A nova era da complexidade

A complexidade (proposta nesse artigo) se refere a um conjunto de eventos, principalmente aqueles ligados à área científica, que ocorreram no final do século 19 e que foram sendo debatidos, confrontados e assimilados ao longo do século 20. Alguns afirmam que esses eventos constituíram uma espécie de revolução, depois de quase três séculos de determinismo, racionalismo, positivismo e concepção mecanicista de mundo.

Morin diz que a complexidade é a “ordem dentro da desordem” ou a “certeza da incerteza”. As ciências da complexidade, por sua vez, são todas as que se ocupam da forma, do desenvolvimento e do funcionamento de sistemas complexos.

Uma nova era está sendo criada pela complexidade e pela convergência entre novos materiais, novos modelos, biocomputação, neurociência, entre outros componentes. Isso está mudando a sociedade e abrindo novas e múltiplas oportunidades de negócios –e também ameaças. É o que garante Christopher Meyer nesta entrevista exclusiva

“Pense o que aconteceria se seu negócio e seus investimentos pudessem contar com uma previsão sobre o impacto que os computadores e a tecnologia da informação lhe causariam”, sugere Christopher Meyer nas páginas iniciais de It’s Alive, livro em que ele se propõe analisar, com Stan Davis, o próximo ciclo econômico. Ele afirma que a chave está na ciência, porque dela dependem os negócios do futuro, e que cada novo ciclo começa quando os cientistas fazem alguma descoberta sobre como funciona o mundo. Depois vem a fase da tecnologia: as inovações no laboratório convertem-se em novas capacidades produtivas. Na terceira etapa, as empresas incorporam a tecnologia para melhorar seu rendimento. Finalmente, o declínio determina o fim do ciclo, até que uma nova descoberta marque o início de outro.

Nessa entrevista, Meyer analisa os principais avanços científicos e descreve as empresas com capacidade de se adaptar às mudanças, que, por contarem com a diversidade e a experimentação, encontram métodos que permitem inovar de forma permanente:


Pergunta: A ciência e os negócios parecem atuar em espaços e tempos diferentes: orientada em longo prazo, a ciência pertence ao âmbito do laboratório; atentas ao mercado, as empresas se concentram em gerar ganhos o mais rápido possível. Mas no livro It’s Alive o sr. sugere que as empresas demoram cada vez menos para capitalizar as inovações…

Geralmente costumamos pensar que, em grande medida, o mundo permanecerá tal como está até o resto de nossas vidas. No entanto, como apontou Ray Kurzweil, o índice de progresso tecnológico duplica a cada década (veja entrevista na página 76). Isso significa que, se alguém prevê que algo demorará 50 anos para ocorrer, na realidade se equivoca: acontecerá em menos de 20. Acostumadas às estimativas dos anos 90, as pessoas não per-cebem que a tecnologia avança cada vez mais rápido, e o que ocorreu há uma década teria levado meio século para o que hoje leva 20 anos.

Talvez não possamos definir com precisão nem detalhes as mudanças, mas é possível antecipar o que ocorrerá de modo geral. Assim como a Revolução Industrial, que surgiu de descobertas em química, termodinâmica e eletricidade, modificou as técnicas de fabricação –estas, por sua vez, provocaram mudanças na sociedade, nas táticas de guerra, na demografia e no estilo de vida–, os atuais avanços em ciência e tecnologia terão profundos efeitos em nossas organizações econômicas e sociais. Alguns poderão pensar que se trata de tendências de longo prazo; no entanto, toda empresa voltada para a fabricação deveria estar informada dos desenvolvimentos na ciência dos materiais, para poder elaborar produtos de melhor qualidade, mais baratos e que não danifiquem o meio ambiente.

O mesmo ocorre com as companhias que atuam no mercado de cuidados com a saúde ou na agricultura: sem exceção, elas têm de prestar atenção ao que ocorre no campo da biotecnologia. Por sua vez, as firmas de comunicação ou de publicidade precisam analisar como as novas gerações utilizam as redes e encontrar uma maneira de manter contato com elas. Todas teriam de pensar que a forma da organização corporativa, que surgiu no século 19, provavelmente não seja apropriada para atuar no século 21.

