A atuação em escala mundial nunca é apenas resultado do plano grandioso de uma empresa. Tampouco é consequência de uma série de pequenas manobras que sejam orientadas somente pela oportunidade. A abordagem inteligente que uma empresa pode usar é a do “oportunismo direcionado” –conceito que conjuga oportunismo e estrutura sistematizada. Vamods conhecer esse estudo de caso da marca Walmart.
Para confirmar a hipótese, dois renomados especialistas em comércio, Vijay Govindarajan e Anil Gupta, fizeram um estudo da globalização da WalMart Stores Inc., a maior companhia de varejo do mundo: eles analisaram a escolha dos novos mercados, o modo de entrar, como foram estruturadas as filiais e vencidas as concorrentes locais, entre outros aspectos.
A empresa norte-americana, que abriu sua primeira loja no exterior (Cidade do México) em 1991, opera hoje em Porto Rico, Canadá, China, México, Brasil, Alemanha, Inglaterra, Argentina e Coréia do Sul.
O artigo a seguir, baseado no estudo, aborda dados de até 1998. Depois disso, o crescimento internacional foi ainda maior. Até sua recente entrada no ramo de supermercados, a gigante norte-americana do varejo WalMart mantinha três tipos de loja:
- as lojas WalMart, que vendem vestuário, cama e mesa, pequenos eletrodomésticos, ferramentas, produtos esportivos e similares;
- os Sam’s Clubs, que vendem no atacado para clientes que adquirem cartões de sócio;
- os supercenters, que combinam os produtos oferecidos por uma loja de descontos e um supermercado de linha completa.
A WalMart perseguiu agressivamente a globalização desde sua primeira investida externa em 1991. Em 1993, apenas 0,5% de suas lojas estavam localizadas fora dos Estados Unidos. Em 1998, essa porcentagem subiu para 18%. Entre 1995 e 1998, 5% do aumento nas vendas e 4% do aumento nos lucros da empresa foram gerados por suas operações internacionais.
Imperativos da globalização
A WalMart precisava se globalizar? Ninguém tinha dúvida de que ela havia criado um modelo empresarial perfeito para concorrer nos Estados Unidos. Por que não prosperar apenas como uma empresa de varejo norte-americana? A resposta é que a empresa precisava crescer para sobreviver, e a arena internacional era a única que lhe possibilitaria alcançar um crescimento significativo.
Por que o crescimento era tão importante? Primeiro, a empresa precisava demonstrar aumentos de vendas e lucros para satisfazer as expectativas do mercado de capitais. Segundo, precisava satisfazer as expectativas de seus funcionários.
Um dos fatores-chave do sucesso era seu quadro de funcionários dedicados e comprometidos. Devido ao plano de participação acionária da WalMart, a situação financeira desses funcionários estava diretamente ligada ao valor de mercado das ações da empresa. Isso criava outra ligação direta: o crescimento e seu efeito tanto no preço das ações como no moral da empresa. Em vista da necessidade de crescer, a WalMart não poderia dar-se ao luxo de limitar sua atuação aos Estados Unidos por três motivos.
Primeiro, já havia saturado a maioria dos mercados internos. Segundo, os Estados Unidos representam pouco mais de 4% da população mundial. Limitando-se a esse mercado, a WalMart estaria perdendo 96% dos clientes potenciais em todo o mundo. Terceiro, os mercados emergentes ofereciam enormes possibilidades de crescimento na área de varejo de desconto devido à baixa renda disponível para consumo. Outras empresas já se haviam beneficiado desse tipo de crescimento graças à rápida expansão da tecnologia da informação, à crescente homogeneização cultural e à redução das barreiras
A globalização agressiva era, portanto, sua única opção. Ao assumir sua expansão internacional, a WalMart teve a capacidade de alavancar dois recursos-chave originalmente desenvolvidos nos Estados Unidos. Ela conseguiu explorar o enorme poder de negociação que tinha com fornecedores nacionais de grande porte como Procter & Gamble, Hall-mark, Kellogg, Nestlé, Coca-Cola, Pfizer, Revlon e 3M para abastecer suas lojas no exterior pelo menor custo possível.
