Alta dos preços agrícolas, ameaça ou oportunidade?

O problema da fome no século 20 esteve e está muito mais relacionado com a falta de renda do que com a disponibilidade global de alimentos. A imensa injeção de tecnologia com o melhoramento genético, a introdução de insumos modernos, a mecanização, a biotecnologia, o manejo das lavouras, a integração das cadeias produtivas, a melhoria nos transportes e da armazenagem e a globalização dos mercados permitiram que a produção de alimentos explodisse e juntamente com ela a população mundial, permitindo ao mesmo tempo um forte crescimento do nível de urbanização e da renda per capita nas principais economias emergentes.

Nas últimas quatro décadas, o Brasil tornou-se o terceiro maior exportador mundial de produtos do agronegócio e referência notável de competitividade na área tropical do planeta, com uma pauta cada vez mais diversificada, gerada por sistemas eficientes de produção de alimentos, bebidas, fibras, rações e agroenergia. Um setor que exporta hoje US$ 76 bilhões, gera 16 milhões de empregos apenas no campo, interioriza o desenvolvimento e incorpora alta tecnologia, tendo se tornado benchmark global em diversas cadeias produtivas.

Mas, ainda assim, nos últimos anos temos assistido a recorrentes problemas de oferta em importantes regiões agrícolas do planeta em razão de inundações, chuvas excessivas, secas, doenças e outros fatores inerentes ao sistema. Os estoques dos principais grãos encontram-se no nível mais baixo dos últimos 30 anos e muitos especialistas já preconizam que caminhamos para uma década com déficits estruturais de oferta no mundo.

O primeiro impacto da alta dos preços agrícolas são as análises precipitadas e as recomendações equivocadas de políticas. Tal é o caso da carta do presidente da França, Nicolas Sarkozy, que propõe a velha e fracassada receita da formação de estoques reguladores e controles de preços pelos governos centrais.

Não é de espantar que a proposta de controlar a oferta, em vez de expandi-la, venha exatamente de um país campeão em gerar distorções nos mercados agrícolas mundiais.

O clássico protecionismo da Política Agrícola Comum da União Europeia tem profundas raízes francesas. No acesso aos mercados, são tarifas altíssimas e cotas de importação aplicadas cirurgicamente sobre as commodities mais importantes, escaladas tarifárias que protegem contra a importação de produtos de maior valor adicionado e toda sorte de barreiras não tarifárias.

Na produção e na exportação, são subsídios altamente distorcivos que deterioram a concorrência mundial. A solução para ampliar a oferta mundial e reduzir o preço das commodities agrícolas não é mais intervenção governamental no mundo, mas sim menos distorções, com a redução das tarifas, cotas, subsídios e outras proteções que impedem que a plena expressão das vantagens comparativas se manifeste.

Internamente, é hora de refletir sobre a imensa responsabilidade que esta nova crise global representa para a agricultura brasileira. O Brasil é o país mais bem posicionado do planeta para dar um salto de produção nas cadeias produtivas da agricultura com rentabilidade e sustentabilidade.

Mas esse setor tem sido altamente prejudicado pela valorização do câmbio, pelos gargalos da infraestrutura, pelas deficiências da defesa sanitária, por um conflito cada vez mais insano entre desenvolvimento agrícola e conservação ambiental, sem contar os inaceitáveis conflitos agrários e as restrições aos investimentos na ampliação da área agrícola brasileira.

Na questão do Código Florestal, por exemplo, corremos o risco de ver imensas áreas produtivas sendo compulsoriamente transformadas em florestas, ao mesmo tempo que continuamos permitindo o desmatamento de imensas áreas de florestas com baixa aptidão agrícola.

Isso porque depois de 500 anos ainda não fizemos um simples zoneamento capaz de apontar onde deve ficar a agricultura e onde devem ficar as florestas.

É hora de constituir uma verdadeira força-tarefa público-privada para atuar organizadamente ante o desequilibro de oferta que se desenha no mundo. Em vez de taxar, incentivar.

Em vez de controlar a oferta e a demanda, expandir a produtividade. Fazer com que a eficiência já obtida dentro das propriedades rurais chegue às estradas, ferrovias, hidrovias e aos portos.

Equilibrar desenvolvimento agrícola e conservação ambiental, modernizar a legislação trabalhista no campo, ampliar os investimentos nacionais e estrangeiros, aumentar a racionalidade e fortalecer as nossas instituições.

Este é certamente um importante desafio para o novo governo, com repercussões não apenas para o Brasil, mas para o planeta, já que até 2050 será necessário aumentar em 70% a produção agrícola mundial.

Confúcio, o famoso sábio chinês, dizia que, “apesar das muitas conquistas da humanidade, devemos a nossa existência aos primeiros 20 centímetros de solo e ao fato de chover”. É verdade! Mas, além da água das chuvas e dos minerais do solo, a civilização moderna, globalizada, urbana, consumista e hiperconectada só existe porque o homem desenvolveu tecnologias agropecuárias que trouxeram imensos ganhos de eficiência e importantes quedas nos preços reais dos alimentos. Este é o momento certo e o país certo para avançar com firmeza nessa equação.


Fonte: jornal O Estado de São Paulo