Indo muito além da retórica que hoje envolve o branding, Jaime Troiano, pioneiro da área no Brasil, propõe um processo para que ele possa ser internalizado na organização e contribua para sua real sustentabilidade
- Sinopse do artigo:
Deram-se conta de que uma marca pode responder por 70% do valor de um negócio, o que explica por que a gestão de marcas, já popularizada pelo termo em inglês “branding”, virou uma febre. No entanto, essa ferramenta gerencial e seu potencial precisam ser entendidos (e aplicados) com mais profundidade. O branding pode sustentar uma empresa no longo prazo e, por isso, deveria ser sempre pauta da liderança, o que raramente é.
Está na hora de a gestão de marcas ser incluída em todos os processos empresariais e ser internalizada na organização, o que pode ser feito por meio de quatro passos fundamentais, que incluem sua priorização pela alta gerência, menor vaidade corporativa, humildade para prestar atenção ao que acontece no mercado e preservação da identidade.
Em paralelo, é preciso que os gestores saibam utilizar corretamente as cinco principais ferramentas de branding:
- extensão de marca;
- arquitetura de marca;
- reputação corporativa;
- valor econômico;
- propósito.
Por exemplo, o propósito pode tornar a empresa imune a esforços de cópia pelos rivais, pois emerge das características únicas da alma de uma organização. Dele vem a “excelência de alma”, ou “soulful excellence”, mais poderosa do que a excelência operacional.
Hoje (dia 23 de janeiro de 2012) acabei de fazer uma pesquisa na seção de livros do site da Amazon. Usei a palavra “branding” no mecanismo de busca. Obtive 3.403 resultados, entre publicações e outros documentos relativos ao tema. Eu pensei conhecer muitos, mas estava familiarizado, na verdade, com apenas algumas dezenas deles, que constituem uma parte insignificante do material impresso a esse respeito.
Afinal, o que é branding?
Gestão de marcas ou branding deixou de ser um compromisso passageiro, um movimento da moda, uma preocupação cosmética de designers e profissionais de comunicação. Também não é mais uma elaboração intelectual e filosófica sem comprometimento com o bottom line. O branding tem se transformado rapidamente em uma ferramenta de gestão nas empresas.
Um estudo que realizamos há pouco mostra quanto os CEOs brasileiros estão ansiosos por ver esse instrumento – e suas manifestações – aplicado no dia a dia da organização. Na medida em que o valor das marcas representa uma fração substancial do valor da empresa como um todo ou de sua capitalização de mercado, não existe mais justificativas para que elas façam parte apenas da descrição de cargo dos profissionais de marketing.
Hoje, o branding é o instrumento de gestão potencialmente mais eficaz na construção de valor e de sustentabilidade na vida das organizações. A história das empresas nos mercados caminhou de uma disputa entre produtos para uma concorrência das respectivas formas de propaganda e comunicação até chegar ao estágio que começamos a descortinar: uma competição entre as realidades simbólicas de suas marcas.
O branding é, em certo sentido, a continuação e a negação da Revolução Industrial. É a continuação por se tratar da forma suprema de relacionamento entre produção e consumo.Por outro lado, é a negação porque branding é o princípio da desmaterialização da economia, em que cada vez mais operaremos com bits simbólicos e menos com átomos, em todas as relações com os stakeholders das empresas. Por tudo isso, o branding deveria ser sempre pauta da sala do board. Porém a verdade é que ainda não é, ou é muito pouco – especialmente no Brasil.
Como o branding pode se constituir em um processo internalizado dentro das organizações? Como sua cultura pode penetrar e se enraizar nos outros processos de gestão dos negócios? As recomendações seguintes não são uma “receita de bolo”, mas quem as pratica sabe que o poder de negócio e de relacionamento de suas marcas com o mercado e com o público interno passa a ser muito maior e muito mais sustentável:
A. Faça a conversão e garanta que seja percebida por todos.
Esta é a primeira e talvez a mais essencial de todas as recomendações. Se a organização e, principalmente, seus executivos-chave não tiverem consciência da necessidade de levar temas de branding para a sala do board, nada vai acontecer. Ele vai continuar feudalizado em algum departamento, provavelmente marketing ou comunicação corporativa. Sem uma autêntica conversão, com o devido ritual, o branding acabará tendo apenas um papel cosmético e periférico.
