Antigamente, o consumidor podia ter seu comportamento analisado e definido, para que dessa forma as marcas pudessem se programar e planejar a venda baseada no comportamento de compra. Mas está ficando cada vez mais difícil e complexo entender a personalidade e os valores de consumidores cada vez mais diferentes em relação a uma mesma marca.
Esse é um trecho do livro Pró Logo, onde os aspectos psicológicos do consumidor são estudados mais detalhadamente na terceira parte do livro, “O papel do consumidor”.
Nesse livro, os autores Michel Chevalier e Gérald Mazzalovo fazem um contraponto ao livro No Logo, de Naomi Klein, ao destacar as virtudes do gerenciamento de marcas que buscam participar da construção de uma sociedade mais justa através do fortalecimento de valores sociais agregados à marca.
Comportamento dos consumidores
O que escolhemos? Como e por que o escolhemos? Esta é uma pergunta que paira no centro da teia das relações econômicas e sociais que o comércio tece entre os seres humanos. Isso poderia ser chamado “ o mistério do consumidor”. Nas abordagens sobre marketing em geral, e das marcas em particular, esse mistério assume muitas vezes a forma de um paradoxo. Se acreditarmos nos ativistas antimarcas, o consumidor é necessariamente manipulado por comunicadores muito espertos. No entanto, a própria existência do protesto, o sucesso do livro No Logo e o colapso de certas marcas importantes são prova de que a manipulação tem seus limites!
Aos olhos do executivo de marketing, os consumidores são criaturas voláteis e imprevisíveis cujas cabeças podem se virar com a brisa mais suave, como um cata-vento. Representam uma causa desconhecida que pode explicar o fracasso das estratégias mais elaboradas ou transformar um lampejo de genialidade, baseado em puro instinto, em um sucesso.
Contudo, pesquisadores, cientistas, consultores e especialistas em comunicação e marketing continuam a empregar cada vez mais recursos humanos e financeiros na tentativa de racionalizar as motivações dos consumidores. Esses esforços são válidos. Estão se defrontando com o problema da relevância da marca.
Qual a credibilidade de tais pesquisas? Até que ponto podemos prever o que vai “mexer com a cabeça do consumidor”? Propormos, neste artigo, esboçar uma versão da teoria do consumidor, bem como a utilidade, os limites e, algumas vezes, os perigos dessa teoria.
Formalizando os comportamentos de compra
Existem numerosos livros sobre comportamento do consumidor. Esse estudo tem se tornado quase uma disciplina autônoma, na fronteira entre psicologia, psicologia social, sociologia e marketing. O campo possui especialistas, revistas direcionadas ao tema e um grande número de centros de pesquisa.
A psicologia social estuda o indivíduo e suas relações com outras pessoas e com as coletividades em geral. Os americanos Festinger e Katz, por exemplo, propuseram-se a elucidar os mecanismos por meio dos quais as atitudes individuais são formadas e as opiniões transformadas sob a influência da pressão social ou da dos líderes de opinião que atuam como transmissores. O trabalho desses especialistas tenta descrever em quais sujeitos são mais suscetíveis a mudanças.
A teoria conhecida como behaviorismo propôs encarar o comportamento humano no âmbito da estrutura de um esquema deliberadamente reducionista (estímulo e resposta), a fim de construir modelos.
Esse trabalho conduziu à popularização do modelo hipotético da “caixa preta”, em que o estímulo é considerado como uma determinada informação disponível na “caixa”, esta informação passa por um processamento e produz, como resultado, uma reação.
Em virtude de somente a informação e o resultado serem observáveis, o problema consiste em identificar os pares operativos estímulos/resposta e tentar reconstruir, por meio de raciocínio, alguns dos mecanismos por meio dos quais as informações são processadas.
Essa abordagem tem encontrado aplicações em marketing durante cerca de cinquenta anos. Os consumidores podem ser vistos como sujeitos submetidos a um grande número de estímulos (propaganda, outras formas de comunicação do produto, ações de merchandising, níveis de preço diferentes).
No final do circuito, eles decidiram comprar um produto em vez de outro – ou talvez não comprar nada. A caixa preta contém, teoricamente, todas as relações entre cada um dos estímulos vistos separadamente e o comportamento observado que induzem.
Por exemplo, podemos supor que existe uma relação clara entre preço e comportamento de compra. Vamos imaginar dois produtos, P1 e P2. Um consumidor comprará P1 em vez de P2 se o preço de P1 for diminuído 10%. 20% ou 50% comparativamente ao preço ao preço de P2. Portanto, deve existir uma relação identificável entre duas variáveis de preço relativo e as possibilidade de compra dos respectivos produtos.
Se o produto P2 passa a aumentar seu orçamento de propaganda ou divulga uma propaganda mais eficaz, esses estímulos também afetaram o consumidor. Até que ponto desempenham um papel em comparação a outros elementos? A abordagem da caixa preta tem por finalidade descrever a totalidade dessas relações ou funções de impacto. Os pesquisadores têm procurado, aos poucos, definir um certo número de relações binárias.
No entanto, o behaviorismo não é uma ciência exata. Suas conclusões muitas vezes são descritivas: as pessoas compram um determinado carro dependendo de sua renda, seu estilo de vida, sua relações com amigos e a família e seu tipo de personalidade.
