O pioneiro trabalho da marca Unilever feito na subsidiária brasileira, que serve de base para o futuro da empresa, é detalhado nessa entrevista por Luiz Carlos Dutra, VP de assuntos corporativos da Unilever no Brasil e na América Latina.
Em se tratando de corporações multinacionais, todo mundo já sabe – e se conforma: o desenvolvimento da marca (brand developing) é feito na matriz e, na melhor das hipóteses, a construção da marca (brand building) se dá no mercado local. A menos que… o branding se refira à marca corporativa Unilever e o mercado local seja o Brasil, que costuma responder por 50% dos negócios da América Latina em empresas de bens de consumo em geral.
A Unilever Brasil promoveu a exceção a essa regra ao planejar e executar, aqui, a tão importante construção da marca corporativa mundial, fazendo a própria tradução do conceito “one company”, definido em 2004 pela companhia.
Nessa entrevista à editora – executiva de HSM Management (Adriana Salles Gomes), um dos maiores responsáveis pela conquista, Luiz Carlos Dutra, vice-presidente corporativo da Unilever Brasil e do cluster América Latina, detalha esse processo, que foi feito de maneira gradual e com a preocupação de embutir um conceito amplo de sustentabilidade, que não envolve apenas meio ambiente e futuro, mas também autoestima e bem-estar.
Falamos de mudança em toda edição da HSM Management, mas devo admitir que a materialização desse conceito fica gritante mesmo quando uma companhia de 44,2 bilhões de euros de faturamento, como a Unilever, anuncia a terceira grande mudança em sete anos, que é sua reorganização em oito clusters. Como é mudar tanto em tão pouco tempo?
A Unilever realmente vem em forte ritmo de mudanças. Teve três muito importantes de 2004 para cá. Em 2004-2005, ela lançou o modelo “one company”, aprofundou a divisão em regiões e agora, do ponto de vista global, ela é gerenciada por clusters e categorias.
Por favor, explique esse desenho atual da Unilever.
Existem oito clusters globais, que possuem subclusters ou MCOs [sigla em inglês de organização multipaíses]:
- América do Norte;
- América Latina;
- Europa;
- Norte Asiático;
- Sudeste Asiático – Australásia;
- Sul Asiático
- Nadam [Norte da África, Oriente Médio, Turquia e Rússia]
- África.
O Brasil é um MCO do cluster América Latina e há mais três subclusters: o Cone Sul, que reúne Argentina e mais cinco países; o Middle Americas, sediado na Colômbia e com mais nove países; e o México e Caribe. Os líderes de todos os clusters se reportam ao executivo-chefe de operações, ao COO global, Harish Manwani.
Dois clusters são dominados por economias maduras e seis por emergentes. Imaginando que essa não seja uma decisão apenas conjuntural diante da crise de hoje, pergunto se significa alguma priorização estratégica dos emergentes. Fortalece o Brasil no longo prazo?
Historicamente, a Unilever é uma das empresas que têm maior participação em mercados emergentes; já passamos dos 80 anos de Brasil, por exemplo. Mas eu responderia que, sim, o Brasil ganhou mais importância passou a ser a base da América Latina. O board do cluster tem vários brasileiros; ele é formado pelos presidentes dos quatro MCOs e por mais cinco funções, que hoje são lideradas por executivos que atuam no Brasil:
- finanças;
- jurídico;
- comunicação corporativa;
- RH [recursos humanos];
- vendas.
Eu, por exemplo, sou um duplo líder, o que a gente chama de “double head”, de comunicação corporativa do Brasil e da América Latina. Acho que o resultado dessa nova configuração será muito bom.
Mas o presidente do cluster não é brasileiro, nem o presidente da MCO Brasil. Isso tem algum significado prático a respeito do prestígio dos gestores brasileiros?
Antes de mais nada, devo dizer que os gestores brasileiros são cada vez mais importantes na rede mundial da Unilever; hoje são mais de 80 brasileiros lá fora, muito mais do que o número de estrangeiros aqui. Antigamente era o inverso. A companhia virou muito mais exportadora de mão de obra local do que importadora. De fato, o presidente do cluster é o Miguel Kozuszok, argentino que lidera o MCO Southern Cone [Cone Sul], e o Fernando Fernandez, que assumiu há pouco tempo o Brasil, também é argentino.
