Nessa entrevista, o especialista em marcas David Aaker afirma que a marca é o bem intangível de toda empresa e o que determina desde o preço das ações até a fidelidade do cliente. O consumidor reage ao valor da marca, que pode ser instrissicamente ligado à imagem do CEO ou da empresa, como por exemplo a Apple e Steve Jobs.
A maior parte das empresas, em especial as companhias de alta tecnologia, encara suas marcas como um conjunto de atributos e benefícios funcionais que são, basicamente, os do produto que leva esse nome comercial. Essa visão apresenta uma fragilidade: os competidores podem copiar esses benefícios de forma quase instantânea.
Muito mais fortes para competir e mais difíceis de imitar, são fatores intangíveis como a imagem e o prestígio da marca, a cultura que transmite e a relação que estabelece com seus clientes. Isso é o que afirma nesta entrevista David Aaker, um dos mais reconhecidos especialistas em estratégias de marketing e criação de valor de marca.
Aaker explica, por exemplo, que é melhor uma empresa não ter duas marcas totalmente separadas. Ela pode trabalhar com uma marca principal e submarcas ou marcas endossadas.
O que é exatamente o valor da marca?
É a medida da força da marca. Está relacionado com o valor de mercado, com quanto as pessoas pagam por seus ativos. Assim, o valor de uma marca é o valor de seus ativos.
No entanto, antes disso, vem o valor na mente dos consumidores –valor este que leva a uma recompensa para a marca, traduzida em lucros, vendas e dividendos na Bolsa.
Como se determina o valor financeiro da marca?
Estabelecemos que o valor da marca tem o mesmo impacto sobre os dividendos para os acionistas que os lucros. Dessa forma, quando o lucro por ação sobe, o retorno para os acionistas também é maior; e quando o valor da marca sobe, o mesmo ocorre com os dividendos.
Quais são os componentes mais importantes do valor da marca?
Os elementos vinculados a um nome e um símbolo de marca, que são importantes para um produto ou serviço, podem ser agrupados em quatro dimensões.
Creio que a primeira é a do reconhecimento ou da visibilidade. Sem reconhecimento, não há marca. Mas esse componente tem, além disso, outras implicações. Quando ouvem falar de uma marca, as pessoas entendem que se trata de algo confiável, aceito e que possui algum tipo de liderança.
A segunda dimensão é a da qualidade percebida, um tipo de associação muito especial que se estabelece com a marca e que influi sobre outras associações em diversos contextos e afeta particularmente a lucratividade; assim, é medida como retorno sobre o investimento ou como dividendos para o acionista.
A terceira é a das associações de marca, ou seja, tudo o que o cliente vincula à marca: imagens, atributos do produto, situações, associações organizacionais, personalidade de marca e símbolos.
O quarto e último componente é a fidelidade do cliente. Ela constitui o cerne do valor para qualquer marca. Atualmente o valor da marca se sustenta no cliente, e se vincula, fundamentalmente, ao tamanho da base dos clientes fiéis.
Em todos os mercados há pessoas que compram uma marca pelo preço, pessoas que compram porque crêem que é o melhor produto e um terceiro grupo que o faz porque criou uma relação com a marca.
Em seu livro Criando e Administrando Marcas de Sucesso, o sr. assinala que as empresas não só deveriam ver em suas marcas um produto ou serviço, mas também uma organização, uma pessoa e um símbolo. O sr. poderia explicar melhor esse conceito?
A maior parte das empresas encara suas marcas como um conjunto de atributos. Sua visão está concentrada nos atributos de seus produtos e nos benefícios funcionais que proporcionam.
No entanto, o que realmente vale na hora de competir são os aspectos intangíveis: a reputação da marca quanto a qualidade, liderança, inovação e seu prestígio como marca global.
Tais características distinguem uma organização e constroem poderosas bases para estabelecer uma relação com os consumidores ou diferenciar-se. Alguns produtos são fáceis de copiar, mas é difícil competir com os aspectos intangíveis de uma marca e imitar os valores, as pessoas e os programas de uma organização.
Além disso, a marca deveria desenvolver uma personalidade. Essa personalidade pode torná-la mais memorável ou interessante e até convertê-la em um veículo que expresse a identidade de quem a consome. É sempre positivo quando uma marca desenvolve uma personalidade definida.