B. Abandone a vaidade corporativa.
Marcas não resistem a desaforos e um dos piores é a vaidade corporativa. É em nome dela que a marca assume ares de soberba e de injustificada arrogância. Por exemplo: quando a marca se aventura em novos mercados de produtos e serviços sem ter licença perceptual ou autoridade reconhecida para isso. O mercado está cheio de casos de marcas de boa estatura que, movidas por vaidade corporativa, sentem-se no direito de atuar em áreas novas em que não são reconhecidas como players naturais.
C. Vivencie permanente e humildemente seu mercado.
Louis Gerstner (ex-CEO da IBM) disse algumas vezes o seguinte: “A desk is a dangerous place from which to view the world”. Nem sei se, originalmente, a frase é dele, mas está pendurada na parede de nosso escritório para eu olhar todos os dias. O branding é um processo alimentado por um conhecimento real dos clientes, consumidores e stakeholders em geral.
Grandes líderes de empresas aéreas vivem dentro de aviões; profissionais do mercado de consumo adoram conviver com supermercados. O contato com o mundo real ensina tanto quanto o que nos chega pela tela dos computadores. O branding não é uma construção filosófica, ou “intelectualoide”, de sacerdotes e iniciados. É uma formulação que deriva de uma profunda experiência daqueles a quem a marca se dirige.
D. Não deixe de preservar a identidade.
O branding é uma forma criteriosa de proteger as conquistas simbólicas da marca. Nada mais nefasto para a vida das marcas do que a confusão. E o crescimento das empresas, seus processos de aquisição e fusão, tem criado uma arquitetura de marcas confusa, que muitas vezes parece mais uma casa com “puxadinhos”. A posição das marcas, umas em relação às outras, complica-se. As hierarquias perdem a limpidez. Forma-se o que nós, do Grupo Troiano de Branding, costumamos chamar de “surubrand”. É uma expressão tão feia quanto fácil de entender. O “surubrand” compromete a preservação da identidade. Uma vez adotadas essas diretrizes principais, a empresa deve saber utilizar da melhor maneira as ferramentas do branding.
Cinco ferramentas-chave
Frequentemente, há uma visão romântica e um viés filosófico que alimentam o pensamento de branding em nosso mercado, como já indiquei antes. Porém não há como o branding se transformar em uma atividade que tenha os pés no chão se, além de uma visão mais conceitual, não estiver apoiado também em ferramentas operacionais de trabalho.
São elas que transformam a gestão de marcas num processo com começo, meio e fim. São elas que potencializam a vida das marcas e sua capacidade de ser uma suprema ferramenta de negócios. Quero apresentar cinco ferramentas essenciais para quem quer se envolver com o branding nas organizações e praticá-lo de forma consistente e eficaz.
1. Extensão de marca
Muitas vezes, processos de extensão de marca ainda lembram a sequência do Mickey no filme Fantasia, de Walt Disney – a inesquecível ideia de um personagem que, ao som de O aprendiz de feiticeiro (música de Paul Dukas), ordena magicamente que algumas vassouras transportem baldes de água para ele. O resultado todos conhecem: as vassouras escapam a seu comando, fruto de sua inexperiência como mágico, multiplicam-se e causam uma grande enchente.
Extensão de marca (brand extension ou brand stretch, em inglês) é um tema que está na agenda de nove entre dez diretores de marketing da atualidade (ou, ao menos, deveria estar). E também na pauta de preocupações de CEOs, diretores de planejamento e diretores financeiros.
