Dossiê Decisões – Além das Técnicas

Esse artigo é uma coletânea de 4 artigos que tratam exclusivamente da difícil tarefa de tomar decisões complexas. São artigos e entrevistas com grandes nomes do management mundial, inclusive uma entrevista com o Gasparov (o maior jogador de xadrez da história). Afinal de contas, até mesmo mover um peão no tabuleiro pode ser uma decisão rumo ao sucesso ou fracasso, no xadrez e nas organizações.

O 4 artigos exibidos aqui:


  • Um sistema integrado

  • Filosofia baseada em fatos

  • Matemática do xeque-mate

  • A última jogada

Antes de ler os artigos, que tal relembrarmos uma decisão famosa na ficção científica?
Nesse trecho de 5 minutos do filme Matrix (clique no link para abrir o vídeo numa outra janela), vemos o personagem Neo diante do desafio de uma escolha aparentemente simples: devo tomar a pílula azul ou a vermelha?

Para entender a complexidade e a consequência dessa escolha, é necessário assistir pelo menos o primeiro filme da trilogia Matrix. E você? Já teve que decidir uma questão simples que desencadeou uma resposta complexa? Todos nós passamos por algo parecido.

Um sistema integrado

Não faltam técnicas de tomada de decisões, como por exemplo:

  • Análise de Pareto (selecionar as mudanças mais importantes a fazer)
  • Análise Comparada (avaliar a importância relativa das varias opções)
  • Árvores de Decisão (escolher com base nos resultados projetados)
  • Técnica dos Seis Chapéus (avaliar uma decisão de todos os pontos de vista),
  • Análise de Custo/Beneficio (identificar quando realmente vale a pena mudar).

Mas elas são suficientes? A experiência mostra que não. Este Dossiê propõe um sistema, uma filosofia, uma matemática e uma jogada para você tomar as melhores decisões.

Em um mundo em que a velocidade e a capacidade de adaptação podem erguer ou derrubar um negocio, a forma como uma empresa está organizada é cada vez mais crucial para o sucesso de longo prazo. No entanto, à medida que as empresas se tornam mais complexas, sua capacidade de atuar rapidamente e se adaptar a mudança tende a diminuir.

Pesquisa da Bain & Company indica que somente 15% das companhias contam com um desenho organizacional que as ajuda a obter um desempenho superior ao da concorrência. Para essas poucas empresas, a estrutura organizacional esta se tornando uma fonte de vantagem competitiva.

Acima de tudo, o que distingue a estrutura organizacional das melhores empresas é a qualidade de seu processo de tomada de decisões. Elas tomam as decisões mais importantes de maneira adequada e as colocam em pratica de forma rápida e consistente. São “sistemas organizacionais voltados para as decisões”.

Tomar boas decisões significa ser claro a respeito de quais decisões realmente fazem diferença. Para tanto, é importante direcionar as pessoas certas para que se concentrem nessas decisões no momento certo. Isso vale para quando as decisões envolvem as questões maiores enfrentadas pela empresa “Qual nossa estratégia?”, por exemplo, ou preocupações do dia-a-dia, como: “Devemos comprar mais matéria-prima agora ou no mês que vem?”.

Como desenvolver um sistema

Como as empresas conseguem se distinguir pela forma como tomam suas decisões e as executam? As melhores reconhecem que o organograma é somente urna pequena parte da equação. Investem sua energia no desenvolvimento de um sistema integrado, que dê apoio a uma estrutura organizacional voltada para as decisões, e buscam superar seus concorrentes em cinco dimensões fundamentais:

  1. Liderança.
    Uma liderança forte, que estabeleça uma visão contundente e um rumo preciso, baseados nas fontes de valor do negocio.
  2. Responsabilidade.
    Uma responsabilidade clara com respeito as decisões mais importantes, reforçada pela estrutura organizacional.
  3. Pessoas.
    Pessoas talentosas nos cargos em que possam exercer o maior impacto possível e concentrada nos parâmetros que fazem diferença.
  4. Execução.
    Uma execução acima da media, facilitada por ferramentas e práticas de trabalho apropriadas.
  5. Cultura.
    Uma cultura voltada para o desempenho, que motive funcionários de todos os níveis hierárquicos a realizar suas tarefas e buscar a excelência.

As melhores empresas que estudamos percebem de que maneira os atributos de uma estrutura organizacional eficaz se reforçam mutuamente: uma visão clara e uma liderança coesa contribuem para decisões precisas, e vice-versa; uma cultura voltada para o desempenho mantém os funcionários que estão em contato com o mercado interessados em uma execução de alta qualidade, o que, por sua vez, alimenta as expectativas e os objetivos comuns que fortalecem a cultura.

As cinco dimensões

1. Liderança

Quando há clareza no topo, o restante da empresa sabe em que se concentrar. com apenas uma frase, os melhores lideres podem expressar uma visão contundente e prioridades claras sobre o que é necessário para alcançar o sucesso em um negócio.

O princípio estratégico de Michael Dell se resume em duas palavras e vale para todos os 55 mil funcionários da Dell no mundo: “Seja direto”. Do mesmo modo, todo o pessoal da GE conhece suas prioridades, expressas em 1995 por Jack Welch: “Ser o n° 1 ou o n” 2 ou consertar, vender ou fechar o negocio”.

Uma visão contundente é mais do que palavras comovedoras. Equipes de alto desempenho reforçam as prioridades e os valores da companhia por meio de “uma liderança distribuída”: lideres em todos os níveis hierárquicos, que transmitem a mesma mensagem sobre o rumo do negócio. Ainda assim, até mesmo o grupo mais talentoso e cheio de energia pode fracassar se não estiver alinhado. Nas equipes de liderança coesa, as pessoas confiam umas nas outras. Não temem discutir idéias. Quando se comprometem com uma decisão, deixam a sala de reunião com um plano de ação comum.

Em nosso estudo, executivos de 365 empresas qualificaram a eficácia de suas organizações em dez dimensões. Nas empresas de desempenho acima da media, 74% dos executivos disseram estar de acordo com a visão e as prioridades da companhia, um importante voto de confiança na liderança. Já nas empresas de desempenho médio, esse percentual caiu para 12%.

Vejamos como prioridades claras e uma liderança coesa permitiu a Vodafone mudar as regras do mercado de serviços telefônicos sem fio.

Na década de 1990, a Vodafone teve sucesso ao se concentrar na comunicação móvel, adquirindo participação acionária em novas licenças de telefonia móvel em mercados atraentes da Europa. Nessa época, uma pequena equipe de liderança comandava o negócio com estrutura enxuta e grande criatividade.

Por conta da profunda compreensão das funções e capacidades de cada um, essa equipe se destacou ao estabelecer e alcançar metas audaciosas, seja para obter crescimento orgânico no mercado britânico, seja no momento de fazer aquisições na Europa, no Japão e nos Estados Unidos.

Fora essa estratégia, a Vodafone desenvolveu um portfólio de investimentos em várias operadoras nacionais de telefonia móvel. Foi então que os líderes da Vodafone perceberam que estavam diante de uma oportunidade única: se consolidassem seu portfólio e conseguisse o controle acionário de cada um de seus investimentos, a empresa poderia superar seus concorrentes nesse setor de atividade, um setor que ate aquele momento era dominado por companhias nacionais.

Assim criaram uma nova visão para a empresa: o futuro das comunicações seria móvel e a Vodafone seria a única participante do setor realmente com presença mundial.

O caminho escolhido a levou a duas grandes fusões com outras empresas importantes das telecomunicações: Air Touch e Mannes-Mann, o que exigiu um novo modelo de liderança e outro desenho organizacional. A equipe de liderança sênior foi ampliada pela incorporação de executivos das companhias com as quais a Vodafone se unira. Estava surgindo uma empresa com um novo DNA.

Um dos primeiros passos para criar uma equipe coesa foi reunir os lideres da companhia com o objetivo de definir os valores centrais da nova Vodafone. Esses valores -paixão pelos clientes, pelos funcionários, pelos resultados e pelo mundo que a rodeia- se converteram no sistema operacional da estratégia da Vodafone, cuja liderança investiu muito tempo e energia para difundi-los entre as muitas empresas rebatizadas agora com uma só marca: Vodafone.

O mercado de telefonia móvel já em fase madura exigia maior dedicação a tarefa de reter e satisfazer os clientes. Assim, os lideres da Vodafone passavam um dia por mês em um ponto-de-venda da empresa ou em um de seus Call Centers. E a satisfação do cliente se converteu em um elemento importante do sistema de remuneração e incentivos.