Pergunta: Quais são os principais avanços científicos aos quais devemos dar mais atenção?

O primeiro grande grupo tem a ver com a “ciência molecular”. Uso esse termo para indicar que a biotecnologia, a ciência dos materiais e a nanotecnologia aproveitam os novos conhecimentos sobre o comportamento das moléculas e as ferramentas necessárias para sua manipulação. Os chamados “nanomanipuladores” são máquinas capazes de movimentar átomos individualmente, desenvolvidas no âmbito da ciência dos materiais e da microeletrônica com o objetivo de fabricar chips cada vez menores.

O segundo avanço importante está vinculado à ciência das redes, ou seja, a área da matemática que explica a forma como crescem e se comportam os sistemas interconecta-dos, como o sistema nervoso ou a internet.

O terceiro avanço-chave é o dos modelos de simulação baseados em agentes; está muito ligado à ciência das redes, porque, quanto mais as entendemos, maior é nossa capacidade de criar simulações que sejam reflexo das decisões, as quais, de forma metafórica, vão desde as de um gene para regular outro gene até aquelas que uma pessoa normalmente toma. A capacidade de simular comportamentos individuais, assim como as interações com os modelos de agentes, nos permitirá usar o que aprendemos das ciências molecular e das redes para administrar as empresas.

Pergunta: Quais áreas serão mais afetadas por essas correntes?

Sem dúvida, a fabricação será transformada por tudo que temos aprendido no âmbito molecular. As duas aplicações mais significativas em termos quantitativos são relativas a revestimentos de superfícies e cosméticos. Como resultado da incorporação de elementos em escala nanométrica, obtêm-se as tintas mais brilhantes para automóveis, que não descascam, e cosméticos de melhor qualidade.

Há também muitos avanços no campo da biologia, que provocam impacto nas indústrias farmacêutica e de alimentação e na agricultura. A empresa Cyrano Sciences, por exemplo, criou um dispositivo que identifica odores: o Cyranose. Essa tecnologia permitirá aos médicos diagnosticar infecções a partir do ar exalado por uma pessoa, assim como servirá a aplicações militares, podendo detectar produtos tóxicos na atmosfera. Por outro lado, os avanços no estudo das redes já são capitalizados por empreendimentos na indústria dos meios de comunicação. Um exemplo é o ATTAP (sigla em inglês de all things to all people, ou tudo para todos), que analisa como o comportamento de um indivíduo na internet pode corresponder ao de outros, para então disponibilizar essa informação em uma rede de pessoas com interesses similares.

Pergunta: Que forças impulsionam esse tipo de desenvolvimento?

A mais importante é o poder do processamento barato. O maior mercado de supercomputadores da IBM está na biologia. As pesquisas sobre o genoma, por exemplo, demandam tanta capacidade de processamento que seriam impossíveis sem os benefícios do cálculo barato. O segundo fator está relacionado às redes. Há alguns anos, Duncan Watts, diretor do projeto SmallWorld e conhecido internacionalmente por ter atualizado a teoria dos “seis graus de separação”, escreveu um ensaio extraordinário no qual demonstrava a semelhança entre a estrutura matemática do sistema nervoso do nematódeo (um helminto microscópico que se alimenta de raízes), a rede de energia elétrica da região oeste dos Estados Unidos e a ligação disso com as estrelas de Hollywood. São três tipos diferentes de rede: a primeira se desenvolve biologicamente; a segunda é construída por engenheiros; e a terceira constitui um processo sociológico. De certa forma, elas apresentam uma estrutura matemática idêntica.

Pergunta: Uma das palavras-chave na ciência atual é “biocomputação”. Em que consiste e quais são suas aplicações nos negócios?