Não é difícil entender o porquê. Há uma necessidade darwiniana de crescimento nas organizações atuais. Tudo indica que crescimento é um dos dispositivos de adaptação e seleção natural. Não crescer é um sinal de que algo não vai bem. Porém estratégias de crescimento são uma equação que admite múltiplas soluções.
De todas as múltiplas soluções, uma delas é a extensão de marca, o que significa utilizar a mesma plataforma de reconhecimento que a marca já tem no mercado. Depois de longos períodos de investimentos intensivos na construção de uma franquia sólida, nada mais natural do que aproveitá-la para expandir negócios em outras áreas de produto.
Utilizar processos de extensão de marca para desenvolver novos negócios é, de alguma forma, acelerar o retorno sobre investimentos feitos na construção da marca. No entanto, é preciso não confundir extensão de marca (brand extension) com extensão de linha. Extensão de linha é algo mais simples, que não tira a marca de seu habitat natural. Um fabricante de sucos que lança um novo sabor ou um fabricante de televisores que coloca no mercado um modelo maior ou com funcionalidades mais modernas estão praticando extensões de linha. Ou seja, eles conduziram um processo de ampliação de negócios dentro do mesmo território original.
Apesar das dificuldades e ameaças, as recompensas das extensões de marca são enormes como uma ferramenta de expansão de negócios. É fácil entender os motivos disso:
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O primeiro deles é a comparação entre os custos envolvidos nesse processo e os que são necessários para começar uma nova marca do zero. O movimento frenético de extensões de marca demonstrou que as empresas optaram por esse caminho e não apenas pelo da criação de outras marcas. Aliás, há um bom tempo cultivo a hipótese de que o século 20 foi o momento em que as grandes marcas que conhecemos surgiram. O século 21, ao contrário disso, parece que será o da multiplicação da família de produtos dessas marcas.
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O segundo motivo que torna a extensão de marca um processo muito atraente e tentador é o fato de que ela pode fortalecer a própria marca-mãe. Extensões não são apenas uma ferramenta de abertura de novos territórios para os produtos da marca. São também um dispositivo para o desenvolvimento do poder da marca original. Trata-se de uma engenhosa ferramenta para incrementar o valor desse ativo – e não só de um ponto de vista mercadológico, mas também financeiro.
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O terceiro motivo se aplica particularmente ao mercado business-to-consumer. Espaço para colocação de produtos no varejo é uma conquista cada vez mais árdua. Marcas já existentes, que disponham de reconhecimento e prestígio, têm muito mais abertura para conquistar espaços. Sua “folha corrida” é uma garantia antecipada de resultados.
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O quarto e último motivo é o relacionamento com consumidores e a noção de customer equity. Como fazer para gerar mais negócios com um número menor de consumidores? Fazendo com que a marca possa acompanhá-los em outras categorias de produtos ou serviços além daquela em que atua originalmente. Extensões de marca incrementam o customer equity, ou seja, aumentam o valor que cada cliente ou consumidor tem para a empresa. E, por isso, deslocam o eixo de preocupações mercadológicas da disputa por market share para um esforço de consolidação de relações duráveis.
2. Arquitetura de marca
Essa é a segunda ferramenta no dia a dia do branding. O que chamamos de arquitetura de marca é a forma pela qual se organiza o relacionamento entre as marcas de uma empresa, tanto as de produto ou de serviços como o vínculo que elas estabelecem com a marca corporativa.
A falta de processos consistentes e de atenção cuidadosa tem gerado o que eu chamei antes de “surubrand” em várias organizações: uma desordem arquitetônica na composição das marcas. Ao longo dos últimos 20 anos, a arquitetura das marcas corporativas e das marcas de suas famílias de produtos tem sido fortemente abalada e deteriorada. Nesse período, alguns fatores vêm contribuindo para o fenômeno:
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A multiplicação de fusões, aquisições e reconstituições corporativas. Esses processos conturbam sempre a ordem preexistente na posição relativa das marcas e de suas identidades. E o restabelecimento da ordem nem sempre é a primeira providência que se toma. Entretanto, cuidado! Não é uma solução de design gráfico que resolve o problema.