Uma liderança clara transformou a Vodafone em líder mundial. A estrutura organizacional bem focada permitiu obter mais de US$ 2 bilhões em sinergias pós fusão e superar suas metas, enquanto a empresa continuava crescendo por meio de aquisições.

2. Responsabilidade e funções

Um bom processo de tomada de decisões começa com responsabilidades e funções bem definidas. As pessoas sabem que decisões Ihes competem, quando devem fornecer informações e quem é responsável por dar seguimento a elas. Tão importante quanto isso, elas sabem o que está fora de sua alçada.

No entanto, não se trata apenas de designar responsabilidades e garantir que as interações entre as funções sejam as apropriadas. As melhores empresas também se asseguram de que sua estrutura organizacional esteja alinhada com as fontes de valor do negócio.

Se a estrutura e os papéis de decisão de uma empresa estão desalinhados com suas principais fontes de valor, o negócio perde força. No entanto, quando as funções foram definidas claramente e a estrutura da companhia esta alinhada com o valor do negócio, a velocidade da tomada de decisões aumenta, além de melhorar a qualidade das decisões.

A British American Tobacco (BAT) é um bom exemplo. A segunda empresa tabagista do mundo estava ficando para trás quando, em meados da década de 1990, um novo presidente tomou posse: Martin Broughton. Ele sabia que a BAT precisava tirar mais proveito de sua escala mundial, mas a estrutura organizacional jogava contra. Quatro unidades operacionais autônomas geravam bom caixa, mas cresciam principalmente na direção dos mercados umas das outras.

Chegar a uma estrutura correta exigia um desenho organizacional que reconhecesse a principal fonte de valor do negócio: fortes marcas com presença mundial capazes de competir, por exemplo, com Marlboro. Broughton e sua equipe reconfiguraram as unidades operacionais. Agruparam os países em clusters, definidos a partir de sua importância estratégica, e nomearam cinco diretores regionais para esses clusters. Paralelamente, criaram novos cargos de atuação mundial no nível corporativo.

O mais difícil foi realocar o poder de decidir, de modo que os novos papéis gerassem valor, não confusão. Dessa maneira, houve a necessidade de revisar as decisões chave em cada área do negócio. Ter escala mundial na gestão da marca e na distribuição era um fator crucial, mas Broughton não queria perder a agilidade da BAT nos mercados locais.

No que dizia respeito às decisões mais importantes, o primeiro passo foi garantir que os papéis fossem claros. Os executivos da sede assumiram a responsabilidade de elaborar a estratégia global, garantir a excelência operacional, estabelecer as prioridades em relação a marca e ao mercado e administrar a cadeia de fornecimento em todo o mundo. A função primaria dos gestores regionais era “implementar a estratégia e capacitar as pessoas”; também eram responsáveis por monitorar o desempenho do negócio, desenvolver a capacidade das plantas regionais e assegurar a excelência da fabricação.

Os Executivos regionais, que atuavam em determinado país, também eram responsáveis por administrar seu próprio mercado, cuidando do portfólio de marcas e desenvolvendo relacionamentos com os clientes.

O processo não foi fácil. Broughton precisava persuadir as unidades autônomas de que as mudanças eram necessárias. A urgência competitiva contribuiu para que elas aderissem a ideia. Broughton implementou as mudanças em ondas sucessivas e comunicou a todos o êxito, a fim de convencer uma companhia inicialmente descrente. Ao mesmo tempo, não cometeu o erro de buscar o consenso. Deixou claro que não se tratava de decidir a necessidade de mudar, mas como fazê-lo da maneira mais eficaz possível.

Os resultados foram impressionantes: o faturamento da BAT, que nos dois anos anteriores as mudanças haviam caído em media 3% ao ano, cresceu nos três anos seguintes a um ritmo de 8% ao ano.

3. Pessoas

Habitualmente, nas empresas de alto desempenho há pessoas que pensam e agem como “donas”, possuem aspirações elevadas, tomam decisões e passam a ação sem demora. Por isso mesmo, as empresas devem levar em conta o tipo de pessoas que necessitam para seu negócio e selecioná-las tanto pela capacidade como pela conduta.

Um segredo do sucesso é contar com as pessoas certas nos cargos certos e garantir que estejam dando o máximo de contribuição. As companhias que se diferenciam por seu rendimento valem-se de métricas e incentivos alinhados a fim de manter os funcionários na direção do crescimento. Em geral, elas evitam o excesso de indicadores, procuram medir o que realmente importa e vinculam o resultado das avaliações aos incentivos, de uma maneira fácil de entender.

4. Execução

Uma das características de uma estrutura organizacional de alto desempenho é o compromisso e o foco dos funcionários que estão em contato com o mercado, por exemplo, dos que pertencem às áreas de vendas, serviço ao cliente e distribuição, uma vez que são eles que podem transformar o primeiro contato com o cliente em uma relação duradoura. Outro grupo é composto por aqueles que cumprem funções cruciais no lançamento no mercado do produto certo no momento adequado, pessoas que trabalham com pesquisa e desenvolvimento, marketing, produção e cadeia de fornecimento.

Quando essas pessoas não fazem seu trabalho direito, a companhia se debilita devido ao mau serviço, a qualidade ruim dos produtos ou por conta de custos desnecessários. Finalmente, a capacidade de execução se deteriora e os clientes são prejudicados. O segredo está em enxergar esses funcionários como fonte de vantagem competitiva e aplicar o mesmo rigor a seu desenvolvimento que é dispensado ao restante da empresa.

Uma liderança forte é importante, assim como a comunicação constante da visão e das prioridades da companhia. As regras claras para tomar decisões, tais como métricas e incentivos de reforço, também são vitais.

Na eBay, por exemplo, as revisões de desempenho dos funcionários avaliam tanto o feedback dos clientes como a produtividade.

A rede de supermercados britânica Asda, que agora pertence ao WalMart, é famosa pela qualidade do atendimento de seus funcionários da linha de frente, mesmo com salários inferiores aos de outras redes varejistas.

Depois de fracassar em sua tentativa de se voltar para o mercado de maior poder aquisitivo, a direção da Asda reformulou a visão da empresa: oferecer valor por meio de preços baixos todos os dias e de um profundo compromisso com as necessidades dos clientes. Além disso, a Asda recrutou novos executivos que logo estabeleceram uma direção clara em tudo o que dizia respeito a estratégia e valores. Desde o inicio, a nova equipe teve como meta reconstruir a posição da Asda no mercado como líder em preços baixos.

A nova visão infiltrou-se rapidamente entre os funcionários. O pessoal de serviço ao cliente se habituou a considerar o valor do cliente do ponto de vista do que ele comprara ao longo da vida. Para melhorar ainda mais a execução, a Asda criou uma divisão de dados que recolhe as melhores praticas em todos os pontos-de-venda e as divulga como “controle de trafego”. Os executivos seniores, por sua vez, tem se dedicado a refinar as praticas que ajudam os gerentes das lojas a motivar os funcionários.

Os resultados foram impressionantes: a Asda, que no começo da década de 1990 estava a beira da falência, transformou-se em uma das empresas de melhor desempenho do setor varejista do Reino Unido.

5. Cultura

Grandes empresas transmitem uma paixão pelo negócio que estimula as pessoas a dar o melhor de si e ao mesmo tempo criam um ambiente de trabalho mais satisfatório para os funcionários.

As empresas com valores e comportamentos de alto desempenho também inspiram lealdade em seu pessoal, geram o compromisso de um esforço maior e de fazer o que é certo, em vez de se limitar ao estritamente necessário, e não dão sua cultura como garantida: elas a gerenciam e ainda mostram forte capacidade de mudança na qualidade fundamental, uma vez que devem continuar evoluindo a medida que os objetivos estratégicos se modificam.

A Enterprise Rent-A-Car conhece o valor de uma cultura forte. Trata-se da principal agenda de aluguel de veículos dos Estados Unidos, e superou a Hertz em 1996. Ela construiu sua liderança a partir de uma cultura que estabelece uma relação direta entre desempenho e lealdade do cliente e difundiu entre seus funcionários a convicção de que atender as necessidades dos clientes leva ao sucesso. Foi uma das primeiras empresas a aplicar sistemas de avaliação claros e simples.

