A maioria dos grandes talentos perde seu brilho ao mudar de emprego. Por isso, o especialista Boris Groysberg aconselha a não concentrar a política de recrutamento na contratação de executivos de alto desempenho; é melhor desenvolver as habilidades das pessoas que trabalham na própria empresa.
“Em geral, o sucesso individual é produto de uma associação entre a pessoa e a organização em que trabalha”, diz Boris Groysberg, professor da Business Harvard School e especialista em desenvolvimento do talento. Há uma década, Groysberg e um grupo de colegas de Harvard se propuseram determinar quão “portátil” era o desempenho dos trabalhadores do conhecimento e até que ponto eles eram donos dos próprios meios de produção.
Dedicaram-se então a analisar a evolução das carreiras de mais de mil analistas financeiros considerados “estrelas” de Wall Street e chegaram a uma notável conclusão: quando esses talentos mudavam de empregador, sofriam um declínio imediato de desempenho.
Sua excelência não dependia tanto de inteligência, mas dos recursos, capacidades, redes e culturas das empresas em que trabalhavam. A equipe de acadêmicos investigou então diversos mercados, acompanhou de perto gerentes talentosos da GE e da Ford que depois se tornaram líderes de outras empresas, e analisou o desempenho de grandes jogadores de futebol americano quando mudaram de time.
Por mais que a conclusão fosse sempre a mesma –o desempenho das grandes estrelas se deteriora quando passam de uma empresa para outra–, a regra teve suas exceções: diferentemente dos homens, as executivas de excelente desempenho em empresas de renome continuavam tendo sucesso em outra companhia, e o mesmo acontecia com profissionais brilhantes que vinham de empresas que não eram líderes.
Nesta entrevista para a revista HSM Management, Groysberg explica por que nem todas as estrelas são iguais:
Como é possível saber se o desempenho de uma “estrela” depende da organização para a qual trabalha ou é um atributo “portátil”?
Em algumas profissões, ele é mais “portátil” do que em outras. Quanto mais a função ou o desempenho dependem da interação com outras pessoas e do uso das capacidades organizacionais, menos provável é que o desempenho seja igualmente bom em outra empresa.
Transmitir o conhecimento institucional é muito difícil. Um exemplo é o dos gerentes de operações. O que os torna bem-sucedidos é sua profunda compreensão de como a companhia funciona.
O tipo de organização também faz a diferença. Se estimula o trabalho em equipe, a criação de redes e tem estruturas, sistemas e capacidades únicas, o desempenho das pessoas será menos “portátil”. Há grande quantidade de empresas assim, como McKinsey, Goldman Sachs, GE, Siemens.
É possível dizer que uma organização de sucesso produz estrelas com mais facilidade?
Sim. Acredito que as organizações que têm o que se conhece como “cultura ambiental” (visão e valores compartilhados, orientação para o trabalho em equipe, programas para o desenvolvimento das pessoas) geram mais estrelas do que empresas com outros tipos de culturas. Além de criar estrelas, conseguem retê-las, sobretudo porque se esforçam para melhorar as habilidades de seus colaboradores.
Há duas filosofias corporativas quanto à geração de estrelas. De um lado, estão as empresas que creem que o talento é inato: ou se tem, ou não. De outro, as que se preocupam em nutrir o talento, as que consideram que uma estrela pode ser desenvolvida. São dois modelos básicos e determinam como uma empresa se organiza, o que pensa sobre contratação, retenção, motivação, remuneração e recompensas. As empresas que desenvolvem o talento investem mais nas pessoas e criam mais estrelas do que as que pensam que talento é inato.
Existe alguma tática para descobrir os grandes talentos ocultos em uma organização?
Muitas empresas só procuram estrelas fora de suas fronteiras; pensam que a grama do vizinho é sempre mais verde e não prestam atenção aos indivíduos talentosos que há nelas. Parece-me que o importante é entender que grande parte das estrelas existentes no mercado não se dará tão bem quando entrar em uma nova empresa e por uma razão muito simples: seu valor ficará na que deixaram.
Todas as organizações deveriam considerar os talentos de casa; eles podem ser suficientes. Há formas diferentes de identificá-los, mas as mais populares são os softwares para detectar funcionários de alto potencial. Muitas dessas iniciativas são usadas para identificar as estrelas ocultas e dar a elas oportunidades de crescimento, prepará-las para assumir postos-chave.