Biocomputação significa que, se podemos expressar o código biológico como código computacional, tudo que sabemos fazer com o código digital pode ser aplicado à análise e simulação dos sistemas biológicos. E é isso o que está acontecendo: cada vez mais sistemas biológicos são projetados, e a pesquisa em medicina avança por meio da simulação “em silício”, isto é, feita pelo computador. Há alguns anos, por exemplo, um grupo de pesquisadores conseguiu simular o músculo cardíaco, e a FDA (Federal Drug Administration), dos Estados Unidos, aprovou a simulação como prova daquilo que se imagina ser a batida cardíaca. A partir dessa descoberta, simulou-se o funcionamento completo do coração, para que fosse possível estudar os efeitos das diferentes drogas. Outro exemplo da convergência da simulação para as ciências moleculares é o Institute for Systems Biology, que trabalha com simulações para o estudo do funcionamento dos órgãos em nível celular.

Pergunta: O eixo de It’s Alive é a eminente convergência entre a tecnologia da informação, a biologia e os negócios. O sr. acaba de dar exemplos das duas primeiras. Como os negócios se integram a essa equação?

Os algoritmos genéticos são um bom exemplo de sistemas informáticos inspirados em modelos biológicos para a resolução de problemas nas organizações. John Deere os aplicou para melhorar a eficiência de suas fábricas de máquinas semeadoras. Para a empresa, tornava-se muito difícil projetar os cronogramas das linhas de fabricação, já que há mais de 1 milhão de configurações diferentes para máquinas que devem adaptar-se a diferentes condições de cultivo e de sementes. Algumas têm dosadores de plástico que armazenam fertilizantes e inseticidas; outras operam mecanicamente, enquanto há alguns modelos que funcionam por sistema hidráulico. O problema consistia em criar o cronograma ideal ou a melhor sequência de fabricação de diferentes máquinas semeadoras. Depois de experimentar diversas técnicas sem bons resultados, John Deere recorreu aos algoritmos genéticos, que se baseiam nos princípios da evolução e cujo ponto de partida é o conjunto de máquinas a fabricar. Com isso, muitos cronogramas foram gerados, assim como simulação do rendimento de cada um. Depois de escolhidos os melhores e após a etapa de “criação”, eles são “recombinados” para criar um cronograma “filho”. Cada noite são criados e avaliados 40 mil cronogramas, e os melhores são utilizados na fábrica no dia seguinte.

Pergunta: Que outras empresas utilizam algoritmos genéticos?

A General Electric (GE) os utilizou para melhorar o desenho do motor do Boeing 777, e a Marks & Spencer, para avaliar as solicitações de cartões de crédito. Em poucas palavras, os algoritmos genéticos traduzem noções de evolução, como a recombinação genética, para a matemática. Mas a evolução também oferece lições para a gestão de empresas.

Quais?

O que impulsiona a evolução é a diversidade: maior variedade no “pool genético” –ou seja, o conjunto da informação genética de uma população em determinado momento–, maior originalidade nas espécies. Nos Estados Unidos, por exemplo, são cultivados quatro tipos de milho, com os quais, conforme o clima, é possível obter rendimentos máximos. No entanto, o Departamento de Agricultura guarda centenas de cepas que lhe permitirão desenvolver uma variedade de milho para se adaptar melhor ao ambiente, em caso de ocorrência de mudanças climáticas ou de pestes que afetem as quatro variedades cultivadas. Assim, a diversidade se torna um ingrediente fundamental. O segundo algoritmo é a recombinação –o processo por meio do qual dois genomas são combinados para criar um novo. E, por último, a pressão seletiva ou sobrevivência dos melhores, a dos mais aptos para se adaptar ao ambiente.

Nesse caso, a forma de inovar das empresas pode ser vista como evolucionista, ou seja, um processo regido pelas leis da diversidade, da recombinação e da pressão seletiva. Antes as organizações costumavam formar grupos de pessoas com antecedentes parecidos, que compartilhavam expectativas semelhantes. Na época da industrialização, esse enfoque fazia sentido, porque as empresas, em termos biológicos, eram de “monocultura” e, como tais, podiam ser muito eficientes para alcançar altos rendimentos. As companhias denominadas “adaptativas”, por sua vez, caracterizam-se pela grande variedade: congregam pessoas provenientes de culturas diferentes, com idioma, formação e experiências distintos.