O caminho do alto desempenho

A marca característica de qualquer estrutura organizacional altamente eficaz é o fato de tomar boas decisões e colocá-las em pratica melhor, mais rápido e de maneira mais consistente que seus concorrentes. As empresas de excelente desempenho que estudamos se destacam em todos os elementos do sistema organizacional apresentado aqui.

Como se trata de um sistema e não apenas de uma estrutura, muitas vezes as empresas não sabem por onde começar na hora de implantá-lo. Por isso, desenvolvemos uma ferramenta para medir a eficácia organizacional. Ela permite que qualquer companhia possa comparar seu desempenho com as empresas de nossa base de dados e analisa cada uma das cinco dimensões de alto desempenho. Assim, ao detectar as causas de um desempenho ruim, as empresas podem concentrar seus esforços onde eles são mais necessários.

As companhias de maior sucesso adotam uma abordagem holística, integrando as capacidades de todo o sistema organizacional. Não é fácil conseguir isso, mas também não é algo que a concorrência possa copiar com facilidade. Seja como for, as etapas para criar uma organização voltada para as decisões são práticas e mensuráveis. Qualquer empresa pode conseguir que, a partir da próxima decisão, sua estrutura seja mais eficaz.

Fonte: HSM Management, por Bain & Company


Filosofia baseada em fatos

Em entrevista a Tom Peters, o especialista de Stanford Jeffrey Pfeffer questiona o processo de tomada de decisões que se baseia em suposições não comprovadas e sugere uma maneira de evitá-lo.

Para tomar decisões, alguns executivos ficam perdidos no atual mar de informações. “Anualmente são publicados 3,5 mil novos livros sobre management. Há pelo menos outros 30 mil livros sendo preparados. Existem também muitas revistas, artigos, sites e blogs.

Acredito que os executivos estejam diante de informações demais. E muitas delas são contraditórias”, diz Jeffrey Pfeffer, o já lendário professor de Stanford na área de gestão de pessoas. Outros gestores se fiam apenas em sua experiência. “Muitos executivos com 20 anos de experiência não tem realmente 20 anos de experiência; eles têm um ano de experiência repetido 20 vezes”, observa Pfeffer. E há os que buscam copiar a experiência alheia, incluindo o benchmarking em seu processo decisório. “Algumas pessoas estão causando todo tipo de dano às organizações e as pessoas que trabalham nelas com base no benchmarking casual”, critica o professor de Stanford.

O que fazer, então, para tomar melhores decisões? Pfeffer propõe fazê-lo com base em fatos. E precisa fugir dos modismos, diz ele a Tom Peters. “Como disse Peter Drucker: Pensar é muito difícil. E modismos são um substituto maravilhoso para o pensamento.”

Você e Robert Sutton são autores do livro A Verdade dos Fatos – Gerenciamento Baseado em Evidências. O que é essa gestão baseada em evidências?

A gestão baseada em evidencias é um modo de pensar. E o compromisso de encarar os fatos e a verdade nas organizações não é feito em muitas empresas.

Também e um compromisso de tomar as decisões com base na melhor informação e nos melhores dados, em vez de tomá-las com base no que outras pessoas estão fazendo ou já fizeram. Isso não leva a uma boa decisão.

Por que isso ainda não é assim?

Por muitas razoes. Primeiro, assim como os médicos enfrentam vendedores tentando fazê-los comprar equipamento médico e remédios, executivos e lideres organizacional encaram “vendedores” querendo convencê-los a adquirir todo tipo de coisa. Apenas alguns desses vendedores comercializam idéias de management. Eles não falam das dificuldades e às vezes nem mencionam em que baseiam suas recomendações.

Segundo, anualmente são publicados 3,5 mil novos livros sobre management. Há pelo menos outros 30 mil livros sendo preparados. Existem também muitas revistas, artigos, sites e blogs. Acredito que os executivos estejam diante de informações demais. E muitas delas são contraditórias.

No livro, temos uma tabela chamada “títulos em Guerra”: de um lado está Love is the Killer App [numa tradução livre, “O amor é um aplicativo que conduz ao sucesso”] e de outroBusiness is Combat [“Negócio é luta”]. Assim fica difícil saber o que fazer.

Por fim, eles acreditam que tem experiência e que ela é muito importante e válida. O problema de aprender com a experiência é que vemos o que esperamos ver. Como diz um de nossos colegas: “Muitos executivos com 20 anos de experiência não tem realmente 20 anos de experiência; eles têm um ano de experiência repetido 20 vezes”.

Nós não aprendemos a gerenciar em casa?

Não sei como aprendemos, mas não acho que tenha sido suficiente. Muitos executivos, depois que lançamos nosso livro The Knowing-Doing Gap [“A distância entre saber e fazer”], disseram: “Só agora estamos realmente transformando nosso conhecimento em ação”.

Algumas pessoas estão causando todo tipo de dano às organizações e as pessoas que trabalham nelas com base no benchmarking casual. “A GE faz isso e está sendo bem-sucedida. Então vamos fazer o mesmo”, ou: “Já fizemos isso e parece que funcionou”. Há muito aprendizado com base em superstição.

Mas milhões de pessoas vão para o trabalho todo dia pensando que é parte de um sistema lógico e racional. E agora você está dizendo que o sistema é baseado em meias verdades.

Em muitos cases, é isso mesmo. E, como disse Peter Drucker: “Pensar e muito difícil. E modismos são um substituto maravilhoso para o pensamento”. Peter Drucker era um homem sábio; o que ele disse explica muito do que esta acontecendo.

Você defende que se realizem varies pequenos experimentos. Mas acho que muitas pessoas pensam: “Por que fazer experiências justo na minha empresa?”. É por isso que elas não prestam atenção às evidências?

Essa pode ser uma razão. Mas também acho que ha uma tendência nas empresas em acreditar que, se algo vale a pena ser feito, deve ser feito para todos e em todos os lugares, o tempo todo. E fazê-lo dentro de um Programa, com “P” maiúsculo. A mentalidade é: “Se não estamos convencidos de que vai funcionar, também não devemos fazê-lo em lugar algum”.

Por isso, observamos nas empresas um debate sem fim: “Devemos fazer A, ou devemos fazer B, ou devemos fazer C?”. E o mais obvio seria experimentar A, B e C em vários locais e em diferentes momentos e ver o que funciona melhor.

Pense bem: se a medicina fosse praticada dessa forma, tenhamos pesquisadores sentados por ai em debates sem fim sobre se certa droga, em teoria, funcionaria ou não, em vez de fazer experiências. Ou veja como os aviões são desenvolvidos. Obviamente começa com a teoria e com evidências físicas e de engenharia, mas também se constroem protótipos e se realizam testes.

Existe um conceito de protótipos pelo qual a Ideo é famosa no mundo do desenvolvimento de produtos. Mas eu acho que a genialidade da Ideo esta no fato de seus executivos terem levado esse conceito para o modo como gerenciam a empresa. É algo que todos podem fazer. Você não precisa ser especialista em estatística para tentar coisas diferentes e ver o que parece funcionar melhor.

Em suas conclusões no livro há a sugestão de pensar na organização basicamente como um protótipo em andamento. O que isso significa?

Significa que nunca se deve pensar que terminou. Significa que é preciso estar sempre interessado na melhoria continua como a Toyota faz. Significa que e necessário sempre tentar coisas diferentes.

Acho que você falou disso por muitos anos, sobre nunca estar satisfeito.

Estar sempre disposto a aprender por tentar coisas novas, em vez de fazer da mudança organizacional algo raro, como um terremoto, que acontece sem freqüência certa e com grandes e por vezes horríveis conseqüências. As pessoas deveriam tentar pequenas coisas diferentes o tempo todo e ver o que funciona e como e possível melhorar continuamente.

Eu acho que isso é equivalente ao que muitas pessoas fazem com seu regime de auto-ajuda, tentando diferentes coisas, para supostamente levar uma vida melhor…

Exatamente. Guarda relação com a idéia da prática médica de agir hoje com base na melhor informação disponível. Mas também parte do pressuposto de que a informação, embora seja a melhor disponível hoje, não é a melhor que se terá amanha ou depois de amanha. Então, é feito o melhor que se pode no momento e, ao mesmo tempo, as pessoas mantêm-se abertas ao aprendizado.