Mas a rotatividade é uma característica da empresa que a revitaliza, e eu particularmente a considero muito positiva, porque, além da revitalização, contribui demais tanto para o treinamento das pessoas como para nossa política de retenção de talentos, já que as possibilidades de carreira são inúmeras.
O ponto importante para nós não é o de as pessoas serem do país ou não, mas de pertencerem à companhia. Os presidentes têm nacionalidades variadas, mas todos estão na empresa por no mínimo 20 anos. Por exemplo, antes do Fernandez, o presidente era o Kees Kruyhoff, holandês, que veio com tempo definido pelas missões a cumprir, 2007-2011, para depois assumir o comando do cluster América do Norte. O Kees sucedeu a um brasileiro, o Vinícius Prianti, que comandou a companhia entre 2001 e 2007, até se aposentar, e foi o responsável pela transição da marca Gessy Lever para Unilever.
A rotatividade obriga que o CEO fique por um período de no máximo cinco ou seis anos, coincidindo com o horizonte estratégico? Para não acomodar-se talvez?
Não, a rotatividade varia conforme os desafios de mudança da empresa. O Umberto Aprille, italiano, antecessor do Vinícius, ficou 14 anos como CEO, entre 1986 e 2000. Na verdade, a rotatividade não é o driver [impulsionador] em si; a troca de conhecimento e experiência é que nos interessa. Nossos planos estratégicos trabalham com horizontes de quatro a cinco anos, mas podem ser executados por pessoas diferentes.
Você destacou o tempo de casa desses líderes. Uma mensagem clara assim de que a companhia transcende a nacionalidade é o que fortalece a cultura e o espírito de comunidade, em sua opinião?
Acho que contribui muito, sim.
Vamos falar então do notável trabalho de branding corporativo, que, eu entendo, foi pioneirismo do Brasil na rede Unilever. Aliás, na minha cabeça, existe uma divisão que quero confirmar: a Hindustan Unilever, da Índia, virou benchmark pelo trabalho voltado para a base da pirâmide socioeconômica, enquanto a Unilever Brasil é o parâmetro no branding corporativo…
Eu diria que a questão da visibilidade corporativa está fortemente associada ao Brasil, de fato, embora não seja nossa única questão de destaque global; sobressaímos mundialmente também pelo tamanho da operação e pela força de nossas marcas locais, como Omo, Kibon, Seda, Brilhante e outras.
Uma prova disso, acho, é que a agência de publicidade que foi nossa parceira nesse branding corporativo, a Ogilvy, tornou-se a agência da Unilever mundial. Nós fomos exceção a um princípio da Unilever, segundo o qual as marcas têm a etapa de desenvolvimento global e a de construção local. Brand developing é o marketing global desenvolvendo a comunicação para os países, em linha com o que estes precisam, enquanto brand building é a comunicação e toda a gestão local. No caso da marca Unilever, a gente fez as duas coisas aqui dentro –o conceito e a execução.
É o próprio pensamento nacional que buscamos identificar nesta seção da revista, seja numa empresa de controle nacional, seja numa multinacional… Como acontecem exceções assim? Relembre o processo conosco, por favor; a análise do tempo costuma conter muitas lições.
Em 2004, a Unilever mundial estabeleceu uma missão chamada “vitalidade” e criou um logo que a traduzia por ícones representativos das várias categorias de nosso portfólio: o da flor para beleza; o do sol para limpeza; o da colher para alimentação; e assim por diante. E veio a determinação de que, até o final de 2005, todas as embalagens da Unilever, no mundo inteiro, tivessem esse logo, com uma comunicação forte para os funcionários. Coincidiu que a Unilever fazia 75 anos no Brasil e havia um plano estratégico de celebração muito grande. Eu estava chegando à empresa e quis, por conta da efeméride, fazer uma pesquisa para entender como a companhia era percebida por formadores de opinião. E ficou claro que as pessoas não sabiam o que era a Unilever.