Conseguiu, também, utilizar o conhecimento e as competências obtidos nos Estados Unidos para beneficiar suas operações internacionais com administração eficiente das lojas, uso eficaz da tecnologia no relacionamento com fornecedores, habilidades de merchandising, logística e informática. Um subproduto inesperado e positivo desse processo foi o aproveitamento dos conceitos de geração de vendas e redução de custos que a empresa aprendeu em suas operações internacionais para beneficiar suas mais de 3 mil lojas nos Estados Unidos.
Escolha de mercados
Ao tomar a decisão de atuar fora dos Estados Unidos, a WalMart tinha a opção de entrar nos mercados da Europa, de outros países do hemisfério ocidental e da Ásia. Não poderia dar-se ao luxo de entrar em todos eles ao mesmo tempo por dois motivos básicos. Primeiro, em 1991 a WalMart não dispunha das competências e dos recursos necessários –financeiros, organizacionais e gerenciais. Segundo, a entrada gradual nos diversos mercados permite a uma empresa aplicar, em suas entradas subsequentes, tudo que aprendeu nas áreas iniciais.
A escolha do primeiro mercado nem sempre é fácil. Durante os primeiros cinco anos de sua globalização (1991 a 1995), a WalMart concentrou-se basicamente em estabelecer sua presença nas Américas: México, Brasil, Argentina e Canadá. Vale a pena analisar se entrar primeiro na Europa ou na Ásia não teria sido mais proveitoso para a empresa. O mercado europeu tinha certas características que o tornavam menos atraente para a WalMart em sua primeira investida no exterior. O setor varejista europeu é maduro e, para um novo participante, isso implicaria roubar o market share de um concorrente já estabelecido, o que é muito difícil.
Certamente, as empresas bem-estabelecidas na região, como o Carrefour, na França, e a Metro A.G., na Alemanha, lutariam com todas as armas para impedir a entrada de um novo concorrente.
Além disso, o formato das lojas de varejo da Europa, bastante semelhante ao da WalMart, neutralizaria a vantagem competitiva que ela teria caso seu modelo empresarial fosse totalmente novo no mercado.
Para completar, como acontece com a maioria dos recém-chegados, o tamanho relativamente pequeno da empresa e a ausência de um sólido relacionamento com clientes locais deixariam a WalMart em uma posição bastante desvantajosa na arena européia. A WalMart poderia ter superado essas dificuldades entrando na Europa com uma aquisição. Entretanto, o custo das oportunidades perdidas seria extremamente alto se a WalMart adiasse sua entrada nos mercados latino-americano e asiático, que na época apresentavam altas taxas de crescimento.
No caso dos mercados europeus, o custo do adiamento por meio de aquisições seria relativamente baixo. É verdade que os mercados asiáticos já demonstravam um enorme potencial quando a WalMart iniciou seus esforços de globalização em 1991. Entretanto, a Ásia é o mercado mais distante do mercado norte-americano, tanto do ponto de vista geográfico como do cultural e logístico. Seria preciso dispor de consideráveis recursos financeiros e gerenciais para marcar presença na Ásia.
Finalmente, a WalMart decidiu que seus primeiros pontos de entrada na arena internacional seriam o México (1991), o Brasil (1994) e a Argentina (1995), países com as três maiores populações da América Latina. Em 1996, a WalMart estava preparada para enfrentar o desafio asiático.
O local escolhido para seu crescimento foi a China, com uma população superior a 1,2 bilhão de habitantes distribuídos em 640 cidades. Essa escolha foi correta no sentido de que o poder aquisitivo mais baixo dos consumidores chineses representava um enorme potencial para um varejista de preços baixos como a WalMart. Apesar disso, o grande distanciamento cultural, linguístico e geográfico da China impunha barreiras relativamente altas a sua entrada no mercado.
Foi então que a WalMart decidiu usar duas cabeças-de-ponte como veículos de aprendizado para estabelecer sua presença na Ásia. No período 1992-93, a empresa concordou em vender produtos a preços baixos para dois varejistas japoneses, Ito-Yokado e Yaohan, para distribuição no Japão, Cingapura, Hong Kong, Malásia, Tailândia, Indonésia e Filipinas. Em 1994, a WalMart entrou na China por meio de uma joint venture com a C.P. Pokphand Company, conglomerado com sede na Tailândia, para abrir três lojas de desconto do tipo Value Club em Hong Kong.