Uma das coisas que observamos são as empresas e seus lideres apresentando muitas vezes uma postura extremamente defensiva. Eles não estão abertos a admitir que cometeram erros ou que tem problemas. Se você não está disposto a admitir que alguma coisa está errada ou que está menos do que perfeita, é quase impossível adotar a prática de continuamente fazer as coisas melhor.

Qual a razão dessa reação negativa em relação ao erro dentro das corporações? Abençoado seja quem já cometeu um erro e deixou que alguém soubesse dele…

Essa idéia é muito importante. As pessoas cometem erros o tempo todo. Portanto, a questão não é se as pessoas erram – seres humanos são falíveis. A única maneira de evitar erros é não fazer nada.

Nesse contexto, a questão passa a ser outra: “Quão rápido você reconhecerá seus erros e aprenderá com eles?”. A fim de aprender com seus erros, você tem de admitir que é falível. E para isso é preciso voltar a um principio básico de W. Edwards Deming: afastar o medo das organizações.

As pessoas tem medo de dizer a verdade, de admitir seus erros, porque receiam que isso as leve ao final, ou a limitação, de sua carreira.

Pelo que entendi, em seu livro você diz que a melhor maneira de rapidamente ter uma idéia de como é a dinâmica de uma organização é observar o que acontece quando as pessoas falham…

Isso é verdade. Voltando ao exemplo da Ideo, que não é o único, os irmãos Kelley tem este modelo: “Queremos ver nosso pessoal errar cedo e errar frequentemente”. Para eles, isso é melhor do que errar uma vez, no final do processo e em grandes proporções. Em outras palavras, você não quer estar num avião e descobrir que ele é mal projetado para determinada turbulência.

Lembro-me de que ha alguns anos, na Genentech, empresa maravilhosa, o presidente disse: “Não estamos errando o suficiente”. Todos o olharam como se ele estivesse maluco. E ele acrescentou: “Veja, se você está trabalhando em biotecnologia de ponta e todos os seus projetos funcionam, você não está pressionando os limites de seu conhecimento”.

O que acontece no golfe? Se cada vez que você acerta a bola acerta seu alvo, ou você é Tiger Woods, ou está perto demais do alvo. O único modo de realmente aprender é “tensionar o sistema”. Novamente, isso é algo que remonta ao movimento da qualidade e que a Toyota faz muito bem.

Pense em como você aprende matemática ou a tocar piano. Se cada vez que você fizer uma prova tirar nota 10, ou você e um gênio, ou você não está se pressionando a aprender tanto quanto poderia. O mesmo acontece com as empresas.

Ou as provas são muito fáceis…

Ou as provas são muito fáceis. Aliás, isso tudo é senso comum, algo que é muito raro…

Você discute a chamada “guerra por talentos”. As melhores organizações contam com as melhores pessoas?

No livro, uma das coisas que procuramos fazer foi estimular o leitor, quando depara com uma idéia – como a de que “as melhores organizações contam com as melhores pessoas”-, a descobrir os pressupostos subjacentes, que precisam ser verdadeiros para que toda a afirmação seja verdadeira.

Há um conjunto de pressupostos embutidos na frase “as melhores organizações contam com as melhores pessoas”. Primeiro é de que você é capaz de identificar as melhores pessoas. O livro The War for Talent [“A guerra por talentos”] fala de um sistema de classificação com níveis A, B e C. Mas veja o mundo dos esportes. Em todos os esportes há estrelas com carreiras brilhantes, que no começo foram identificadas como não sendo boas o suficiente.

Se isso vale para os esportes, você imagina a margem de erro envolvida na atividade de identificar talentos nas empresas. Portanto, a idéia de que posso ir até a organização e separar os As dos Bs e dos Cs é uma bobagem.

O segundo problema está no fato de que, quando se acredita que o talento é fixo, ele se torna fixo. E quando se acredita que todos tem a possibilidade de melhorar, na verdade as pessoas podem melhorar. É uma profecia auto-realizável.

Se acredito que você é um C, não vou investir em treiná-lo. A pessoa desiste de si mesma e vai provavelmente cair de C para D. Por outro lado, se acredito que, quando você vai mal, isso não significa que você seja incompetente — quer dizer, isso sim, que você precisa se esforçar mais, ter mais treinamento, ganhar mais prática (ou tudo isso simultaneamente), você pode de fato melhorar ao longo do tempo.

O estudo dos indivíduos geniais revela que a diferença entre eles e as pessoas não geniais não está no fato de eles serem melhores, embora sejam um pouco melhores, mas principalmente no fato de eles tentarem mais, com mais “chutes a gol”, por exemplo.

Portanto, quando se tem esse tipo de classificação, que diz se as pessoas são A, B ou C, elas acabam desistindo.

Aliás, se observam os dados de pesquisas educacionais, eles mostram bem claramente que o pior modo de levar as crianças a aprender e colocá-las nesses sistemas de classificação, por meio de notas. As crianças aprendem muito melhor sem isso.

Conversamos com Ben Zander, autor de A Arte da Possibilidade. Um de seus conceitos é dar nota 10 a todos seus alunos no primeiro dia deles no New England Conservatory. Depois, ele pede que eles escrevam em duas semanas uma carta, com a data do final do curso, explicando no passado por que mereceram essa nota. Ele pede que os alunos imaginem as coisas surpreendentes que tiveram de fazer para conseguir a nota, descrevendo-as como se já tivessem acontecido…

Eu me lembro bem desse exemplo. Está de acordo com o que acabamos de falar; e totalmente correto. O que Ben tenta fazer e que as pessoas pensem sobre si mesmas como estrelas, ou pelo menos como tendo o potencial para chegar até aí, em vez de dar uma prova no primeiro dia e dizer: “Você é um C”.

Essa idéia guarda relação com uma frase de meu amigo George Zimmer, presidente da Men’s Wearhouse: “Você acredita que o talento é escasso e que apenas certas pessoas o possuem? Ou você acredita que todos possuem potencial não explorado? O trabalho de um grande líder em uma organização é utilizar esse potencial não utilizado”.

O que você acha então da famosa classificação utilizada por Jack Welch: os 20% do topo, os 70% do meio e os 10% da base? E ele diz que você tem de se livrar dos 10% da base, que tem desempenho pior…

Não sou adepto desse conceito. Não encontro pesquisas sistemáticas, documentadas ou empíricas que indiquem que isso funciona; apenas historias. Quando desafiado sobre esse sistema, Jack Welch responde: “É exatamente o que acontece na escola”. Tudo bem, mas, se você for observar as pesquisas sobre o aprendizado das escolas, descobrirá que esse tipo de classificação é a pior maneira de fazer com que as pessoas aprendam.

E ainda assim todos esses sistemas sobrevivem…

Sim, por causa do benchmarking casual -“A GE fez isso e a GE é bem-sucedida. Portanto, devemos fazer o mesmo”.

Eu mostro para as pessoas o tempo todo que a Southwest Airlines é claramente a mais bem-sucedida das companhias aéreas na história dos Estados Unidos e Herb Kelleher foi evidentemente um presidente de destaque. Ele bebe muito Wild Turkey. Isso significa que, se o presidente de sua empresa beber muito Wild Turkey, ela será tão bem-sucedida quanto a Southwest? Essa é a pior forma de raciocínio por analogia que se pode ter.

Você acredita em algum livro de management que foi lançado nos últimos 10 ou 20 anos?

Acredito em muitos livros de management dos últimos 10 ou 20 anos, ou pelo menos em partes deles. Acho que é correto o conceito de Empresas Feitas para Vencer, de Jim Collins, e de Searching for a Corporate Savior [“Em busca de um Salvador corporativo”, de Rakesh Khurana, de que os melhores líderes são menos egocêntricos e de que a busca por um Salvador já colocou muitas empresas em apuros.

Acho que praticamente tudo o que Deming escreveu é totalmente correto, principalmente a ideia de levar o medo para fora da organização. Quando se lê Deming percebe-se que continuamos redescobrindo as mesmas coisas repetidamente, o que é deprimente. Deming também falou dos sistemas de classificação e de como não podemos culpar as pessoas por falhas do sistema. Se o sistema é falho, dar as pessoas mais recompensas ou mais punições não melhorará as coisas, porque o problema está no sistema, não nas pessoas ou no que elas estão tentando fazer.

Esses são exemplos que me ocorrem agora, mas há muitos mais.

Acredito no que você escreveu sobre a necessidade de inovar, de descongelar a organização, de ser um pouco mais experimental, é claro.