Se alguém pensa nas pessoas que conhece, a menos atraente é a que carece de personalidade. Por isso, as empresas querem ter marcas com personalidade, com alguma energia e vitalidade, que é uma dimensão da personalidade. Há muitas marcas que estão como mortas, não são interessantes nem dão motivo para que as pessoas prestem atenção nelas. Uma marca pode ser confiável, elegante, sofisticada, rude, poderosa… existem milhares de variedades de personalidade.
Também é fundamental o símbolo. Um símbolo forte pode trazer coesão e estrutura à identidade da marca, fazê-la mais reconhecível e fácil de recordar, principalmente se for uma poderosa metáfora visual. Por exemplo: a Harley-Davidson é um símbolo muito importante nos Estados Unidos, assim como a Casa de Ronald McDonald ou o emblema da Mercedes-Benz contribuem para a força e riqueza dessas marcas.
Em que consiste, fundamentalmente, o desenvolvimento da marca?
O desenvolvimento de uma marca forte compreende quatro tarefas essenciais.
A primeira é definir a identidade da marca, o que a marca vai representar ou simbolizar.
A segunda é a arquitetura, que é um tipo de família da marca, que cria sinergia e poder.
Depois é preciso criar a organização que ficará encarregada de conduzir a marca por meio de seus produtos e estabelecê-la nos diferentes países e mercados. Essa organização deve contar com certa estrutura, um processo e um modelo de planejamento.
E a quarta tarefa fundamental para a construção de uma marca líder é o programa de comunicação, que deve ir muito além da publicidade. Inclui o trabalho de vincular a marca a seus clientes, entender seus estilos de vida, problemas e atitudes e tratar de relacionar tudo isso com a marca.
O sr. poderia comentar com mais detalhes a criação da identidade da marca?
A identidade da marca é a imagem que se quer que essa marca tenha. Portanto, é o que se pretende que surja na mente dos clientes quando se mencionar a marca. Decide-se como se quer que seja essa percepção e desenvolvem-se produtos, serviços e um programa de comunicação para sustentar tal identidade. A quem cabe tal responsabilidade? O encarregado de executar isso é o responsável pelo desenvolvimento do negócio. A identidade da marca está ligada aos valores, à cultura de uma organização e a sua estratégia empresarial.
Se estivermos tratando de uma marca corporativa, esse processo deverá envolver o presidente executivo da organização. Se se tratar de uma marca de produto, terá de ficar a cargo do gerente da área de negócios responsável por esse produto. A identidade da marca corporativa guarda uma relação íntima com a imagem pública da organização, enquanto a outra está diretamente ligada a um produto específico e, nesse caso, as associações com a organização são menos importantes.
No entanto, costuma-se prestar muita atenção na relação entre a marca corporativa e a dos produtos. As decisões ao redor disso fazem parte da arquitetura da marca. Em alguns casos a marca corporativa e a dos produtos é a mesma, como ocorre com General Electric ou com os hotéis Marriott. Mas, mesmo quando são diferentes –como General Motors e seu produto Chevrolet–, é preciso estudar bem o tipo de relação que se estabelecerá entre elas.
Em que circunstâncias convém administrar uma única marca e quando é preferível contar com várias?
Em geral, não se deve ter duas marcas totalmente separadas; é preferível que se apóiem entre si de algum modo. É por isso que se criam “submarcas” e “marcas endossadas”, a partir da marca principal. A marca principal funciona como “guarda-chuva” e promove transferência de valor para um grupo de submarcas e marcas endossadas –as quais se beneficiam disso, mas às vezes também sustentam a marca-mãe.
Uma empresa precisa, por um lado, da sinergia de uma marca respaldada por fortes investimentos em comunicação que lhe assegurem tantas presença e visibilidade quanto possível. Isso inclina a balança para uma marca única para a organização e seus produtos.
Mas também é preciso levar em conta a necessidade de ter marcas poderosas em diferentes mercados. E em alguns mercados talvez a marca principal não funcione, por falta de personalidade ou de energia. Isso acontece, por exemplo, com as companhias petrolíferas no caso das marcas das lojas de conveniência, os minimercados de seus postos de serviços. Provavelmente não convirá chamá-las de “lojas de conveniência Shell”, porque as pessoas associarão os alimentos que vendem aos combustíveis.
Portanto, é preciso separar a oferta sem perder o poder do nome Shell.
