A sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar tem com base os mesmos conceitos já consensualmente aceitos para outras atividades cujo rendimento econômico é obtido a partir da preservação dos recursos naturais e da responsabilidade social.
Por representar uma alternativa de energia renovável à maior e mais poderosa indústria mundial – o petróleo –, a cultura da cana recebeu tantas barreiras que num primeiro momento pareceram autoritárias.
Porém, ao analisar os sistemas de produção que visavam apenas à rentabilidade do empreendimento, não estava muito longe de alcançar os padrões exigidos. Afinal, já era feita rotineiramente reciclagem de nutrientes para economizar custos por meio do uso dos resíduos industriais que, além de tudo, aumentavam o rendimento.
O único método disponível para o controle das principais pragas era biológico, já que as grandes agroquímicas não estavam dispostas a investir em pesquisa para um mercado limitado a países outrora classificados de “terceiro mundo”.
Assim, com improvisos relacionados à rotação de culturas, adubos verdes e novos insumos, foram criados sistemas de produção muito próximos daqueles exigidos em barreiras não tarifárias com adubações orgânicas e controles biológicos de insetos (pragas e resistência genética para controlar doenças) – tudo sem aplicação de defensivos exceto herbicidas, que, após o abandono da queima e o advento da grande massa de palha, trouxe um manejo mais equilibrado e integrado com diferentes práticas. O “calcanhar de Aquiles” do siste-ma sempre foi a queima da palha, que logo foi entendida como desperdício de energia para uma cultura que se candidata a fonte de energia renovável.
Assim, um protocolo ambiental foi criado para adesão voluntária que envolve ações muito além de parar a queima: trata-se da recuperação de matas ripárias (a maior iniciativa privada do país), corredores ecológicos, exploração racional de Reservas Legais e conservação das Áreas de Preservação Permanente (APPs), entre outras resoluções. Pouco depois do protocolo ambiental, ficou evidente a necessidade de um protocolo social para melhorar as condições dos trabalhadores rurais – uma parcela ainda significativa de despreparados para outro tipo de serviço além do braçal por fala de ensino básico.
O setor compreendeu a necessidade da mecanização, que ainda está longe do ideal, mas precisa aproveitar parte significativa dessa força de trabalho qualificando-a para novas funções.
Um exemplo é o projeto Agora, o qual capacita e oferece melhores salários e condições de trabalhos a trabalhadores analfabetos. Por meio dele, esses indivíduos passam a aprender um ofício ao estudar como ler e interpretar manuais de máquinas.
Com tal iniciativa, observa-se que todos saem ganhando até que a situação macroeconômica envolvendo um plano do governo para esta matriz energética, nos próximos anos, possa garantir in-vestimentos.
O combustível renovável vai continuar competindo com a gasolina subsidiada e congelada para evitar reflexos nos cálculos da inflação? Por que não existe uma política única para combustíveis em relação a questão tributária? Às vezes, a diferença no custo do abastecimento não passa de R$ 5,00 (cinco reais) para o consumidor. Constata-se que a falta de informação representa um dos entraves para os princípios universais da sustentabilidade, seja da cana-de-açúcar, do arroz, do feijão etc.
Como o consumidor reage a uma premiação para combustíveis de melhor qualidade? O Brasil exportou nesta safra etanol de baixo carbono para Califórnia por US$ 1,80/L e importa o etanol deles (mais poluente e emissor) por menos de US$ 1,00/L para equilibrar nosso mercado interno – e o produtor continua recebendo pouco mais de R$1,20/L. Porém, em meio a todos os pensamentos, filosofias e militâncias existem pontos inquestionáveis que devem nortear as discussões sobre o novo código florestal.
O primeiro e fundamental conceito é de Uso Eficiente da Terra. O país é grande e tem grandes possibilidades de expansão sem desmatar novas áreas, bem como grandes áreas já desmatadas, com pastagens de péssima qualidade. É preciso formar melhores produtores, pois somos capazes de produzir o dobro de carne em metade da área.
Triplicamos os rendimentos de milho, soja e arroz, entre outras culturas, temos aumentado a produtividade dos canaviais numa taxa média de 2% Aa/A a e ainda assim estamos abaixo da metade do potencial genético.
Nosso maquinário de corte e plantio baseia-se em projetos desenvolvidos na década de 1960 na Austrália! A sustentabilidade envolve agregação de valor nas indústrias de base antes da produção!
Outros pontos cruciais na sustentabilidade são a ciência, a tecnologia e a inovação, fatores desconsiderados nas primeiras filosofias sociais que só se atentam para trabalho, terra e capital, mas que hoje são diferenciais para alcançar emancipação de soberania de forma justa e sustentável.
Não há argumentos contra o uso da ciência, mas é claro que a abrangência de seus conhecimentos é limitado – e esta é mais uma razão para que C,T&I estejam sempre presentes nas discussões de sustentabilidade.
Finalmente, no Código Florestal existem disputas que precisam ser compreendidas culturalmente. Áreas tradicionais vêm sendo repartidas há várias gerações, e todas receberam incentivo para desmatar nas gerações passadas.
Sustentabilidade também é social e a estes produtores, em sua maioria, são considerados pequenos pelos padrões do Incra. Não se pode derrubar por decreto. É preciso criar tecnologias de exploração sustentável (economicamente) das reservas legais, e para isso serão necessárias políticas públicas capazes de bancar pequenos agricultores investindo em atividades de retorno a médio e longo prazo. Como garantir seu sustento?
Assim, temos de ter consciência que problemas diferentes pedem soluções diferentes. Preservar cada bioma com suas particularidades exige estudo e novas soluções partirão daí. Hoje, a cana-de-açúcar pode ser considerada um exemplo de desenvolvimento sustentável, pois aprendeu com os erros cometidos no passado e devem nortear os rumos da agricultura forte e sustentável no país.
Fonte: Visão agrícola, por Edgar Gomes Ferreira de Beauclair