Mas eu também já disse: “Inovar ou morrer”. E você afirma que essa e uma das meias verdades…

E é. Há muitas pesquisas que mostram que, se você inovar, provavelmente morrerá. A inovação é arriscada, e a mudança é certamente arriscada.

A palavra da moda nos últimos anos é “inovação”. Você esta dizendo que ela esta valorizada demais?

Primeiro, é moda, o que significa que muito mais organizações falam dela do que a praticam…

É verdade…

Acho que é preciso uma análise cuidadosa sobre os esforços de mudança na organização. É necessário compreender os riscos. Se você, Deus não permita, tiver câncer, vão te dar remédios que são venenos. Você dirá: “funciona, então devo tomar mais? Se pouco é bom, mais não é melhor?” Não!

O que perdemos completamente no pensamento do management foi a idéia de que às vezes há uma relação curvilínea; há um tanto ótimo de inovação, um tanto ótimo de descentralização, um tanto ótimo de incentivos individuais. Mais que isso pode ser pior. Tendemos a julgar que, se estamos fazendo um pouco, deveríamos fazer muito, em vez de pensar que pouco talvez seja bom.

Várias companhias têm pensado que devem inovar mais e mais sem considerar que há um ponto ótimo da curva além do qual não vale a pena ir, pois é um caminho descendente.

De certo modo, você esta falando de entender o lado humano, as pessoas, seus talentos. Mas os trabalhadores sempre foram tratados como um grande bloco de coisas…

Isso e verdade. Uma coisa que tentamos mostrar no livro é a necessidade de ser cuidadoso inclusive com as pessoas.

Fonte: HSM. A entrevista é de Tom Peters, um dos grandes nomes do management e autor de um dos maiores best-sellers sobre o assunto, Vencendo a Crise (ed. Harbra). Por Tom Peters Company


Matemática do xeque-mate

Como explica o enxadrista Garry Kasparov nesta entrevista exclusiva, tanto no xadrez como na vida, há três elementos essenciais do mecanismo de tomada de decisões: material, tempo e qualidade.

No marco de um tempo e de um espaço próprios, todo jogo cria, com suas regras, uma ordem no mundo imperfeito e confuso. Jogo estratégico por excelência, o xadrez é uma confrontação na qual o vencedor demonstra ter “visão” mais apurada do que seu oponente, e os grandes jogadores são capazes de antecipar mentalmente os melhores caminhos possíveis para um desenlace vitorioso.

“Num sistema matematicamente finito, pode-se calcular tudo, mas o xadrez é grande demais para isso”, explica Garry Kasparov durante uma entrevista exclusiva concedida em Madri. “Há um grande mal-entendido a respeito da natureza do xadrez”, continua. “Para a matemática, o jogo é finito, mas, para nós, seres humanos, ele é matematicamente infinito. O número de posições, ou seja, a soma de todas as posições possíveis, contém 45 zeros. Acredito que é suficiente para considerá-lo matematicamente infinito.”

Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Kasparov se entusiasma, eleva a voz grave e mexe os braços com gestos amplos. Sua atitude muda quando ouve. A imobilidade é total e a atenção intensa. Capta as perguntas antes que terminem de ser formuladas. Mais do que dono de um temperamento calmo, cultivado nas muitas horas diante do tabuleiro, o chamado “Monstro de Baku” (sua cidade natal, no Azerbaijão) mostra paixão quando fala do xadrez ou se aprofunda nos elementos fundamentais para a tomada de decisões.

Faz tempo que o Sr. trabalha numa coleção de livros onde vincula a evolução do xadrez com as idéias cientificas e sociais de cada época.

Em certa medida, as mudanças no jogo refletem as mudanças na sociedade. Os novos conceitos estão em consonância com as idéias sociais e culturais predominantes em sua época. Não é casual que o primeiro campeão mundial de xadrez, Wilhelm Steinitz, que introduziu conceitos revolucionários no jogo na segunda metade do século 19, tivesse um pensamento alinhado com a ciência tradicional e que seu sucessor, Emanuel Lasker, contemporâneo de Einstein e de Freud, acreditasse na relatividade e na psicologia. Nos cinco volumes que escrevi, mostro a interconexão entre as novas idéias apresentadas por meus grandes antecessores e sua época.

Como se refletem no xadrez os novos conceitos sociais e culturais? Por exemplo, como as teorias de Freud sobre o inconsciente mudaram o jogo?

A teoria do xadrez tomou forma no tempo da física e da matemática clássicas e foi introduzida pelo primeiro campeão mundial, Steinitz. Nessa época, acreditava-se que uma teoria universal poderia responder a todas as perguntas, e Steinitz promovia essa noção no xadrez. Seu sucessor, Lasker, teve um estilo distinto: em vez de fazer a melhor jogada, fazia a melhor jogada contra aquele adversário. A ênfase não estava na verdade última, mas em jogar contra um rival; o valor de cada movimento era relativo. Lasker introduziu o elemento psicológico. Hoje, para os jovens jogadores, isso é obvio.

As decisões no xadrez atual são tomadas de forma mais automática?

Jogamos xadrez rápido e, muitas vezes, pela internet. O computador é um componente do preparo. Quando eu era criança, tinha poucos livros a meu alcance, e cada exemplar era um tesouro que eu lia com avidez; era preciso muito esforço para encontrar a informação. Agora, com um clique do mouse acessamos milhões de partidas. Com tanta informação, temos um problema logístico diferente: como diferenciar aquilo que é valioso daquilo que não aporta nada, o falso do autêntico? O que deve ser incorporado e o que deve ser ignorado?

Um interessante paradoxo é que antes tínhamos menos informação e mais tempo para decidir, e hoje temos mais informação e menos tempo. De fato, suportamos mais pressão. O grande perigo de nossa época é que muitos dirigentes confiam em que vão encontrar uma resposta e não tomam a iniciativa, não querem assumir o risco de decidir. Mas, no fim do dia, somos nós, e não os computadores, que tomamos as decisões. Se você quer triunfar, deve aprender a não se deixar oprimir pela informação. Eu acredito que muitos ficam sepultados sob o furacão de dados.

Como isso pode ser evitado?

Não há uma receita universal. Primeiro, precisamos entender que o computador não é um dispositivo que nos fará felizes com respostas “pré-cozidas”; ele apenas oferece informação. Segundo, devemos desenhar nossa própria fórmula para aceitar ou rejeitar informação. Para trabalhar com aquilo que nos rodeia e ajustar nossa própria fórmula de tomada de decisões, é muito importante reconhecer nossas fortalezas e nossas fraquezas. Eu fico entristecido ao escutar os típicos discursos de auto-ajudada, que apontam por igual, quando na realidade cada pessoa é única.

Alguns se sentem mais a vontade com os dados; outros, como eu, são mais intuitivos. Alguns são mais pacientes, podem esperar todo o tempo do mundo; outros, nem tanto. Não acredito que a paciência, a impaciência, a objetividade e a intuição sejam boas ou más em si. São componentes. Antes de decidir, devemos analisar os componentes de nosso mecanismo de tomada de decisões. Anatoli Karpov tinha um estilo… não diria defensivo, mas cuidadoso. Era um gênio para obter o máximo efeito com os mínimos recursos. Eu era mais agressivo. Podia varrer meus rivais com os ataques. Não gosto dos detalhes; prefiro captar o panorama global e reconhecer como posso compensar a perda de material com qualidade ou tempo, ou o inverso.

Material, tempo e qualidade?

Estou trabalhando num livro em que desenvolvo uma teoria de acordo com a qual os três elementos essenciais do mecanismo de tomada de decisões são o material, o tempo e a qualidade. O mais complicado é a qualidade: no xadrez pode ser a estrutura de peões, o espaço ou as peças ativas; na vida, a qualidade se manifesta de muitas formas. O material é obvio. E o tempo é operativo: tempo versus dinheiro, tempo em troca de material.

Mas a qualidade implica diversos elementos, e muitas pessoas não sabem como inseri-la em sua escala de valores. Ao escolher, comparamos. Quando optamos por investir em uma casa nova ou enviar nossos filhos para a universidade, também entra em jogo a qualidade, mesmo que não tenhamos consciência disso. Em suma, sempre tentamos ajustar a estratégia em termos de material, tempo e qualidade.