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A expansão e, muitas vezes, a exacerbação no uso de unidades de negócios dentro das empresas já existentes. Em muitos casos, a fragmentação da marca corporativa é fruto de uma exagerada independência das unidades de negócios com suas identidades.
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O saudável efeito do crescimento tem, muitas vezes, efeitos colaterais não tão saudáveis, como a própria desorganização da arquitetura das marcas.
Ainda que haja vários modelos híbridos de arquitetura para organizar as relações entre as marcas de uma empresa, quatro são mais representativos em nosso mercado – e a opção por um deles exige um pensamento conceitual acima de tudo, além de uma permanente vigilância contra aqueles fatores de desestabilização que indiquei acima:
- Modelo monolítico: todos os produtos da empresa são representados pela própria marca corporativa (Bradesco, Audi…). Trata-se de um modelo extremamente poderoso, difundido historicamente, ainda que nem sempre fácil de administrar. Tanto é que um deslize em uma linha de produtos respinga no conjunto todo. É o efeito “spillover”, a que se referem os teóricos do assunto.
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Modelo aditivo: as marcas ou empresas que se integram somam suas identidades; lembre-se dos intermináveis nomes de empresas de advocacia. Ocorre quando ninguém tem coragem de abandonar uma das identidades originais. Você se lembra do HSBC Bamerindus? Ou, há não muito tempo, Knorr Cica? É um modelo comum nos processos de transição.
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Modelo de independência: cada uma das marcas de produtos da empresa tem autonomia em relação às demais, chegando mesmo a competir entre si. E, importante, o mercado normalmente desconhece o parentesco entre elas. É o caso, por exemplo, da rede Accor de hotéis, com suas marcas Sofitel, Pullman, Novotel, Mercure etc., ou das cervejas da Ambev.
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Modelo de paternidade: trata-se de uma arquitetura em que a marca de uma linha de serviços ou de produtos tem a assinatura (endorsement ou endosso) da identidade corporativa. É o Fiesta da Ford, o Leite Moça da Nestlé, e assim por diante. Inevitável nos lembrarmos da Unilever, que, de uma forma muito organizada, migrou de seu clássico modelo de independência, que praticou por décadas, para esse modelo de paternidade sinalizado por seu icônico U. E tudo indica que a P&G iniciou a mesma trilha também no Brasil.
Arquitetura de marca é uma ferramenta para tornar claras, a todos os stakeholders, as relações entre as marcas e exige uma atenção contínua, já que os fatores desestabilizadores estão presentes o tempo todo na empresa.
3. Reputação corporativa
As marcas corporativas foram, durante muitas décadas, figuras pálidas, ensombrecidas, de caráter exclusivamente institucional. Encontrar ou descobrir o nome do fabricante por trás de determinada marca de produto era procurar agulha no palheiro. Tudo isso mudou muito. As marcas corporativas adquiriram maior protagonismo na relação da empresa com todos seus stakeholders.
A própria comunicação corporativa deixou de ser uma verba de ocasiões comemorativas apenas e integrou a rotina de relacionamento com o mercado. (Vale dizer que em momento algum isso significou um achatamento relevante das marcas de produtos.) Por tudo isso, nada mais atual do que falar de uma ferramenta que é o branding corporativo. É dele que depende muito o prestígio ou a reputação que as marcas representantes de uma organização têm. A reputação da marca corporativa tem benefícios e funções que só ela pode desempenhar:
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Ela dá paternidade ou endosso às marcas de produtos e serviços.
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Concentra e corporifica melhor que ninguém os valores, princípios e propósito que pautam a organização.
- Dá uma clara resposta à pergunta sobre quem assina e está por trás das marcas de produtos e serviços –aliás, uma das perguntas mais habituais hoje em dia entre consumidores.
- Contribui para alinhar estrategicamente as relações da empresa com os stakeholders.