Achavam que Lux era da empresa Lux, Rexona da Rexona, Hellman’s da Hellman’s, Knorr da Knorr, Seda da Seda, Ades da Ades…
Exato. Com produtos de higiene e beleza, ainda havia uma associação um pouquinho maior, mas, com alimentos e sorvetes, não faziam a menor ideia da conexão. Outra coisa que a pesquisa mostrou é que, quando sabiam da relação entre Lux, Rexona, Dove, Hellman’s, Knorr, Omo, Kibon etc, isso tinha impacto positivo, porque gerava maior confiança nos produtos, aumentando o vínculo emocional das pessoas com eles.
Então, em vez de fazer apenas comunicação interna do novo logo e missão, resolvemos já partir para a comunicação externa no Brasil. Como havia os 75 anos a celebrar, vislumbramos a oportunidade de fazê-lo. Chamei nossa agência, a Ogilvy, e o Sérgio Amado, chairman atual, e começamos a fazer campanhas em revistas e internet, voltadas para o público formador de opinião, relacionando as marcas dos produtos, a marca corporativa, a missão da vitalidade e os 75 anos de Brasil.
Imaginamos que, em um primeiro momento, a força das marcas dos produtos endossaria a marca corporativa e, em médio e longo prazos, seria o contrário: a marca corporativa endossaria as marcas dos produtos. Depois, em 2005, tomamos a decisão no Brasil de colocar o logo da Unilever em todos os comerciais, no canto superior direito, onde está até hoje, assinando.
Isso deve ter tido um grande peso, já que vocês são o segundo maior anunciante do Brasil. A campanha da família Bernardinho do vôlei, começou aí?
Não. Em 2006, a gente fez uma pesquisa nova com 400 pessoas: 200 consumidores finais e 200 entre clientes, formadores de opinião, ONGs, governo. O resultado foi que a percepção de conhecimento da Unilever deu um salto muito grande entre os formadores de opinião, mas ainda havia um percentual, estável, de conhecimento muito baixo.
Então, partimos para a segunda fase do trabalho; fomos para a televisão por assinatura, com o primeiro filme corporativo da história da Unilever. Foi esse feito com a família Bernardinho, até porque já estávamos ligados ao vôlei: desde 1997 patrocinávamos o time Rexona, que em 2004 incorporou a marca Ades no nome e hoje é o time Unilever.
O filme ficou um ano na TV a cabo e a resposta foi muito forte. Mas foi quando começamos a fazer a estratégia UB 2012 [Unilever Brasil 2012], em 2008, que demos o grande salto: colocamos a marca Unilever no coração da estratégia, para a marca comunicar sustentabilidade e transformação.
Em 2009, pusemos a marca Unilever em TV aberta pela primeira vez, em uma campanha que brincava com os ícones, mostrando que dentro da marca corporativa estavam os produtos –o filme pegava o ícone da flor, o da colher, o do sol e ia associando ao atributo –beleza, alimentação, limpeza– e à marca, de modo singelo e didático. E aí, para completar, fizemos a celebração dos 80 anos com uma promoção no programa Domingão do Faustão. Tivemos um resultado excepcional, com mais de 20 milhões de participações, e o salto de conhecimento da marca entre 2004 e 2009 foi de 7% para 73%.
O curioso é que vocês começaram pela publicidade impressa, depois TV paga e só então TV aberta, numa publicidade gradativa. Vocês têm porte para ir direto para a massa. Por que não o fizeram?
Acreditamos em fazer uma coisa gradativa, para ir monitorando os resultados com pesquisas e providenciando as correções de rota – fizemos várias, aliás.
Apesar de toda a segmentação da mídia, ainda não dá para fugir de um Domingão do Faustão, certo?
Na verdade, essa segmentação nos exige cada vez mais capacidade de convergência estratégica no planejamento dos meios, seja no ambiente off-line seja no online, de maneira integrada, para que possibilitem o maior impacto e cobertura e, principalmente, a adequada execução de conteúdo em linha com o perfil e target.
Tudo isso se converteu em salto de vendas também?
Nem sempre conseguimos fazer uma conexão direta, trata-se de algo intangível. Mas estamos seguros de que isso influencia, com base em algumas pesquisas com o consumidor: em perguntas estimuladas, descobrimos que, ao saber da marca Unilever em um produto, o interesse do comprador aumenta, entre 10% e 14%. O bom senso também mostra que, se temos sete marcas top of mind hoje, sendo Omo a líder desse ranking, e o consumidor vê todas abrigadas em uma só companhia, a confiança dele é maior e a chance de que compre aumenta.