O Sr. mencionou que é intuitivo. Mas não parece muito evidente que a intuição, em um jogo racional como o xadrez, seja uma boa guia…

Vou dar um exemplo. Na sétima partida do campeonato mundial de 1894, entre o campeão Steinitz, de 57 anos, e o jovem alemão Lasker, de 25, o confronto estava equilibrado. Lasker, que usava as pecas brancas, havia feito um jogo forte na abertura e depois de algumas complicações teve de sacrificar dois peões.

Hoje ninguém se surpreenderia se um grande mestre abandonasse a partida em circunstâncias tão desfavoráveis. Mas Lasker não o fez. Foi ainda mais agressivo, tentando complicar as coisas, e sacrificou mais uma peça, fazendo um ataque que Steinitz não entendeu. O campeão fracassou. A interpretação foi que o velho campeão não era mais o mesmo e que havia decaído por conta da idade, não da qualidade.

No entanto, quando analisei a partida em profundidade e com a ajuda de um computador, descobri outra coisa. É verdade que Steinitz havia estado em posição vencedora, mas tinha errado numa etapa anterior. Quando Lasker sacrificou a peça, o campeão já estava perdendo. O interessante é que Lasker fez as melhores jogadas possíveis. Não poderia ter calculado: sua intuição o levou na direção correta.

Para mim, é uma boa demonstração de que, se confiarmos em nossa intuição, obteremos melhores resultados. Cada vez que revejo as partidas dos grandes campeões descubro que, sob pressão, eram mais eficazes. Em situações de pressão, nossos sentidos ficam alerta. Em momentos de calma, tendemos a relaxar e perdemos alguns elementos vitais para avaliar corretamente uma situação.

A intuição é algo inato ou pode ser adquirida?

Todos temos intuição, mas precisamos usá-la com mais freqüência. É como um músculo que deve ser treinado. Não nos guiaremos pela intuição se não tivermos confiança em nós mesmos.

Desenvolver a confiança está relacionado com ter coragem de agir sem medo de errar, que é algo que o Sr. recomenda em suas palestras, não é verdade?

O que eu recomendo não é errar propositalmente, mas aceitar a possibilidade de cometer erros. Muitos temem errar e isso os impede de avançar. O medo apresenta-se de diversas formas na tomada de decisões: como medo de errar, medo das mudanças, do desconhecido, de magoar pessoas queridas… Entretanto, como haverá erros, é melhor se preparar psicologicamente e se sentir confortável com a idéia de que certamente alguma vez você vai errar.

Quando superar esse temor, você poderá aprender com seus erros e sua carreira não vai parar. Acho que o maior problema de Bobby Fischer depois de se consagrar campeão mundial em 1972 foi o medo de perder. Aí a vida pára. As pessoas tem medo de errar, mas, se reconhecerem esse medo, podem ser mais objetivas e perceber quando estão prestes a cometer um erro. Desse modo, elas não ficam congeladas, tem um ponto de vista mais abrangente.

Os computadores não partilham esse temor. Quando o homem e a maquina se enfrentam, o que é superior: uma boa estratégia ou a grande potência de cálculo?

A estratégia é superior à forca bruta do cálculo. O cálculo e a pesquisa podem dar apoio a estratégia, mas não substituí-la. Em 2003 joguei com um dos melhores programas de xadrez do momento, o X3D.

Na segunda partida, en vinha de uma derrota estrondosa. Como eu queria reencontrar meu jogo, esforcei-me ao máximo para me recuperar. Tinha as peças brancas e tentei criar uma posição fechada, porque esse tipo de jogada dá poucas possibilidades para a máquina usar a potencia de calculo. Eu pensava no longo prazo, usava uma estratégia. A máquina não entendia o que estava acontecendo nem percebia meu plano.

O interessante é que a maquina jogava melhor do que muitos jogadores de xadrez, mas qualquer um deles poderia perceber que a posição da maquina piorava. Quando ela reconheceu isso já era tarde e, poucas jogadas depois, os programadores desistiram em nome da máquina.

Como o Sr. se preparava para as competições?

Procurava informação, novas ideias, novas aberturas. Estudava o jogo de meu oponente e tentava pensar coisas que o incomodassem. Era um enfoque misto. No final de minha carreira, o elemento computacional tornou-se mais importante. Cada semana surgiam novas ideias, algo que hoje acontece diariamente. No entanto, 20 anos atrás, a gente tinha uma grande ideia e podia trabalhar nela durante alguns meses, usá-la e depois de dois meses utilizá-la novamente para derrotar outro rival. Hoje, quando surge uma boa ideia para uma abertura, em menos de 24 horas está na internet. As boas ideias se tornaram propriedade de todos e isso nos obriga a sermos mais criativos. Como afirmei antes, e preciso tomar decisões mais rápido.

Outro paradoxo é que a maior quantidade de informação tende a reduzir a criatividade, porque nos apoiamos nos dados. Além disso, todos tentam ter boas idéias, e as boas idéias funcionam uma única vez, por isso é preciso ser mais criativo. A criatividade desempenha um papel muito importante, porque é o que marca uma diferença. Antes existiam diferentes níveis de acesso à informação; hoje tudo é mais homogêneo. Quase todos conseguem o mesmo hardware; a diferença está no software. Por isso, a criatividade, a coragem, a intuição e a capacidade de adaptação são coisas que estão se tornando mais importantes. Acredito que é tempo de falar mais sobre psicologia, porque o mecanismo de tomada de decisões é muito mais importante do que a informação.

O Sr. fez treinamento com psicólogos?

Não estudei psicologia nem trabalhei sistematicamente com psicólogos, mas, se você joga xadrez, está envolvido o tempo todo com a tomada de decisões, e é por isso que precisa aprender algo de psicologia.

Quais as lições do xadrez que o Sr. aplica em sua vida cotidiana?

Uma das mais importantes foi aprender a ser objetivo, motivo pelo qual eu pude permanecer tanto tempo no topo. Não me envergonho de meus erros nem de aprender com os mais jovens. Para mim, a verdade última era a mais importante e, se eu percebesse que estava errado, não hesitava em reconhecê-lo, primeiro para mim mesmo e depois diante dos outros.

Atualmente, em minha atividade política na Rússia, estou envolvido em um jogo sem regras, ou melhor, com uma única regra – a de que meus oponentes do Kremlin [sede do governo russo] mudam as regras de acordo com sua conveniência. Saber que esta é precisamente a regra me permite formular uma estratégia de longo prazo. Estratégia e sobrevivência tática é desenhar planos alinhados com o potencial pessoal.

Por que o Sr. deixou de competir?

Tinha outras coisas para fazer. Para mim, a vida tem a ver com marcar uma diferença. Assim eu o fiz no xadrez por 25 anos. Agora acredito que minha experiência, minha energia e meus recursos podem ser destinados a outra coisa. Tenho algo para falar e não quero ficar quieto. Sinto que o mundo está engasgado, sem visão estratégica, e que precisamos encontrar um rumo.

Saiba mais sobre Kasparov

Garry Kasparov se tornou o mais jovem campeão mundial de xadrez da historia aos 22 anos, em 1985, e defendeu seu titulo durante os 15 anos seguintes. Suas lendárias partidas contra Anatoli Karpov, o campeão anterior, e contra o computador Deep Blue, da| IBM transcendeu o âmbito do xadrez e contribuíram para difundir o jogo entre públicos não tradicionais. O grande mestre argentino Oscar Panno o considera o melhor enxadrista de todos os tempos, por sua capacidade de fazer tanto um jogo ofensivo – seu estilo característico como um defensivo.

Desde 1991 Kasparov é colunista do Wall Street Journal e atualmente está afastado do circuito profissional de xadrez, viajando pelo mundo como palestrante. Ele discorre sobre os problemas da Rússia atual e convoca o mundo a desenvolver visão estratégica.

Fonte: HSM, por Viviana Alonso


A última jogada

Você tem trabalhado arduamente sem sucesso? Está quase desistindo? Helga Drummond e Julia Hodgson especialistas da University of Liverpool, no Reino Unido, dizem que você deveria pensar muito a respeito disso. A maneira como decide pode afetar sua decisão.

Você se encontra em uma situação em que investiu muito, talvez tudo que tinha, em um empreendimento cuja perspectiva de sucesso parece mínima. E agora esta se questionando: deve desistir ou continuar insistindo? Você pode achar instrutivo este episódio da vida de Bunker Hunt.