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Cria relações mais estáveis com clientes e fornecedores.
- É fonte de orgulho motivacional.
Bem, mas tudo isso se intui, dirá o atento leitor! Sim, mais importante é a ferramenta processual para administrar a reputação da marca corporativa. Em um estudo que conduzimos anualmente com a revista Época Negócios, são avaliadas mais de 200 corporações que operam no País, muitas delas com ações cotadas na bolsa de valores. O indicador de reputação que utilizamos é fruto de entrevistas online realizadas com uma amostra de 15 mil pessoas distribuídas pelo Brasil. O cálculo desse indicador é uma média ponderada de:
- Qualidade de produtos e serviços.
- Compromissos sociais e ambientais.
- Evolução da empresa.
- Padrões de comportamento ético.
- Admiração gerada pela empresa.
- Capacidade de inovação reconhecida.
Por meio dessa ferramenta, é possível identificar as linhas de força e as fragilidades da reputação corporativa, tanto entre empresas cujas marcas disputam o mesmo mercado como em mercados distintos.
O estudo que conduzimos pelo quarto ano consecutivo nos permitiu comprovar algo que é supremamente valioso para o branding corporativo, algo que nossa intuição dizia ser verdadeiro, mas que ainda dependia de uma comprovação sólida: a reputação da marca corporativa está relacionada com algo muito tangível e fundamental aos negócios, que é a performance das empresas no mercado de capitais.
Hoje nós dispomos da evidência de que ter marcas de reputação e ter melhor desempenho na bolsa de valores são coisas que caminham juntas. Reputação não é algo sem substância concreta que apenas alimenta a vaidade corporativa dos gestores. O que identificamos é uma indiscutível relação entre performance na bolsa e o indicador de reputação da marca corporativa. O gráfico abaixo comprova a conclusão: Em primeiro lugar: o grupo das marcas cujo indicador de reputação é maior (linha verde) tem empresas, em média, com maior valor de mercado. E vice-versa: onde a reputação é mais baixa, o desempenho na bolsa e a capitalização de mercado são menores. Em segundo lugar: as empresas desse mesmo grupo, aquelas com marcas de maior reputação, recuperaram-se da crise de 2008 mais rapidamente que as de reputação, em média, mais baixa (linha avermelhada). Ou seja, podemos supor que o prestígio da marca corporativa em si não impede que baques ocorram, mas a retomada do fôlego para elas é mais rápida.
Tudo o que já sabíamos sobre gerenciamento das marcas corporativas deixa ainda mais evidente que ele merece um espaço definitivo na sala do board.
4. Valor econômico
A contribuição do valor dos intangíveis no valor total do negócio de uma organização passou a ser substancial e não é mais possível olhar para eles como um adereço cosmético. Por exemplo, na relação entre valor patrimonial e valor de mercado de 60 empresas listadas na Bovespa, feita recentemente, aferimos uma razão média igual a, aproximadamente, três, entre o valor de mercado e o patrimonial.
Ou seja, o mercado percebe a existência de um conjunto de ativos não incorporados ao balanço que cria esse múltiplo de três, fazendo com que é mais verdade, mesmo que as metodologias para tanto ainda não sejam as mais científicas.
O professor Don Schultz, da Kellogg School of Management, em Chicago, repetiu ad nauseama seguinte provocação: “Se os profissionais de marketing não acordarem, os gestores financeiros administrarão as marcas e não eles”.
O terceiro fator é tão importante quanto os dois primeiros: a avaliação econômica de um ativo como marca, quando realizada periodicamente, fornece um precioso indicador sobre a saúde da gestão como um todo. Se não fosse útil para mais nada, seria um dispositivo adicional esclarecedor para atender a algumas expectativas de acionistas e investidores.
Os caminhos mais utilizados e mais bem-aceitos atualmente para o cálculo do valor econômico de marcas estão inspirados em metodologias consagradas pelos gestores financeiros e são rotineiramente divulgados na imprensa.