Isso nos fortalece também no ponto de venda, que se relaciona com as marcas Unilever de maneira mais integrada e, portanto, mais sustentável. Quer um exemplo prático? A marca Unilever faz a ponte entre Omo, nossa marca mais conhecida, e o sabonete bactericida Lifebuoy, que relançamos. Foi o pessoal da categoria que pediu que assinássemos o comercial com a marca Unilever.
O mesmo aconteceu com PureIt, o kit purificador de água que acabamos de lançar. Se, em 2004, as pessoas que associavam Omo à Unilever eram 20% a 23% do público total, hoje são 70% a 80%.
Acho interessante uma companhia como a Unilever não ser xiita na mensuração quantitativa. Ela entende que a marca corporativa é plataforma para o futuro, no sentido de novos produtos?
Sim, mas não apenas para novos produtos; os consumidores gostam de saber que Omo e Dove vêm do mesmo lugar e, além disso, querem sentir que um produto tem dono.
E como a sustentabilidade entra nesse pacote, de maneira bem prática?
Entra, por exemplo, pela premissa de “small actions, big difference”, definida globalmente pela companhia no final de 2009, que aqui traduzimos como “cada gesto conta”.
Abaixo o vídeo dessa campanha:
No marketing você tem três coisas: o marketing funcional, que focaliza os atributos funcionais das marcas; o marketing aspiracional, em que o produto trabalha as aspirações dos consumidores; e o marketing de causa, em que o produto serve a uma causa – Dove defende a causa da real beleza e da autoestima, por exemplo.
Esse marketing que engaja as pessoas em um movimento em defesa de uma causa está diretamente ligado à ideia de sustentabilidade e alinhado com o coração da nossa estratégia. Desenvolvemos campanhas em torno de causas e a execução transcende a Unilever falar unilateralmente o que deve ser feito: a Unilever estimula as pessoas a falar o que elas fazem pela causa e assim acontece a mobilização. Um ponto interessante é que, em nossas pesquisas, sempre aparece que as pessoas individualmente não acreditam que tenham o poder de fazer grande diferença, mas, quando sentem que há uma mobilização em cima da causa, tudo muda.
É para as pessoas se mobilizarem que vocês têm recorrido às redes sociais? A Unilever parece ser uma das empresas mais ativas nisso…
Sim, somos muito ativos em redes sociais e em campanhas móveis [celular]. No caso das redes sociais, em vez de anunciar que fabricamos Omo e Comfort concentrados, que reduzem x% o consumo de água, temos, desde junho de 2010, uma página no Facebook, “Unilever Cada Gesto Conta”, em que pedimos às pessoas que contem sobre as pequenas ações que fazem em seu dia a dia para reduzir o consumo de água –no final de 2011, tínhamos quase 200 mil fãs.
A marca Unilever já é tida como a terceira marca de maior engajamento na mídia social – recentemente, passamos a ter depoimentos espontâneos dos consumidores que gravamos e subimos no YouTube. Mas não estamos ficando apenas nas mídias sociais no marketing de causa: agora temos spots de rádio com a voz do consumidor, na linha “somos nós que falamos”.
E vocês deixam os funcionários usar o Facebook e outras redes sociais aqui dentro?
Sim, as pessoas podem usar, mas esperamos que o façam com bom senso. Temos um quadro de princípios que ajuda a separar o pessoal do profissional com clareza. E essa é uma questão de treinamento, discussões, palestras contínuas, porque sabemos que a exposição nas mídias sociais ainda é um aprendizado, não existe uma regra absoluta. Proibir impede de aprender.
Outras subsidiárias ou mesmo a matriz já estão seguindo os passos do Brasil nesse branding corporativo?
Nós somos o país-piloto no sentido de sermos o único que fez o projeto com bons resultados e alçamos à categoria de “best practice” na área. Agora, outras empresas da rede estão nos estudando.
A Unilever Brasil – e você, pessoalmente – enfrentou discordâncias e correu riscos nesse trabalho de branding corporativo?