Modo de entrar
Depois de escolher o país ou países em que atuaria, a WalMart precisava definir o melhor modo de entrada. No Canadá, optou por entrar por meio de uma aquisição. Foi a decisão lógica por três motivos: o Canadá é um mercado maduro – condição desinteressante para alguém começar do zero; como existem semelhanças significativas de renda e cultura entre os mercados norte-americano e canadense, a WalMart não precisaria gastar muito para adquirir novos conhecimentos.
Portanto, era desnecessário penetrar nesse mercado por meio de uma aliança estratégica. Além disso, a Woolco, participante de fraco desempenho, estava à venda por um preço razoável. Para entrar no México, a WalMart tomou um caminho diferente. Como havia diferenças significativas de renda e cultura entre os mercados norte-americano e mexicano que era necessário apreender, a empresa decidiu, então, formar uma joint venture de participação igual com a Cifra, maior varejista do México, e dependia dela para adquirir a expertise operacional sobre o mercado mexicano. Na expansão latino-americana, o outro passo foi entrar no Brasil. A escolha também foi uma joint venture com uma empresa de varejo local, as Lojas Americanas. Nessa ocasião, entretanto, a WalMart, depois de passar pela experiência mexicana, decidiu fazer a joint venture na proporção de 60/40, mantendo assim o controle do empreendimento.
Como havia diferenças significativas de cultura e de renda entre EUA e México, para entrar neste país a WalMart decidiu formar uma joint venture com a maior companhia varejista mexicana, a Cifra Com a grande experiência adquirida em sua entrada no mercado brasileiro, a WalMart decidiu abrir uma subsidiária própria na Argentina. Essa decisão foi reforçada pelo fato de que a Argentina só dispunha de dois supermercados significativos.
Como clonar o DNA corporativo
A WalMart desenvolveu importantes capacidades nos Estados Unidos. Portanto, a habilidade de clonar seu DNA e inseri-lo em suas operações internacionais foi um fator crítico para o sucesso, como bem ilustra sua entrada no Canadá. A WalMart adquiriu a Woolco Canada em uma época em que a combinação altos custos–baixa produtividade deixara a empresa canadense no vermelho. Rapidamente, a WalMart reestruturou a Woolco, com atenção para quatro áreas centrais:
- Funcionários. Depois de concretizar a aquisição, a WalMart mandou sua equipe de transição para o Canadá. A missão foi ensinar o jeito WalMart de fazer negócios aos 15 mil funcionários da Woolco.
- Lojas. Quando da aquisição, muitas das 122 lojas da Woolco estavam em condições ruins. Em três a quatro meses, a WalMart padronizou as lojas e reformou todas as instalações. Mais três ou quatro meses foram necessários para reabastecer todas as lojas.
- Clientes. Embora sua entrada oficial no mercado canadense tenha ocorrido pela aquisição da Woolco, a WalMart já dispunha de uma base de clientes porque muitos canadenses moram perto da fronteira com os Estados Unidos e já estavam bastante familiarizados com o nome da empresa. A WalMart transformou essa alta identificação da marca em aceitação e fidelidade do cliente introduzindo seu conceito de “preços baixos todos os dias” em um mercado acostumado a grandes variações nos preços de varejo.
- Modelo empresarial. Amplo mix de produtos, bom atendimento ao cliente, grande disponibilidade de estoque e recompensas aos funcionários pela redução do número de furtos são, entre outros, os atributos essenciais da empresa nos Estados Unidos que foram transplantados com sucesso para a operação canadense da WalMart.
A transferência do DNA corporativo da WalMart para o Canadá produziu resultados impressionantes. Entre 1994 (ano da aquisição) e 1997, as vendas por pé quadrado (929 cm2) aumentaram de 100 para 292 dólares canadenses e o market share cresceu de 22% para 45%. No mesmo período, as despesas percentuais das vendas no Canadá caíram significativamente. A operação canadense tornou-se rentável em 1996 –apenas dois anos depois da aquisição. Em 1997, a WalMart já era líder entre as lojas de desconto daquele país.