A segunda característica é a recombinação de ideias: são empresas que sempre se reorganizam porque sabem que criar novas aproximações entre pessoas e atualizar as redes de contato aumenta a flexibilidade e a capacidade de adaptação. Elas promovem a rotatividade da equipe, designando aos funcionários diferentes funções e criando oficinas abertas que incentivam a comunicação. O terceiro ponto é a pressão seletiva. Às vezes, existem muitas novas ideias, mas isso não significa que são boas, ou há tantas boas ideias que talvez seja impossível desenvolver todas; em ambos os casos, é preciso encontrar a forma de selecionar as melhores. Nos Estados Unidos, o treinador de uma das principais equipes de beisebol aplicava a seguinte regra: cada ano, um dos oito jogadores estaria fora da equipe e se ausentaria na temporada seguinte. Isso levava a uma grande pressão. O que aconteceria se um alto executivo fosse substituído cada ano? O efeito seria interessante, porque garantiria a sobrevivência dos melhores.

Pergunta: No entanto, as mudanças no mercado e a astúcia dos concorrentes, entre outros fatores, também causam pressão. Por que seria necessário tomar medidas internas?

O problema é que as empresas não assimilam a pressão externa antes que seja tarde demais. Sempre percebem que o mundo ao redor muda, mas não conseguem adaptar-se a ele porque, enquanto o mercado é regido por suas próprias leis econômicas, o sistema interno é determinado por jogos políticos e de poder, que são forças bem mais conservadoras.

De que forma elas podem aumentar sua capacidade de adaptação?
Percebemos que as empresas adaptativas se caracterizam pelas capacidades de perceber e reagir e de aprender a se adaptar. Assim como um ritmo cardíaco inalterável é sinal de coração doente –porque o normal é que varie de acordo com as emoções e a velocidade em que trabalha, entre outros fatores–, as organizações que procuram ser muito estáveis não aproveitam o feedback que seu ambiente proporciona em dois sentidos. Um deles é o que chamamos “perceber e reagir”, e equivale a captar de imediato as variações nos mercados e a elas reagir. O segundo é identificar os erros e com eles aprender. A Amazon, por exemplo, cada vez que recebe uma reclamação de cliente, analisa a ocorrência e determina o que deve ser mudado. Em síntese, as empresas adaptativas percebem e reagem às variações no mercado e em seguida avaliam a efetividade das respostas, procedendo aos ajustes necessários e aprendendo com seus erros.

Saiba mais sobre Meyer

De 1995 a dezembro de 2002, Christopher Meyer foi diretor do Center for Business Innovation (CBI), unidade da firma de consultoria Cap Gemini Ernst & Young cuja missão era “antecipar e dar forma ao futuro dos negócios”. Meyer –que estudou matemática e economia na Brandeis University e em seguida obteve MBA na Harvard Business School, ambas de Massachusetts, Estados Unidos– interessou-se pela teoria da complexidade ao ingressar na CBI, porque logo percebeu que suas ferramentas e metodologias serviam à resolução de problemas de negócios. Pouco depois, a partir do diálogo com Stuart Kauffman, um dos pioneiros no tema (leia entrevista na página 64), entendeu que as ciências da complexidade poderiam ser aplicadas às redes.

Anteriormente, Meyer foi vice-presidente da Mercer Management Consulting, onde desenvolveu a prática de “indústrias da informação”, que envolviam telecomunicações, hardware, software, serviços de informação e mídia. Ele escreveu, com Stan Davis, os livros It’s Alive: The Coming Convergence of Information, Biology and Business e Blur: The Speed of Change in the Connected Economy and Future Wealth.

Atualmente Meyer é presidente executivo da Monitor Networks, divisão da firma de consultoria Monitor Group, com sede em Cambridge, Massachusetts, e suas pesquisas estão voltadas para o desenvolvimento de empresas adaptativas, isto é, as que têm capacidade de perceber as mudanças no ambiente de negócios e a elas se adaptar.


Fonte: Revista HSM Management – A entrevista é de Viviana Alonso