Stephen Fay conta em seu livro de 1983, Beyond Greed: em 1953, esse empreendedor norte-americano desconhecido se inscreveu para tirar uma licença de perfuração de solo na África. As perspectivas eram estimulantes, uma vez que geólogos disseram a Hunt que um poço de petróleo recém descoberto na Argélia quase certamente se estenderia até a Líbia. Infelizmente para Hunt, as chamadas “Sete Irmãs” (companhias petrolíferas multinacionais) já estavam perfurando os melhores locais.

A única concessão disponível para Hunt era um ponto muito remoto da fronteira argelina que oferecia uma perspectiva tão miserável que nem se falou no costumeiro suborno a autoridades locais.

Hunt continuou insistindo; ele perfurou durante anos sem encontrar nada. Além disso, as Sete Irmãs não foram bem-sucedidas, apesar de suas chances serem muito melhores. No final, uma delas, a British Petróleo (BP), desistiu e fez uma parceria com Hunt, mas a procura por petróleo não deu em nada.

Em 1961, o superintendente da torre de perfuração foi instruído pela BP a parar de perfurar e voltar para casa. Foi o golpe final demolidor para Hunt, que tinha investido todo seu dinheiro no empreendimento. Fay diz que foi aí que algo aconteceu: “Então, por puro acaso, o superintendente da torre de perfuração escavou mais 3 metros na areia antes de retirar a broca do terceiro buraco e esses 3 metros foram suficientes para furar a tampa de um dos maiores poços de petróleo do mundo”.

Persistir ou desistir

Existem dois problemas na tomada de decisões. Um é persistir demais em empreendimentos sem esperança e acabar “gastando vela boa com defunto ruim”. O outro, como mostra essa história, é colocar tudo em risco ao desistir cedo demais. Decisões mal pensadas podem ser custosas.

Quando a Honda parou de fabricar seu famoso motor V-Tec no meio da década de 1990, destruiu a principal razão para comprar seus carros esporte de dois lugares.

No inicio da decada de 1980, a Coca-Cola abandonou sua formula tradicional e viu suas vendas despencar; a companhia logo reconheceu seu erro, mas nem todas as decisões são facilmente reversíveis.

Em meados da decada de 1980, o Reino Unido viu fechar muitas minas de carvão, pois não conseguiam ser lucrativas em uma economia de petróleo barato. Com os preços do petróleo atualmente em disparada, será necessário grande esforço para reabrir essas minas, mas essa ação é com certeza iminente.

Uma pesquisa feita por psicólogos sugere que, embora não consigamos nunca eliminar a possibilidade de errar ao tomar uma decisão, podemos reduzir os riscos estando conscientes do que pode solapar nosso poder de discernimento.

Quais são as fontes principais disso? E como os tomadores de decisão podem contra-atacá-las? Existem diversas trilhas lógicas que podem conduzir para o meio do mato.

Enquadramento

Quando uma situação matematicamente idêntica pode ser expressa tanto positiva como negativamente – como um copo d’água pode ser descrito como meio cheio ou meio vazio-, chamamos a isso de “enquadramento”. O modo de “enquadrar” uma questão é um dos motivos pelos quais os tomadores de decisão podem desistir cedo demais. As decisões sobre projetos arriscados tem grandes possibilidades de ser enquadradas negativamente.

Em teoria, o enquadramento negativo deveria produzir decisões melhores do que o enfoque positivo. Isso acontece porque, quando os projetos são percebidos negativamente, os tomadores de decisão tendem a sujeita-los a um escrutínio mais rigoroso, ao passo que os projetos enquadrados positivamente têm grandes possibilidades de ser aprovados “com um aceno de cabeça”. O problema é que uma avaliação critica tão intensa pode distorcer o sentido de proporção, tornando os problemas mais aparentes do que reais.

Orçamento

Embora orçamentos possam ajudar a evitar que os custos fujam do controle, a composição de um orçamento é uma tática “de dois gumes”. Experimentos mostraram que os gastos diminuem a medida que os orçamentos são usados, e, uma vez que o orçamento for gasto, os tomadores de decisão podem terminar um empreendimento mesmo existindo um claro motivo econômico para continuá-lo.

É um erro privar projetos de fundos só por causa de pressão nos orçamentos. Isso acontece porque o esgotamento do orçamento e o que os contadores chamam de uma “perda não-informativa”. Essa situação indica meramente que certa quantia de dinheiro foi gasta. Não revela nada sobre o estado do projeto e se vale a pena completá-lo. Mesmo assim, com que freqüência ouvimos nas organizações sobre boas idéias que foram rejeitadas porque “não há dinheiro previsto no orçamento” e sobre congelamento na contratação de pessoaschave, para economizar?

O orçamento não se aplica apenas a números em uma planilha. Ele pode ser “mental”, indicando o que se espera ou deseja. Você pode rejeitar o chocolate vendido a 70 centavos que consegue facilmente comprar simplesmente porque não “esperaria” pagar mais do que 50 centavos.

O Reino Unido poderia ter tido trens de alta velocidade 25 anos antes, mas a agora extinta British Rail abandonou o projeto após ter investido milhões de libras nele. Por quê? Após os testes iniciais com um protótipo de vagão, os passageiros reclamaram de enjôo. Mas a British Rail tinha insistido em que os novos trens (com tecnologia nova e complexa) corressem sobre trilhos existentes e seguindo a sinalização, que era relíquia da era vitoriana. No fim, não foi a necessidade de mais dinheiro que parou os vagões inovadores; foram os exauridos “orçamentos” de tempo, paciência e boa vontade.

Emoções

Todas as decisões envolvem emoção, não importa quão objetivo o tomador de decisões tente ser. Os efeitos da emoção na tomada de decisões estão apenas parcialmente entendidos, mas parece que a ansiedade e a depressão podem prejudicar o poder de julgamento de maneiras opostas. As pessoas ansiosas são inclinadas a erros de persistência excessiva, ao passo que as pessoas que são depressivas podem ser mais inclinadas a desistir muito cedo.

Por exemplo, quando o Partido Trabalhista chegou ao poder em 1945, lorde Gam rose decidiu vender o Financial Times, uma decisão ofuscada por uma visão profundamente pessimista do futuro do capitalismo no Reino Unido, que se mostrou altamente infundada.

São necessárias mais pesquisas a respeito de como as emoções afetam a tomada de decisões. Por exemplo, pode-se argumentar que as pessoas com tendência depressiva tomam melhores decisões do que as pessoas ditas “normais”, pois elas são mais realistas quanto ao que podem atingir. Por outro lado, as pessoas que sofrem de depressão, ainda que moderada, podem desistir cedo demais, pois vêem as coisas piores do que realmente são.

Boa Impressão

A incerteza gera conflitos. Se todos na organização soubessem qual é o rumo de ação correto o tempo todo, não existiria discussão. Apesar de toda nossa sofisticação computacional, a tarefa vital de estimativa de custos, receitas e escalas de tempo se baseia fundamentalmente em adivinhação, o que propicia conflitos, porque as suposições em que as adivinhações se baseiam não podem ser verificadas e, portanto, abertas a contestação.

Por exemplo: os membros do conselho curador de organizações assistenciais debatem a escolha dos gerentes de investimento. Tudo se resume a quem conseguir argumentar melhor e, assim, parecer o melhor tomador de decisões.

Infelizmente, uma decisão relativa a determinado projeto nos permite prever como todas as decisões seguintes serão tomadas. As pessoas cujas opiniões prevalecem em uma decisão podem inconscientemente minimizar ou até ignorar as más notícias subseqüentes; as que perderam a decisão podem estar determinadas a achar falha no resultado de cada fato.

Uma pesquisa feita por psicólogos mostrou que os supervisores que discordaram de decisões de nomeação tendem a subavaliar o desempenho dos funcionários nomeados. Essa descoberta implica que há nas organizações muitas possibilidades de erro de decisão. Ela sugere, por exemplo, que os engenheiros, consultores de administração e até mesmo médicos podem rejeitar métodos e soluções superiores com base no “não foi inventado aqui” ou adotá-los relutantemente e depois declará-los impraticáveis.

A responsabilidade é outro fator. Por mais incrível que pareça, as evidências sugerem que, quando os tomadores de decisão podem evitar responsabilidade pela falha, por exemplo, atribuindo o problema a fatores externos como o tempo, mercados mundiais, distúrbio político e coisas do tipo, eles tendem a abandonar projetos potencialmente viáveis em vez de enfrentar os riscos da continuação.