O maior pecado da maioria, contudo, costuma ser uma apressada aferição desse valor, com base apenas em dados de balanço publicados por empresas de capital aberto. Isso tem levado ao surgimento de rankings muito díspares entre diversas empresas avaliadoras, o que reforça a suspeição sobre o poder dessas técnicas de medida. E dá um motivo a mais para desestimular seu uso.
5. Propósito
Se sua marca deixasse de existir amanhã, o que o mundo perderia? Essa é uma pergunta ao mesmo tempo provocativa e transformadora, porque propósito talvez seja a ferramenta primordial do branding.
Quando não há um propósito para que a marca ou a empresa exista, seu desaparecimento não causa um vazio no mercado onde atua. Um eventual vácuo é rapidamente ocupado pelos competidores e sem qualquer sentimento de luto de clientes e consumidores. Propósito é algo diferente de missão, visão, valores.
Aliás, fizemos uma rápida pesquisa nos websites de 50 empresas, coletando suas missões e valores. Em geral, foram quase sempre as mesmas palavras, em ordens distintas, as usadas para formular as missões e as visões das organizações.
Tenho a impressão de que, se trocássemos os quadros pendurados nas paredes de uma empresa para outra de madrugada, os funcionários, ao chegarem, não perceberiam a mudança. Propósito, ao contrário, tem um aspecto único, porque nasce da alma da empresa e não de sua comparação com os concorrentes. É a matéria-prima simbólica responsável por sua fundação, o sonho original que inspira sua existência.
Em um nível pessoal, propósito é o que dá sentido para nossa vida e nos move adiante. Propósito é aquilo que nos faz acordar mais motivados para ir trabalhar: não apenas porque estamos sendo bem pagos, mas porque, sinceramente, sentimos que fazemos a diferença no mundo. Como disse um amigo meu: “Propósito acaba com a crise do domingo à noite”. E ele me explicou. No domingo à noite, durante o programa Fantástico, da TV Globo, ele ficava sofrendo por antecipação com o retorno à empresa no dia seguinte e com a longa semana pela frente. Quando, porém, em outra organização, ele entendeu que havia um propósito que o motivava e que dinamizava seu trabalho, o domingo à noite passou a ter outro sabor em sua vida.
Propósito é o significado maior que organiza todos os outros relacionados a uma marca corporativa. Propósito, em resumo, é a declaração de como a empresa pretende contribuir para a humanidade. Organizações que articulam elementos de sua alma na construção de um propósito relevante e distinto atingem o que nós chamamos de “soulful excellence” ou excelência de alma.
Esse conceito soma-se ao de excelência operacional, termo mais frequentemente discutido no dia a dia empresarial para caracterizar as companhias realmente de sucesso. Excelência operacional pode ser copiada, porém, e de fato é, todos os dias, cada vez mais rapidamente, daí a fundamental importância da “soulful excellence”: ela é imune a esforços de cópia pelos rivais, pois emerge das características únicas da alma de uma empresa, dos sonhos dos fundadores, do que a torna autêntica e indispensável para o mundo.
Propósito também é bem diferente de posicionamento, como é praticado em marketing. Ao definirmos posicionamento, é natural que olhemos para fora, a fim de descobrir que espaço ocuparemos, como em geral fazem os segundos filhos quando começam a crescer e têm a referência do irmão que nasceu antes. Para identificar o propósito, temos de olhar para dentro da organização, para sua história, para o que imaginaram seus fundadores. Mais ou menos como fazem os primeiros filhos, que precisam olhar para a própria família e para si mesmos.
Sem esperar pelo consenso
Será o branding a nova face do marketing? Ou trata-se apenas da extensão do que as empresas mais criteriosas com o gerenciamento de suas marcas já fazem há muito tempo? Quem sabe não é apenas o processo intelectual que rege o planejamento de comunicação? Será uma ferramenta de gestão eficaz? Poderia estender essa lista de questões, mas não é o caso.