Sim, claro, podia ter dado errado. Corremos riscos, só que são calculados. Houve discussões internas? Houve. Houve risco? Houve. Mas em nenhum momento eu senti qualquer barreira por conta do medo de inovar. A partir do momento que você tem uma estratégia, tem um princípio e tem uma visão de longo prazo, você se legitima a inovar e até a assumir alguns riscos. O que não dá é para assumir um risco em coisas que não tenham uma visão estratégica por trás.
Bem, você comentou que a rotatividade dos presidentes depende dos desafios de mudança. O planejamento 2009 – 2012 está terminando e vocês devem estar trabalhando no próximo, já sob Fernandez. Qual será o desafio?
Os resultados do planejamento UB 2012 foram muito bons, tanto que nos tornamos a segunda maior operação da Unilever no mundo, com faturamento de R$ 12 bilhões, só superada pelos Estados Unidos, e esse nem era o objetivo inicial. Nossa marca corporativa chegou a 73% de conhecimento da marca no Brasil, quando este era de apenas 7% em 2004 – o grande impulso para isso foi de 2009 para cá.
O desafio que norteará nosso próximo planejamento é integrar a prática de sustentabilidade cada vez mais ao negócio, fazendo com que ações responsáveis deem lucro. A Unilever foi eleita a empresa mais sustentável do País em levantamento da revista Exame, em uma metodologia da FIA [Fundação Instituto de Administração], e tem avançado pelos padrões da metodologia GRI [Global Reporting Initiative], que nos guia há quatro anos – e em 2011 atingimos a nota máxima, A+. Nossos funcionários também vêm se mobilizando bastante em relação à causa da sustentabilidade e queremos intensificar tudo isso.
Como, em termos práticos, vocês vão integrar a sustentabilidade ao negócio?
Focamos a inovação para isso e também temos foco forte em comunicação com os consumidores, além de investimento alto em tecnologia e um trabalho incessante de pesquisa, tanto para atender o consumidor como para antecipar tendências.
O que é inovação no glossário Unilever? Lançamento de produto?
Não, temos duas visões muito claras de inovação: uma é ser cada vez mais competitivo em relação aos concorrentes que fazem parte de um mercado existente e outra é o que chamamos de desenvolvimento de novos mercados, de categorias realmente novas e/ou trazer para uma categoria existente um consumidor que ainda não a acessa.
Um exemplo? Houve a aquisição da companhia norte-americana Albert Culver pela Unilever, em 2010, e, em novembro passado, já lançamos no Brasil a primeira marca dela aqui, a TRESemmé. São mais 87 produtos para o cuidado dos cabelos no mercado, mas com o diferencial de terem qualidade profissional, como a dos vendidos apenas em salões de cabeleireiro, agora trazidos ao grande público.
Quantas marcas vocês têm no Brasil, nos dias de hoje?
São 50 marcas, e ativas mesmo, entre 25 e 30. Foi outra das mudanças gigantescas que fizemos, na verdade. Em 2004, a companhia saiu de um portfólio com 1,2 mil marcas e consolidou em 400 megamarcas globais, como Dove, marca guarda-chuva para xampu, sabão, sabonete, com possibilidade de expansão.
Vocês buscaram o foco na diversificação. Esse guarda-chuva pode ser expandido por iniciativa local? Houve caso brasileiro?
Sim, quando fizemos a campanha da maionese Hellman’s com 40 calorias e conseguimos desmistificar a percepção errônea de não ser um alimento tão saudável assim, começamos a trazer não consumidores para a marca. Outro exemplo de desenvolvimento de mercado inovador foi lançar o sabonete Lux líquido em um mercado baseado no sabonete em barra como era o nosso.
Tenho impressão de que o que assusta os ambientalistas é que, para eles, sustentabilidade tem de implicar não aumento de produção e consumo…
Discordamos. Para a Unilever, sustentabilidade é um “living plan”, um plano vivo, dinâmico, e não uma estratégia de estabilidade. Tem de ser a base de crescimento da companhia. De acordo com os estudos de emissão de gases de efeito estufa que acompanhamos, uma empresa como a nossa controla em torno de 25% a 30% das emissões. Entre 60% e 70% das emissões estão na mão do consumidor, o que quer dizer que tudo depende muito de uma educação de consumo e do novo hábito de consumo consciente e responsável – tanto que temos parcerias com o Instituto Akatu, para promover o consumo consciente, e com a rede Pão de Açúcar, para as estações de reciclagem.
