chefe do governo italiano, Giuseppe Conte, cujo país se somou à iniciativa chinesa em março, tornando-se a primeira nação do G7 a fazê-lo. O fórum, que vai até sábado, reúne participantes de 150 países, inclusive da vizinha da Coreia do Norte.

Centenas de bilhões

Desde o lançamento das Novas Rotas da Seda, em 2013, a China investiu ao todo 90 bilhões de dólares em vários projetos, e os bancos emprestaram entre 195 bilhões e 295 bilhões de dólares, de acordo com Xiao Weiming, alto responsável chinês encarregado do programa.

Os países que se uniram

Segundo o ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, 126 nações e 29 organizações internacionais já assinaram acordos de cooperação com Pequim. Esses acordos não representam necessariamente um apoio incondicional ao projeto chinês, embora proponham cooperação em outros países, ou em matéria de investimentos.

Trens

Uma linha de frete ferroviário entre a China e a Europa liga 62 cidades chinesas a 51 cidades europeias, espalhadas por 15 países. Esses trens fizeram 14.691 viagens desde seu lançamento em 2011, de acordo com Pequim. O valor total das mercadorias negociadas nos dois sentidos é de cerca de 34 bilhões de dólares em 2018.

O reflexo do desequilíbrio comercial é que 94% dos trens que partem da China estão cheios, contra apenas 71% daqueles que fazem o caminho inverso. Além disso, duas linhas ferroviárias ligarão a China ao Laos e à Tailândia. No Quênia, um trem destinado às “Rotas da Seda” une a capital Nairóbi a Mombaça, o principal porto do país, localizado à margem do Oceano Índico.

Estradas e portos

No Paquistão, uma série de obras de infraestrutura (estradas, ferrovias, produção de energia) foi construída para ligar a costa sul do país à cidade chinesa de Kashgar (noroeste). O projeto, chamado “Corredor Econômico China-Paquistão”, inclui a construção de estradas, represas hidrelétricas e obras no porto paquistanês de Gwadar, no mar da Arábia.

Para Islamabad, o objetivo é estimular o crescimento nacional e, para Pequim, ter, por meio desse acesso marítimo, uma rota mais rápida e segura para suas importações de petróleo do Oriente Médio. O projeto suscita desconfiança por parte da Índia, porém, já que o “corredor” cruza parte da Caxemira administrada pelo Paquistão, um território que Nova Délhi considera ilegalmente ocupado.

Fonte: Revista IstoÉ e Agencia de Notícias AFP