Mesmo sem resposta definitiva para elas, o gestor de bom senso consegue observar quando o branding é tratado de forma consistente e profissional e quando é obra de paraquedistas, que oferecem soluções pasteurizadas em vez de específicas para cada empresa. Não serão a falta de uma definição consensual e o excesso de retórica que impedirão o branding de ser internalizado na gestão das empresas. É como na astronomia: o pobre Plutão deixou de ser definido como planeta, mas continua girando por lá, catalogado como o corpo celeste 134340, não?
Brand Sun, a extensão de marca consistente
A ferramenta que tem se mostrado mais eficiente para explorar novos territórios de atuação de uma marca de produtos ou de serviços é o que denominamos de “brand sun” (sol da marca).
O “brand sun” nos indica qual é a proximidade de percepção entre a marca e as novas áreas de produtos ou serviços nas quais ela pretende atuar. A primeira onda do brand sun é onde residem as principais oportunidades de mercado para a extensão da marca e o lugar em que os investimentos mercadológicos e de comunicação para a introdução de novos produtos da marca são mais compensadores.
Quanto mais distante da marca, que é como um sol na ilustração, mais improvável é o êxito do lançamento de um novo produto. Há armadilhas que espreitam a marca nos novos territórios para onde ela está se deslocando, e é por isso que nem sempre as extensões são bem-sucedidas.
Algumas providências são essenciais para escapar desses perigos potenciais, embora não constituam nenhuma bula de remédio:
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A primeira e mais crítica: identificar se a marca tem, de fato, natural autoridade para atuar no novo mercado. É o que denominamos de regra da afinidade, cuja resposta nos é dada pelo brand sun.
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A segunda providência é obedecer à regra da velocidade. Não é possível acomodar na cabeça dos consumidores uma avalanche de novos produtos em pouco tempo. Grandes empresas que tentaram (e algumas continuam tentando) não tiveram sucesso e foram obrigadas a voltar atrás.
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A terceira armadilha é supor que extensão de marca só funciona bem quando há uma proximidade física ou industrial entre os novos produtos e o território original da marca. As fronteiras para extensões de marca não precisam, necessariamente, se esgotar no plano físico e obedecer a critérios industriais.
A vizinhança não tem de estar atrelada a alguma característica física do produto. Uma caneta Bic, um isqueiro Bic e um aparelho de barbear Bic são muito diferentes do ponto de vista industrial, mas têm algo que os aproxima, que é a ideia de produtos convenientes e, principalmente, descartáveis.
Teste: verdade ou mentira?
A pedido de HSM Management, Jaime Troiano identificou algumas das principais verdades e mentiras praticadas hoje no mercado brasileiro sob o nome de branding. Confira se você já tomou uma por outra, caindo vítima de alguma delas (e só consulte a resposta depois):
1. Deve-se ficar permanentemente atento para que os KPIs (indicadores-chave de desempenho, na sigla em inglês) não adquiram importância desproporcional no branding, porque assim tendem a contaminar a filosofia da marca.
2. Agências de propaganda não devem se envolver em branding, por estarem comprometidas essencialmente com a receita derivada dos processos de comunicação.
3. Políticas de branding profissionais e eficazes precisam contar com o envolvimento granular de todos os segmentos da organização; ainda que alguns grupos de profissionais sejam os operadores do processo, o branding é de todos.
4. Os operadores mais preparados e envolvidos com o branding continuam a ser os gestores de marketing.
5. O branding alimenta o poder das marcas principalmente fora da organização.
6. É inevitável que o branding ande de mãos dadas com a accountability.
7. O branding é algo que se resolve, essencialmente, com formulações de design.
8. No branding, como em toda religião nascente, encantamento e rigidez sacerdotal são maiores do que a compreensão da doutrina.
Respostas:
- Mentira
- Mentira
- Verdade
- Verdade
- Mentira
- Verdade
- Mentira
- Verdade
Fonte: Revista HSM Management