Como se define um funcionário estrela?
Para nós, estrelas são pessoas com determinado nível de desempenho. Porém a definição varia de empresa para empresa. Em algumas, o desempenho pode incluir mais componentes culturais do que financeiros; em outras, tudo pode se reduzir ao desempenho financeiro. Há diferenças conceituais profundas entre as companhias baseadas na cultura corporativa e as fundamentadas na estratégia.
Qual é a melhor maneira de motivar as estrelas?
Em muitas empresas, pensar em motivação remete a remuneração. Por mais que seja importante, a remuneração não é o único incentivo ao qual se pode recorrer para motivar pessoas. Na verdade, em muitos casos é um fator que pode gerar problemas. Creio que as estrelas querem ter autonomia, flexibilidade, controle sobre seu trabalho e estar em organizações que medem o desempenho de maneira objetiva; esperam que os gerentes lhes deem feedback específico, concreto, que sirva para melhorar; querem trabalhar em uma empresa justa; exigem atividades com significado. Sem dúvida, existem outros fatores de motivação além de dinheiro, como aprender e adquirir novas habilidades.
Em que casos uma empresa deveria contratar estrelas?
É uma boa pergunta. Acho que tudo se resume a uma questão de equilíbrio; os extremos não funcionam. Se uma empresa só contratar estrelas no mercado, destruirá sua cultura. Se só promover as próprias pessoas e nunca contratar talento externo, transformará sua cultura em uma seita e, caso o setor mude, ficará muito difícil se atualizar.
Qual é a relação correta?
Em nossa opinião, é preciso haver uma política mista, mas o enfoque dominante deveria ser desenvolver as pessoas que já trabalham na companhia. É o mais sustentável. Depois é preciso analisar se a equação justa para a empresa é 70% de desenvolvimento interno e 30% de contratação externa, 80/20 ou 90/10. Isso varia de acordo com a companhia e o setor e depende da oferta e da demanda de talento no segmento em que opera. Mas há um ponto crítico prévio: antes de traçar seu plano de recrutamento, a empresa deve conhecer a si mesma. Quero dizer com isso que ela deve saber qual é sua cultura e sua estratégia de negócio.
Em que medida a cultura influi na política de contratar estrelas ou não?
Se em uma organização todos falam no plural, é porque a cultura dominante promove o trabalho em equipe. Então, essa empresa não deveria contratar pessoas que tenham dificuldades para dizer “nós”. Mas há mais elementos de análise. Consideremos, por exemplo, as empresas familiares. Muitas das maiores continuam sendo lideradas por seus fundadores ou descendentes. Têm uma cultura única, definida pelas personalidades dos membros do clã familiar. Portanto, se precisam contratar pessoas, deveriam saber que tipo de indivíduo é capaz de assimilar essa cultura e prosperar na empresa. Muitos dizem “precisamos de gerentes profissionais” e contratam os melhores, com frequência vindos de multinacionais. Mas eles fracassam. Não por falta de talento, mas porque não conseguiram se integrar à cultura familiar, na qual as decisões são tomadas de maneira muito particular.
Ao mesmo tempo, identificamos uma série de circunstâncias nas quais contratar talento externo melhora as probabilidades de êxito da empresa. Em geral, quando se descobre uma estrela em uma companhia que não se destaca em nada, que não tem um bom produto, que não tem muitos recursos, mas que se sai bem, o mais provável é que seu sucesso se deva a essa estrela. O erro cometido pelas organizações é querer roubar talentos da GE, da Procter & Gamble, da American Express, da Siemens.
Teriam de perguntar se os gerentes que querem contratar não devem seu alto desempenho às capacidades das empresas em que trabalham, porque isso é o que costuma acontecer –com exceções, naturalmente. Por exemplo, o talento feminino é mais “portátil” que o masculino.
Definitivamente, eu aconselharia àqueles que estão procurando estrelas fora da empresa a se fixar nas organizações que não são grandes marcas, mas têm pessoas geniais, ou no segmento de profissionais que, historicamente, tenham se visto obrigados a lutar para derrubar barreiras institucionais. Vão encontrar aí mais estrelas do que em qualquer outro lugar e que também terão sucesso em seus novos empregos.