Agora, você falou em ambientalistas, mas sustentabilidade, para nós, abrange muito além do ambiental: envolve o social, a autoestima e o bem-estar. São nossos funcionários contarem com berçário para deixar os filhos enquanto trabalham, por exemplo, e terem perspectiva de carreiras longevas em vez de ondas de demissões. Acredito, inclusive, que a marca Unilever se converteu em uma ferramenta muito importante, na qual o Brasil é pioneiro, para as empresas comunicarem, através de suas marcas, esse conceito abrangente de sustentabilidade – e educar o consumidor a respeito dele. E a marca corporativa virou também ferramenta de negócio como endosso estratégico.
O curioso da presença de vocês na mídia social é que isso representa um risco e a Unilever, por ser tradicional, europeia e gigante, é vista como conservadora às vezes.
Muitas pessoas confundem tamanho da companhia com perda de agilidade ou com aversão a riscos. A Unilever é muito dinâmica; tem uma média de 60 a 70 lançamentos por ano no mercado mundial. O que ocorre, como eu disse, é que corremos riscos calculados, muito direcionados por estratégia, visão, consistência, aderência ao negócio. Se faltar uma dessas coisas, não corremos o risco; se estiverem todas presentes, corremos.
Mas, para construir essa visão de longo prazo, perde-se um pouco da agilidade naturalmente. Ou não?
Nossa visão de longo prazo é dobrar globalmente o tamanho da companhia reduzindo, ao mesmo tempo, nosso impacto ambiental – traduzido pelo conceito “small actions big difference”. Foi com base nesse DNA que intuitivamente eu quis, em 2004, trabalhar o conceito estratégico da marca Unilever como comunicação externa – e consegui. Não houve falta de agilidade; continuamos tendo o direito de agir intuitiva e rapidamente. Aliás, a marca corporativa como ferramenta estratégica reforça a visão de longo prazo e, ao mesmo tempo, dá mais agilidade.
Há produtos desenvolvidos aqui?
As coisas são cada vez mais globais, mesmo que nasçam no Brasil, porém o espaço do puramente local não foi eliminado. Temos o Ala, por exemplo, um sabão em pó líder na região Nordeste, projeto iniciado em 1996 com um pouco da inspiração do modelo da Índia, mas com grande foco no contexto local: juntou desde o produto – cor e formulação – até a comunicação e a fábrica, tudo bem ao estilo local. É uma referência de melhor prática no home care [cuidados com o lar] mundial, com um resultado fantástico.
O preço é mais baixo e acessível, não baixíssimo, porque nosso consumidor quer preço e qualidade também. No Brasil, preço não é desculpa para falta de qualidade. Nós temos laboratórios de P&D [pesquisa e desenvolvimento] por categoria, não específicos de um país; eles servem ao mundo: aqui no Brasil fica o centro de inovação de home care.
Vocês não têm as oito categorias aqui no Brasil, certo?
Não, temos quatro:
- home care;
- alimentos;
- personal care geral [cuidados pessoais];
- refreshments [bebidas saudáveis].
Em refreshments entra o PureIt, novamente algo bem ligado a sustentabilidade. Conte um pouco desse lançamento, por favor.
Trata-se de uma tecnologia ímpar que consegue purificar 99% da água de modo não elétrico, com um filtro específico, feito na Índia. Estamos lançando no Brasil e no México. Aqui, conseguimos uma parceria com a Jequiti, empresa de venda direta, porta a porta, do Brasil, e excepcionalmente estamos trabalhando com esse conceito. Nós o lançamos no Dia Mundial da Água, em março de 2011, e a distribuição para valer começou em julho. A recepção está sendo positiva, mas precisamos de um ano para ter um diagnóstico.
Como é a organização da sustentabilidade na Unilever Brasil? Tem um gerente?
Não. Temos um comitê de sustentabilidade desde 2008 com três grandes líderes: o da área de supply chain [cadeia de fornecimento], o da área de vendas e eu, de assuntos corporativos. Assim, conseguimos olhar a cadeia de negócios todinha no que diz respeito a esse assunto. O comitê é multifuncional, formado pelos diretores de todas as áreas da companhia, segue uma estratégia acordada com o board em linha com a estratégia geral de negócios e baseia- se em KPIs [indicadores-chave de performance, na sigla em inglês]. Reúne-se todo mês para tomar decisões e é avaliado sistematicamente.
