Você pode achar que nunca ouviu falar de Li Ning. Mas, supondo que você era uma dos 4 bilhões de pessoas que assistiram à cerimônia de abertura da Olimpíada de Pequim, em 2008, você o viu. Lembra-se do atleta que acendeu a pira olímpica? Aquele que, como com poderes supra-humanos, subiu mais do que 30 metros e deu aquela fascinante volta aérea no estádio Ninho do Pássaro antes de fazer a caldeira olímpica arder? Aquele era Li Ning.
E, se ele conseguir o que almeja, você não voltará a esquecê-lo. Li Ning, o homem, é um herói na China –o ginasta que conquistou seis medalhas, incluindo três de ouro, na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, e, assim, ajudou a lançar uma onda nacional que alcançou seu pico nos jogos de Pequim, quando a China ganhou mais medalhas de ouro do que qualquer outro país.
Antes do début olímpico de Li, a China não aparecia nos jogos olímpicos de verão desde 1952, quando fracassou, não levando para casa nenhuma medalha. A Li Ning, a empresa, é a maior fabricante nacional de roupas e calçados esportivos da China. Em 2009, esperava faturar US$ 1 bilhão com as mais de 6,3 mil lojas espalhadas pelo país.
Nos próximos quatro anos, planeja acrescentar outras 3 mil. Para completar, a empresa está passando por uma grande reformulação que, com a ajuda da firma de consultoria norte-americana Ziba Design, pode prepará-la para seu objetivo maior: tornar-se um nome internacional. “Queremos que a Li Ning seja uma marca reconhecida mundialmente”, anuncia Li, que fundou a empresa em 1990, porque queria que atletas chineses pudessem usar uma marca chinesa. “Esse é nosso ativo real, e elevá-lo é nosso compromisso de longo prazo.”
É aí que entra a Ziba. Com base em Portland, no estado de Ohio, terra espiritual dos tênis, a Ziba é uma empresa de 110 pessoas por trás de inovações como o primeiro monitor de tela plana da HP e o teclado ergonômico da Microsoft. Nos últimos dois anos, tem trabalhado duro ajudando a Li Ning a se reformular.
Tudo, da linha de produtos ao interior das lojas, até sua identidade visual e mesmo sua logomarca, está em reforma. Mas a Ziba também ajuda a Li Ning a pensar-se como empresa mundial, o que não é pouca coisa para uma operação que esteve quase exclusivamente focada no mercado doméstico. “Definir o problema é mais importante do que solucioná-lo”, diz o fundador da Ziba, Sohrab Vossoghi.
Para Li Ning: “O problema, e o objetivo, era criar uma competência de design de classe mundial”. Na China, o problema não é apenas de Li Ning, e a última crise financeira mundial apenas sublinhou a urgência de tratá-lo. Para tornar-se superpotência, a China sabe que sua economia baseada na manufatura precisa de aprimoramento.
Por um lado, o país tem de continuar a alimentar o consumo doméstico, que reduzirá as exportações; por outro, precisa fazer crescer suas marcas domésticas, que podem concorrer mundialmente. Até agora, o esforço rumo ao mercado global já alcançou alguns resultados.
A gigante chinesa Lenovo, por exemplo, lutou para manter seu impulso desde sua compra da divisão de microcomputadores da IBM em 2005. E lembra-se da TCL? Ela comprou a RCA em 2003, mas não voltou aos dias de glória de antigamente.
É verdade que os líderes corporativos da China estão começando a entender o valor do design para ampliar seu alcance, mas as palavras “Eletrodomésticos Haier” ainda não fizeram os norte-americanos desfalecer. A Li Ning desejava evitar os erros de outros ao não expandir- se para o exterior rápido demais.
Mais importante do que isso, antes que se tornasse uma competidora internacional, tinha de proteger o próprio quintal: em 2002, apesar do crescimento de dois dígitos da Li Ning, tanto a Nike como a Adidas superaram a empresa em participação no mercado chinês. E continuam superando. “Quando isso aconteceu, percebemos que receita não é a coisa mais importante para uma empresa. São produto e inovação de marca –uma estratégia de design, não apenas designs”, diz Zhang Zhiyong, o jovial presidente de 41 anos da Li Ning.
Como conta o diretor de criação da Ziba, Jeremy Kaye, “a Li Ning tinha sido a marca líder da China por 16 anos, mas concorria fundamentalmente consigo mesma”. Entretanto, com concorrentes estrangeiros ferozes canibalizando seu prestígio e as marcas menores minando-a nos preços, a Li Ning “não poderia continuar apenas colocando produtos nas prateleiras”.