Apesar de nossa cultura nos exigir coerência e o término daquilo que começamos, acabar com um projeto impopular pode fornecer a um Iíder ambicioso uma oportunidade de causar uma boa impressão ao se mostrar firme e decisivo. O perigo é especialmente agudo quando se traz um novo administrador para assumir controle de um projeto arriscado – principalmente se ele tiver declarado publicamente a intenção de acabar com o projeto ou estabelecer limites para ele.

Dez modos de jogar bem

No pôquer, a mão de uma pessoa pode parecer ruim até aquele momento mágico quando se tira um as. Antes de você tomar a decisão de abandonar um projeto ou empreendimento, pense nestes passos que podem talvez ajudá-lo a revelar um as:

1. Esqueça o passado. Concentre-se no futuro. Embora um projeto que está acima do orçamento certamente mereça uma avaliação crítica, a discussão deveria se concentrar nos retornos e na probabilidade de alcançá-los. Por outro lado, se aparecer outra oportunidade que ofereça melhor retorno sobre o investimento, a coisa economicamente inteligente a fazer e aproveitá-la, mesmo que isso signifique abandonar uma linha de atividade de sucesso.

Não existe lei que diga que precisamos terminar o que começamos. O mesmo princípio se aplica à decisões de carreira. A natureza humana tende a valorizar mais o que é difícil de obter do que o que é facilmente alcançado. Mesmo assim, não importa seu esforço em conseguir um emprego, participar de avaliação, múltiplas entrevistas e assim por diante. Isso é passado. Não pode influenciar os resultados do futuro. Portanto, se você receber outra oferta de emprego com perspectivas melhores, se todo o resto for igual, você deveria aceitá-la.

2. Não entre em pânico. Embora nenhum tomador de decisões deva ter medo de ouvir o pior, as más noticias podem ser tão maquiadas quanto às boas. Apesar do destino não invejável do mensageiro na historia, os funcionários de vez em quando aumentam as dificuldades para chamar a atenção. Antes de agir em relação as más notícias:

  • a – divida o problema em partes;
  • b – retire tudo que é supérfluo em cada uma das partes;
  • c – analise os problemas essenciais e defina o que eles significam realmente.

A análise pode revelar que os problemas são mais aparentes do que reais. Por exemplo, a divulgação de más noticias pode disfarçar um grito por ajuda dos funcionários que se sentem ameaçados de ser esmagados por exigências excessivas que Ihes são feitas. Uma pequena dose de suporte adicional pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso.

3. Esqueça o destino. Logicamente a pessoa pode supor que casais desesperados para ter um filho persistiriam com o tratamento de fertilidade indefinidamente, não importa o custo. Na verdade, as pesquisas mostram que o oposto e verdadeiro: muitos casais desistem do tratamento muito antes de esgotar a cobertura de seu convenio de saúde. O tratamento de fertilidade é um jogo de “tudo ou nada”; não existe um filho parcialmente concebido. Como nos jogos de pôquer, cada mão é matematicamente independente da anterior; os casais devem ignorar os fracassos anteriores porque estes não predizem as chances futuras.

Acreditar no contrário é ter sua vida e trabalho ditados pela sorte (ou pela falta dela) ou, pior ainda, pelos movimentos planetários ligados ao mapa astrológico do dia. Como o destino do empreendedor Bunker Hunt teria sido diferente se tivesse jogado a culpa de sua falta de sorte em Marte por estar em conjunção com Júpiter? Quando algo for importante, e quando cada tentativa de alcançá-lo for independente da tentativa anterior, o curso correto de ação é continuar tentando, mesmo se isso significar acumular insucesso após insucesso.

4. Continue a fazer o que você está fazendo, mas faça de maneira diferente. Então por que algumas vezes vivenciamos longos períodos de má sorte quando nada parece dar certo? Existe um paradoxo intrigante na filosofia taoísta que diz que apenas quando você tiver desistido de toda ambição de alcançar algo você estará no caminho certo para o portão dourado.

Nós interpretamos que isso significa que, quando algo é importante, você pode ter insucesso por tentar demais. Em vez de desistir, ou persistir em algo obsessivo, porem fútil, afaste-se um pouco e se pergunte por que isso se tornou uma obsessão. O distanciamento intelectual pode ajudá-lo a ver o que você esta fazendo de errado.

5. Trate o insucesso como um início. Considere a história do empreendedor cujo negócio virou de cabeça para baixo quando o banco inesperadamente exigiu o pagamento do empréstimo. O que ele fez? Ele se sentou em casa o dia todo, esparramado no sofá, tomando cerveja. Essa não é uma decisão lógica. O insucesso acontece. Novamente, o que importa é como reagimos a ele. O insucesso só pode nos destruir se nós o encararmos como algo terminal. É preciso aprender com ele e tentar de novo, talvez usando uma abordagem diferente.

6. Mantenha suas opções em aberto. É claro que normalmente é melhor evitar o insucesso. Incluir opções é uma maneira de colocar a probabilidade do seu lado em um mundo incerto.

Um exemplo brilhante é a escolha pela HP de slots de entrada para os cartões de memória usados em suas impressoras. Em vez de tentar adivinhar o mercado ao escolher “um vencedor” (e assim arriscar o insucesso total), a HP decidiu incorporar todos os quatro slots de cartão de memória em seus projetos de impressora.

Por um pequeno aumento no custo, a HP maximizou o atrativo das impressoras.

7. Nunca tome uma decisão sob pressão. É um erro tomar uma decisão em um estado emocional altamente carregado, seja positivo ou negativo. O estado de espírito é tão importante quanto à análise na tomada de decisões. A tranqüilidade é o segredo para a tomada de decisão eficiente. Essa necessidade não significa ficar recluso em um monastério cuidando do jardim. O truque é deixar o tempo fazer seu trabalho. O tempo permite que as emoções esfriem e, assim, ajuda a colocar as coisas em perspectiva.

O tempo pode sugerir idéias que rompam com o molde e que possam fornecer uma alternativa à camisa-de-força da escolha de continuar ou desistir. Por exemplo, talvez seja possível subdividir um projeto arriscado, simultaneamente simplificando-o em uma nova serie de opções.

8. Considere que você pode estar errado. Ao usar seu discernimento, considere que você pode estar errado em sua avaliação de uma situação ou de uma pessoa. Se suas percepções forem negativas, pergunte a si mesmo:

  • O que pode estar influenciando sua avaliação?
  • Seu ego tomou controle de sua lógica?
  • Você está se baseando em fatos que são realmente opiniões?
  • Você esteve “tocando músicas velhas” em sua cabeça, e assim se trancando em uma visão antiga que agora está ultrapassada?
  • E se os argumentos apresentados pelos outros, aqueles que conflitam com os meus, estiverem certos?

Levar em conta de vez em quando o que os outros têm a dizer e benéfico e abre seus olhos.

9. Leve em conta o custo de não fazer alguma coisa. Tecnicamente, os administradores da BP na África estavam certos em instruir o superintendente a suspender a operação, pois a chance de encontrar petróleo diminuía acentuadamente a cada poço seco encontrado. Mesmo assim, como mostram a história, as decisões baseadas em “análises sólidas” e “experiência comprovada” podem estar erradas. A lógica o levara ate certo ponto. Em suma, os indivíduos com propensão a baixo risco, isto é, pessoas que preferem sempre agir com segurança, podem não perceber que as oportunidades talvez surjam onde é imprudente não se arriscar.

10. Não hesite em uma praia aberta. Fundamentalmente, a indecisão pode ser mais prejudicial do que uma decisão. Existe uma linha tênue entre ir devagar preservando as opções e cair na indecisão. A indecisão é perigosa, pois significa que nenhuma ação é possível e representa um risco real.

As pesquisas mostraram que as pessoas que deparam com uma escolha entre dois males podem ficar paralisadas, um fenômeno conhecido como “rigidez a ameaça”. A hesitação é uma forma amena da rigidez a ameaça, que compromete alguns recursos, mas não o bastante para acabar o trabalho adequadamente.

Foi isso que tornou a Guerra do Vietnã muito mais custosa aos Estados Unidos do que se os tomadores de decisão tivessem tomado uma decisão. Não decidir também é decidir, isso não e apenas clichê; pode ser o início de um futuro melhor para sua empresa e sua equipe se você realmente começar a pensar de forma descompromissada em como esta “dourando” suas decisões.


Fonte: HSM, por © Business Strategy Review