As iniciativas da companhia não têm o formalismo de passar pelo comitê, para não engessar a coisa, mas o comitê está naturalmente presente em tudo, passou a ser quase um órgão integrado ao business –não fiscalizador ou de controle, mas gestor. E nós nos guiamos pela metodologia GRI, como eu disse, que adotamos há quatro anos.
Para terminar, a concentração da administração da empresa em um único prédio, em 2006, tem a ver com toda essa mudança? Juntar as pessoas é bom?
Sim, quando a Unilever criou o conceito “one company”, ela viu que poderia ser muito mais integrada e, por isso, muito mais ágil. Deixamos de pensar que éramos só uma companhia de alimentos, ou de sorvetes, ou de higiene e beleza, para nos tornarmos, todos, uma companhia multicategoria. Acabou a linguagem divisional, migrando para uma linguagem de categoria.
E as várias pessoas espalhadas por São Paulo foram centralizadas neste prédio, o que foi muito importante. Temos 12,5 mil funcionários no Brasil, a maioria nas 12 fábricas que possuímos, mas há mais ou menos 1,3 mil profissionais neste prédio, de todas as funções: vendas, marketing etc. E no prédio vizinho há mais 300 pessoas responsáveis pelas categorias regionais. Basta andar 500 metros e já estamos conversando, o que é ótimo.
Luiz Carlos Dutra, prata de fora da casa
Entrar no programa de trainees da Unilever é muito mais difícil do que em qualquer vestibular: ele atrai anualmente quase 50 mil pessoas que disputam 35 vagas. Não à toa; as possibilidades de carreira ali são inúmeras e a passagem pela companhia serve de escola e cartão de visita para outros empregos.
Luiz Carlos Dutra, no entanto, não é um ex-trainee; ele ingressou na empresa em 2004, já como vice-presidente corporativo, depois de passar três anos na Dow Chemical e 15 anos na Johnson & Johnson, sinalizando maior equilíbrio entre o desenvolvimento de talentos internamente e a busca no mercado.
Em seu cargo, Dutra responde por marcas corporativas, comunicação interna e externa, relacionamento com mercado publicitário e mídia, relações governamentais, relações públicas, assuntos regulatórios, socioambientais, responsabilidade socioambiental empresarial e sustentabilidade.
É membro ativo de entidades de classe como ABA (preside o board da associação dos anunciantes) e Conar (de autorregulação da publicidade), além de estar na liderança das associações dos setores de higiene pessoal e cosméticos, alimentação e produtos de limpeza, respectivamente, Abihpec, Abia e Abipla. Graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC ), ele tem pós-graduação em administração pelo Mackenzie e MBA pela Universidade de São Paulo.
A ponta do iceberg – e do sorvete.
Os brasileiros expatriados na Itália costumam brincar, quando a saudade bate, que nenhum sorvete artesanal italiano substitui Kibon. Por isso, divulgar amplamente que o sorvete Kibon é feito pela mesma multinacional que faz o sabão em pedra Brilhante e o detergente para lava-louças Finish poderia ser um imenso risco. Isso, se não fosse feito com uma gestão de classe mundial.
Recentemente, o CEO global da Unilever, Paul Polman, disse em uma entrevista que, “se o Brasil fica resfriado e espirra, a gente fica preocupado…”, o que foi interpretado, corretamente, como reconhecimento da importância estratégica de nosso mercado doméstico para a companhia de origem anglo-holandesa.
No entanto, a afirmação pode remeter também a outro fenômeno: a importância estratégica da gestão brasileira para a rede de empresas que compõem a Unilever.
Como aconteceu com a Rhodia e com a P&G, vem se confirmando como realidade a proposta de globalização de C.K. Prahalad, em que as megacorporações possuem vários centros em vez de uma central de decisão.
O Brasil confirma-se como um desses centros para muitas corporações globais, incluindo a Unilever. Sua subsidiária aqui pode ser considerada de nível 5, conforme classificação do professor Marcos Amatucci, da ESPM.
O processo de branding corporativo da Unilever Brasil tende a ser a ponta do iceberg de uma nova globalização.
Fonte: Revista HSM Management