Ocupando mais de 100 mil metros quadrados na periferia de Pequim, as instalações da Li Ning são uma manifestação da nova consciência da empresa. Concluídos em 2007, seus edifícios baixos e elegantes são contornados por caminhos de granito vermelho, evocando pistas de corrida, e bancos hexagonais de concreto, que poderiam ter sido descascados de uma bola de futebol gigante.
No imponente centro de visitantes, grupos escolares tiram fotografias de imagens em tamanho natural da equipe de ginastas olímpicos chineses e os Houston Rockets vão à frente de Chuck Hayes.
Há quadras de basquete e de badminton. Uma piscina de oito raias. Um campo de futebol. Uma parede de escalada. A mensagem é clara: essa empresa vive e respira esportes. Mas isso também parece e soa um tanto familiar. “Existe a percepção de que o que a Nike faz a Li Ning copia”, diz Charley Kan, diretor de criação da MEC China, firma de consultoria de comunicações líder no país, ecoando muitas outras vozes.
De fato, quando Abel Wu chegou à Li Ning como seu vice-presidente de marketing, em 2004, encontrou uma marca afligida por uma identidade confusa. Ainda pior, “a maioria dos clientes era de meia-idade; não aparentava estar na moda, nem os produtos”, diz Wu, que agora supervisiona a divisão Lotto (a empresa tem os direitos chineses sobre essa marca italiana e sua correspondente francesa, a Aigle). “Era como uma típica marca chinesa.” Falando assim, ele não está elogiando.
Sob a gestão de Wu, táticas como a de patrocinar atletas (a seleção espanhola de basquete e o jogador Shaquille O’Neal) ajudaram a Li Ning a conquistar um público mais jovem ao lapidar seu prestígio. Porém, do ponto de vista do design, a empresa ainda estava fracassando. Suas lojas pareciam cansadas. Sua logomarca era entediante e também uma lembrança infeliz do logo da Nike.
Seus produtos eram uma mistura de motivos e estilos –a mentalidade era “ponha de tudo em um calçado”, segundo recorda Kaye, e os produtos estavam sendo criados sem que se pensasse muito sobre a coerência geral. A Li Ning precisava de uma estratégia melhor.
Santo Graal da autenticidade
A busca chinesa pela autenticidade começou com a contratação de uma empresa norte-americana de design que já havia trabalhado com a Nike. A Li Ning, contudo, tinha uma arma não muito secreta que nem a Nike nem a Adidas poderiam obter: o próprio Li. “Eles têm uma herança que os faz únicos, diferenciados no setor”, diz Lili Yeo, diretor de contas da Ziba. Eles também têm um mercado pronto. “Apesar de terem muitas escolhas, no fundo de seu coração, os consumidores chineses estão procurando uma marca chinesa da qual possam orgulhar-se”, diz Li.
Sendo um ícone nacional de credibilidade (por insistência sua, a empresa pouco explorou seu momento com a pira olímpica), Li e seu DNA podem realmente fazer ressonância entre os chineses, especialmente com a jovem geração balinghou, que tem especificidades não atendidas por marcas como Nike.
Ao mesmo tempo, a Ziba vem lançando templates de loja Li Ning, que estão sendo testados nas mais de 6 mil unidades. “De algum modo, isso é o santo graal; significa acertar o varejo”, afirma Kaye.
O novo visual incluirá luzes em formato de anéis que remetem às raízes da empresa na ginástica e paredes revestidas com quadros-negros, onde os atendentes poderão, por exemplo, listar os itens mais cotados.
Chão de cimento e borrifos em vermelho trarão os traços fortes de um visual chinês mais contemporâneo. O objetivo, claro, é aprofundar a ligação da Li Ning com seus consumidores. Para deixar isso evidente, grafismos dinâmicos evocarão o ideal “um herói em cada um de nós”.
Contra a cultura da imitação
A reformulação da Li Ning, entretanto, vai além de mudar os tênis e as lojas para o mercado chinês –objetiva tirar a empresa da cultura reinante na China, que é a da imitação, e levá-la à cultura das ideias e produtos autenticamente criativos. Se a Ziba e a Li Ning conseguirem traduzir essa mensagem em uma linguagem que possa ser compreendida do outro lado do Pacífico, a nova empresa poderá tornar- -se a força global que deseja ser. Para provar que é para valer, a Li Ning está instituindo plataformas de tecnologia da informação em múltiplos idiomas e fazendo poucos movimentos, significativos e cautelosos, fora da China.