As submarcas e as marcas endossadas são um bom caminho para reter o poder da marca-mãe e, por sua vez, oferecer à proposta uma relativa independência, permitindolhe desenvolver associações e personalidade próprias. Se não se podem criar submarcas e marcas endossadas, as opções que restam são: construir uma nova marca a partir do zero, o que nem sempre é viável, ou então utilizar no novo mercado a marca principal, que pode não se mostrar adequada.
Qual a diferença entre submarcas e marcas endossadas?
A diferença se dá em função de seu vínculo com a marca principal. Há um fator endossante quando se compra um Mazda e se diz: “este automóvel é da Ford”. Um caso de submarca ocorre quando se compra um Toyota Camry.
O segredo, na verdade, está na forma pela qual o cliente define sua decisão de compra. Se disser “comprei um Camry”, trata-se de uma marca endossada, porque todos sabem que a Toyota os fabrica; mas, se disser “comprei um Toyota” ou “comprei um Toyota Camry”, trata-se de uma submarca.
Tudo está relacionado com a extensão da conexão entre a marca principal e a segunda marca, assim como com o poder relativo da marca principal em relação ao poder relativo da segunda marca no que se refere a mercado.
A relação entre marca e produto é mesmo distinta no mercado varejista de consumo em massa e no âmbito, também de massa, dos serviços públicos?
As marcas de produtos de massa, em geral, são mais ligadas aos atributos e benefícios que o respectivo produto oferece. Quando se trata de serviços, sejam públicos ou não, há pessoas envolvidas e, portanto, é muito importante que a marca reflita os valores e a cultura da organização que está por trás. Nesse sentido, as marcas de serviços envolvem mais os aspectos intangíveis de uma organização do que as marcas de produto. Em ambos os casos, estão contempladas as duas dimensões da marca, mas existe essa diferença.
O que ocorre com os produtos não diferenciados? É possível construir marcas para commodities?
Não existem produtos que sejam realmente commodities. Sempre há algum tipo de relação com o consumidor: confiança, um sistema de distribuição, uma maneira de processar os pedidos. E algumas pessoas que estão no negócio indiferenciado também desenvolvem serviços. Se alguém vende farinha, por exemplo, pode ensinar às padarias a aproveitar melhor essa matéria-prima.
O desafio, na verdade, está em não criar uma commodity; ter algum valor agregado e que a marca signifique algo para os clientes.
Até que ponto é importante para as marcas que os clientes estejam bem informados, inclusive de coisas como a evolução da cotação de suas ações?
Nas relações pessoais, é normal nos sentirmos afetivamente mais próximos de quem conhecemos melhor. Se uma pessoa sabe muito sobre uma marca, é mais provável que estabeleça uma forte relação com ela. No geral, espera-se que os consumidores tenham muita informação sobre a marca, sua filosofia e seu patrimônio.
Há diferenças fundamentais entre as marcas virtuais e as tradicionais?
Existem algumas diferenças importantes. As marcas da Internet fornecem uma experiência interativa, envolvente; é muito importante entender a natureza dessa experiência e administrá-la. Além do mais, as marcas enfrentam na Internet um grande desafio, pela dificuldade que existe para criar uma personalidade em um site, onde é limitada a possibilidade de “ver e tocar”. Para essas marcas, a alternativa é formar a personalidade fora da Internet, no mundo real, ou apelar para algum tipo de símbolo ou outro elemento.
Qual sua opinião sobre o papel da publicidade e de outras ferramentas de marketing no desenvolvimento de uma marca?
Primeiro é preciso desenvolver uma identidade e depois, em função de cada marca e cada situação, decidir qual é a melhor forma de comunicá- la. Nesse processo, em minha opinião, a publicidade não é o único veículo; as promoções, os patrocínios ou a gestão de relacionamento com o cliente (CRM) também têm um papel a cumprir.
É útil o desenvolvimento da marca nas economias combalidas, onde as empresas competem quase que exclusivamente em termos de preços?
As marcas não apenas criam valor, mas constituem a única alternativa para as companhias que competem em preço, e por isso ajudam a atuar também na recessão. Em tempos de vacas magras, quando é imprescindível proteger as margens e atuar eficientemente, ter marcas fortes é muito importante porque obriga a encontrar a forma de manter essa força e essa energia sem altos custos. É preciso ser muito criativo e ver o modo de fazê-lo sem publicidade, que em momentos como esses tende a pesar muito nos custos.
Fonte: Revista HSM Management