A contratação de estrelas pode desestimular os funcionários da casa?
Se dá importância ao mérito, a organização deve fazer uma distinção entre os melhores funcionários, os de desempenho médio e os piores. E precisa garantir a retenção dos melhores e recompensá-los.
Agora, isso é muito diferente de dar às estrelas uma quantidade desproporcional de recursos e permitir que façam o que quiserem. Acredito que é preciso pagar mais às estrelas porque têm melhor desempenho, mas todos os funcionários devem ser tratados de maneira justa. Do contrário, a empresa estabelecerá um sistema que só vai recompensar o desempenho excepcional.
Tal destaque não pode desmotivar o restante das pessoas?
Se todos souberem que X é uma estrela e a empresa tiver processos transparentes e justos, a distinção entre os melhores funcionários, os medianos e os piores será respeitada, porque se baseará no mérito.
Muito do que se fala sobre os integrantes da geração Y é que são mais independentes do que seus antecessores. Há alguma diferença entre as estrelas jovens e as de mais idade? Será que é mais difícil reter os talentos jovens?
Apesar de não haver muitos dados sobre a geração mais jovem, supõe-se que troquem de emprego com mais frequência do que as anteriores. As pessoas estão cada vez menos leais às organizações.
Por quê?
É muito simples: as empresas falharam com seus funcionários em momentos difíceis. Hoje, as relações de trabalho são muito mais transacionais, e as pessoas se preocupam com sua carreira. Os funcionários querem desenvolver habilidades que os tornem “portáteis”, ou seja, não vão se interessar em aprender aquilo que só seja aplicável à empresa para a qual trabalham.
Hoje, o grande desafio dos líderes é motivar, obter comprometimento, incentivar e desenvolver uma força de trabalho que não tem intenção de ficar muito tempo na empresa.
Quais são os principais obstáculos para uma boa gestão do talento?
Há dois que realmente me incomodam. O primeiro é que em muitas empresas os sistemas de gestão de pessoas não estão alinhados com a estratégia geral do negócio. Às vezes parece que foram criados por pessoas que não têm a menor ideia do rumo da empresa. Portanto, a gestão do talento tem muito pouco impacto no desempenho organizacional. O mesmo acontece com a falta de coesão entre os elementos que formam uma boa gestão do talento: o recrutamento, a contratação, o desenvolvimento, a motivação e a remuneração dos funcionários. Se a política de recrutamento de uma empresa é trazer pessoas dispostas a trabalhar em equipe, mas as avaliações se baseiam no desempenho individual, alguma coisa vai mal.
O segundo grande obstáculo para uma boa gestão do talento é a equipe dirigente se eximir dessa responsabilidade. Nesse sentido, por que a GE se destacou? Porque Jack Welch e outros líderes da empresa se ocupavam pessoalmente das pessoas.
O talento feminino é mais “portátil”
Segundo Boris Groysberg, as estrelas femininas se dão muito melhor do que os homens quando mudam de empresa. A queda de desempenho identificada em seu estudo só se aplica realmente ao talento masculino.
Por que isso acontece? Como a maioria das empresas é dominada por homens, quando uma mulher se torna a estrela máxima de uma companhia, ela deve ser qualificada de “sobrevivente”, mais do que “estrela”.
Além disso, quando as mulheres decidem mudar de emprego, são muito mais seletivas e estratégicas em sua escolha. Um homem vai embora simplesmente por um salário mais alto; as executivas, por sua vez, vão procurar empresas que tenham mulheres em cargos altos ou que usem medições objetivas de desempenho.
Saiba mais sobre o entrevistado Boris Groysberg
Professor de gestão do capital humano na unidade de comportamento organizacional da Harvard Business School, Boris Groysberg concentra suas pesquisas em como as empresas desenvolvem, motivam e retêm os melhores colaboradores para ganhar vantagem competitiva.
O livro Chasing stars: the myth of talent and the portability of performance (ed. Princeton University Press) reflete seus estudos sobre os executivos “estrela” e o mito de que as pessoas talentosas são bem-sucedidas em qualquer organização.
Fonte: Revista HSM Management, por Viviana Alonso