Enquanto ainda precisa revelar seus planos para os Estados Unidos, a empresa abriu, em 2007, um estúdio de design em Portland (com 30 pessoas), no mesmo quarteirão onde está a Ziba. As primeiras coisas que você vê no estúdio são as bandeiras chinesa e norte-americana hasteadas, lado a lado.
Evidentemente, os desafios adiante continuam, e eles se tornam mais profundos do que os usuais desafios de implantação, logística e banalidades de cultura corporativa. Não está claro, por exemplo, se as diretrizes de design de produtos da Ziba serão suficientes para produzir os estouros de vendas que o setor exige; qualquer processo será tão bom quanto a habilidade dos designers da Li Ning de interpretá-lo, e os resultados não chegaram às prateleiras em 2009. Além disso, ao se preparar para uma atuação internacional, a Li Ning está, de muitas maneiras, apostando na ideia de que uma marca registrada chinesa possa um dia ter a capacidade de capturar os corações e mentes dos consumidores mundo afora.
Porém, como todos sabem, uma marca chinesa raramente recebe o benefício da dúvida nos dias de hoje. Mesmo os chineses –ou muitos deles– acham que o slogan da Li Ning, “Tudo é possível”, é um plágio do “Nada é impossível”, da Adidas, quando, na verdade, o slogan da Li Ning surgiu dois anos antes do da Adidas. Por fim, não esqueçamos que “made in Japan” chegou a significar “cópia barata”. E não subestime a determinação da Li Ning de se internacionalizar.
De certo modo, ela não tem escolha. “Os consumidores da Li Ning esperam que nos tornemos uma marca internacional”, diz Zhang, o presidente. Em outras palavras, se quiser permanecer competitiva em casa, é melhor que a empresa se torne global. “Temos uma visão”, revela Zhang. “Queremos ser uma das cinco maiores marcas esportivas do mundo na próxima década.” Eles podem consegui-lo.
Para a geração balinghou
A expressão “geração balinghou” (literalmente, “pós-anos 1980”) remete ao grupo de jovens chineses atentos aos movimentos de fora e nascidos nos anos pós-reforma econômica da China. Cobiçada por todo executivo de marketing, a geração balinghou tornou-se adulta durante a ascensão da China e está cada vez mais segura de si e de seu país.
A Ziba sabia que somente tremular uma bandeira chinesa não seria suficiente. Para atingir os balinghou, conduziu um estudo exaustivo de um ano, incluindo entrevistas em oito cidades, para produzir uma estratégia de design que captaria sua atenção. A empresa encontrou uma sutil, mas profunda, diferença na maneira com que esses chineses e sua contraparte ocidental veem o papel dos esportes em sua vida.
“Os chineses não se rotulam pelos esportes que praticam, como fazem os norte-americanos; você raramente escuta as pessoas dizer ‘Sou jogador de boliche’ ou ‘Sou jogador de futebol’”, diz Kaye, acrescentando que a Li Ning estava trabalhando sob o paradigma oposto, isto é, o modelo Nike. A realidade é que os chineses veem os esportes como movimento, e movimento é parte de sua vida diária. “É o jovem que pedala para chegar à escola, joga com os colegas, faz sua lição de casa e assiste a um filme com sua namorada”, diz Kaye. “Tudo com a mesma roupa.”
Simultaneamente, a Ziba viu uma ênfase na “adequação”, um desejo entre os jovens chineses de encontrar o que é certo para eles baseado em quem são neste momento versus quem aspiram a ser ou podem vir a ser. Sob a rubrica “esportes para a moderna vida chinesa”, essas e outras conclusões estão ajudando a Ziba a reformular a linha de produtos Li Ning de modo fundamental.
Para iniciantes, o que era uma abordagem quebra-galho será substituído por uma linguagem de design com diversas traduções. Uma dessas abordagens terá como alvo os superaficionados por esportes (por exemplo, com solado para melhor desempenho) e outra, a multidão voltada para o estilo (visual de skatistas e afins). A terceira vai alcançar o maior grupo, para quem os esportes são, simplesmente, parte integrante da rotina –aqueles jovens que jogam depois da aula. Pense nos tênis como equivalentes a jeans e camisetas com bolsos.
Fontes: Revista HSM Management, por Aric Chen.