É muito mais difícil chegar a conclusões indutivas (se uma pessoa possui um tipo de personalidade e pertence a um determinado segmento socioeconômico, posso prever com pouca margem de erro o modelo e a cor do automóvel que a pessoa dirige).
É certo que as interações e relações ocultas dentro da caixa preta, como as características de um indivíduo e seu comportamento observado, são múltiplas e difíceis de descrever precisamente.
Os pesquisadores distinguem entre motivos racionais e emocionais para explicar os comportamentos. Quando se estudam as relações racionais (por exemplo, a relação entre nível de renda e compra de marcas de luxo ou populares – o que está longe de ser uma relação simples ou linear), utiliza-se a estatística ou a microeconomia.
De outro lado, para lidar com as razões emocionais de uma compra, a psicologia e a sociologia tendem a ser usadas. O campo geral de pesquisa do comportamento do consumidor vale-se, portanto de um conjunto de disciplinas variadas, da psicologia social á psicologia cognitiva e da sociologia á estatística.
O modelo da caixa preta ampliou o estudo das relações entre os estímulos iniciais e o comportamento, resultando em uma hierarquia de efeitos. Como passamos de uma situação de não-compra ao ato da compra? A pesquisa revela que existem diversos estágios nessa evolução, os quais veremos ao longo deste artigo:
- Conhecimento de um produto ou de uma marca;
- Atitude – positiva ou negativa – em relação á marca;
- Preferência por uma ou outra marca;
- Intenção de compra;
- O ato de compra em si.
O behaviorismo recusou durante um longo tempo tirar a tampa da caixa preta para tentar compreender a inter-relação complexa que leva da ativação (estímulo) à reação (resposta). Já avançamos nesse ponto.
Em vez de simplesmente observar a transição para o ato de compra com base em um determinado perfil de personalidade, os pesquisadores tentam mostrar como um ou vários consumidores se movem de um nível a outro na hierarquia dos efeitos – da intenção ao ato real de compra, por exemplo.
As relações relativas ao preço ou à presença ou ausência de uma marca nas prateleiras também são estudadas, do mesmo modo que a ocorrência de comportamentos espontâneos ou impulsivos.
Também é observado como, e em que grau, certas atitudes são transformadas em preferência. O campo de estudo está se tornando mais rigoroso e sistemático.
O escopo dessa pesquisa vai além do domínio de fenômeno de compra. È usado cada vez mais em política. Está se tornando frequente testar o tom e os termos de uma mensagem ou de um comunicado de imprensa, ou o impacto de um discurso.
Por exemplo, cem correligionários serão reunidos em uma sala e cem oponentes em outra para ouvir um discurso ou o esboço de um discurso. Eles serão solicitados a reagir, usando um dispositivo individual para se manifestar, para medir aceitação ou a rejeição que refletem.
Também podem ser indagados a respeito de suas intenções (como seria feito para as intenções de compra) usando um sistema projetivo. Em vez de perguntar se a pessoa planeja votar nos democratas ou nos republicanos, foi mostrado ser mais eficaz formular a pergunta nos seguintes termos: “Em sua opinião que tipo de pessoa vota em republicanos?” (ou “em democratas?”). Verifica-se então se o perfil descrito pela pessoa pesquisada está mais próximo – ou distante – de seu próprio perfil.
Nos parágrafos seguintes retornaremos a esse percurso ideal que conduz ao ato da compra. Iniciaremos com certas características do indivíduo – personalidade, valores, o fenômeno da percepção – e continuaremos com atitudes, preferências, comportamentos de compra e finalmente a influência do grupo nas decisões individuais. Conforme veremos , a “ caixa” está longe de ter revelado todos os seus segredos,e os versos de Arthur Rimbaud ainda são válidos.
Personalidade e Valores
Conforme mencionados acima, prever a compra com base na personalidade de um consumidor é um exercício muito arriscado. Essa dimensão, que leva em conta as especificidades dos indivíduos – seus modos de sentir, pensar, agir e reagir em situações concretas – pode parecer capaz de explicar muitos comportamentos.
Poderia-se supor que as pessoas mais agressivas dirigem Porsches ou marcas econômicas ou marcas de loja. Porém, até agora, essas variáveis da personalidade têm demonstrado limitações para prever o comportamento.
O mesmo é valido para os critérios sociodemográficos: idade, localização geográfica, sexo, tipo de domicílio, nível de renda, e assim por diante. Esses elementos conduzem algumas vezes a conclusões redundantes – compradores de mamadeiras possuem um ou mais bebês, os de pastas escolares possuem crianças em idade escolar etc.
Raramente proporcionam informações sobre a preferência de uma marca em relação á outra. Os valores, como são descritos abaixo, provam ser critérios mais eficazes:
- Visão da natureza humana;
- Relacionamento da humanidade com a natureza;
- Orientação em termos de tempo ( passado, presente ou futuro);
- Atitude perante a vida (liberdade, reatividade, atitude em relação ás normas, ação, reflexão);
- O tipo de relação com os outros (em geral dominantes, descendentes ou equilibrada).
Com base nesse valores, os pesquisadores têm definido perfis de estilo de vida que produzem melhores resultados. Tais estilos de vida podem identificar evoluções. Por exemplo, certos grupo se aproximam mais ou se distanciam de determinada marca. Entretanto, esses resultados precisam ser considerados difíceis de prever.