O que Satya Nadella fez na Microsoft

Artigo publicado em 2017 no portal The Economist:

Em 2017, o clima no campus da Microsoft, um conjunto com mais de 100 edifícios, era surpreendentemente diferente de quatro anos antes. A contagem de palavras por minuto era muito menor. Perguntas, por mais ignorantes ou críticas que fossem, agora eram respondidas pacientemente. O chefe da empresa, Satya Nadella, passou a adotar um tom diferente e mais suave, em relação aos antigos CEOs Bill Gates e Steve Ballmer, seu antecessor imediato (embora ele também tenha deixado um lado altamente competitivo).

Porém, alguns anos antes em 2007, ao visitar a sede da Microsoft perto de Seattle, eu senti que a visita seria como uma viagem ao território inimigo. Executivos quase não conversavam com os visitantes, e um dos correspondentes deste jornal (The Economist) ainda se recupera de dois dias angustiantes passados na companhia de um “evangelista da marca” funcionário da Microsoft.

Se eles fossem desafiados a transmitir a mensagem da marca Microsoft, a linguagem corporal de suas respostas traía o que eles estavam pensando (e o que Bill Gates dizia frequentemente: “Isso é a coisa mais estúpida que já ouvi.”

Porém, depois de quatro anos, o clima ficou mais leve, e a Microsoft respira um ar mais fluído e acolhedor.

Ambas as duas descrições são caricaturas, tanto a experiência de 2007 quanto a de 2017. Mas elas apontam para uma verdade subjacente: quão radicalmente a maior empresa de software do mundo mudou no curto período desde que o Sr. Nadella assumiu o comando no início de 2014.

Na época, tudo na Microsoft girava em torno do Windows, o sistema operacional que alimentava a maioria dos computadores. Era uma franquia que a empresa acreditava que precisava ser estendida e defendida a qualquer preço.

Desde então, o Windows recuou para um papel de suporte; às vezes, é pouco mais do que um produto com prejuízo para impulsionar outros produtos. No centro da nova Microsoft está o Azure, uma nuvem computacional global. Formada por mais de 100 centros de dados ao redor do mundo, ela fornece aplicativos baseados na web, dá vida a dispositivos móveis e processa dados para serviços de inteligência artificial (IA). Junto com essa mudança de estratégia, surgiu uma cultura menos abrasiva e mais aberta.

A transformação da Microsoft está longe de ser completa. O Windows, o Office – o pacote de aplicativos antes igualmente dominante para computadores pessoais – e outros produtos relacionados a PCs ainda geram cerca de dois quintos de suas receitas e três quartos de seus lucros. Mas mesmo aqueles que observam as ações do Sr. Nadella com alto grau de ceticismo consideram que a empresa está avançando além de suas vacas leiteiras.

A transformação da empresa não começou com o Sr. Nadella. O Azure foi lançado e a reescrita do software para a nuvem começou sob o comando de Mr. Ballmer. Mas Mr. Nadella deu à Microsoft uma nova Gestalt, ou personalidade, que os investidores parecem gostar. O preço das ações da empresa quase dobrou desde que ele assumiu o cargo (veja o gráfico).

Destronar o Windows foi a primeira tarefa. Anteriormente, novos produtos eram retidos ou privados de certos recursos se fosse considerado que prejudicavam o programa (algo conhecido internamente como “imposto estratégico”). Uma das primeiras decisões de Mr. Nadella foi permitir que o Office rodasse em dispositivos móveis que usam sistemas operacionais concorrentes. Ele chegou ao ponto de usar um slide que dizia “Microsoft ama o Linux”. Mr. Ballmer chamava o sistema operacional de código aberto de “câncer”.

A rebaixamento do Windows tornou mais fácil para o Sr. Nadella mudar a cultura da empresa – o que é tão importante, ele acredita (junto com Peter Drucker), que ela “come estratégia no café da manhã”. Tecnologias vêm e vão, ele diz, então “precisamos de uma cultura que permita que você se renove constantemente”. Enquanto Mr. Ballmer era conhecido por correr pelo palco gritando “Eu amo esta empresa”, Mr. Nadella pode ser frequentemente visto sentado na plateia, ouvindo.

Quando, em 2016, trolls da internet manipularam Tay, um dos bots online alimentados por IA da Microsoft, para vomitar comentários racistas, as pessoas esperavam por demissões. Mr. Nadella enviou um e-mail dizendo “Continue pressionando e saiba que estou com você…(a) chave é continuar aprendendo e melhorando.”

Os funcionários não são mais avaliados em uma curva, com aqueles que acabam no final muitas vezes não recebendo bônus ou promoção. Para o retiro executivo anual da empresa em 2015, Mr. Nadella incluiu os chefes de empresas que a Microsoft havia adquirido recentemente, como Mojang, fabricante do Minecraft, um videogame, e Acompli, um aplicativo de e-mail, quebrando a tradição de que apenas executivos de longa data podem participar.

Enviar esses sinais importa mais do que nunca na indústria de tecnologia. Empresas bem conceituadas encontram mais facilidade para recrutar talentos de alta qualidade, que são altamente móveis e têm diversas opções de empregadores. Uma reputação de agressividade pode chamar a atenção de reguladores e levar a uma reação pública, como a Microsoft sabe por experiência própria e a Uber está descobrindo.

Mr. Nadella mudou a organização da empresa, assim como sua cultura. Agora é mais uma empresa de tecnologia verticalmente integrada – “full stack”, na gíria. Ela não apenas escreve todos os tipos de software, mas constrói seus próprios data centers e projeta seu próprio hardware. Mr. Nadella destaca que agora até desenvolve alguns dos chips para seus data centers.

Sua impressão pode ser vista em três áreas de negócios em particular: a nuvem, o hardware e a IA. A Microsoft não divulga em quanto aumentou o investimento na nuvem, mas a construção de data centers é cara e espera-se que seus gastos de capital quase dobrem em breve, para US$ 9 bilhões por ano, desde que Mr. Nadella assumiu.

Se você levar em consideração apenas serviços básicos, como armazenamento de dados e computação, a nuvem da Microsoft era muito menor (em 2017) do que a Amazon Web Services, líder em computação em nuvem, que pertence à Amazon, uma gigante do comércio eletrônico.

Mas se você adicionar os serviços baseados na web da Microsoft, como o Office 365 e outros aplicativos de negócios, que são apenas uma parte negligenciável do portfólio da AWS, as duas empresas têm tamanho comparável. Ambos os negócios de nuvem da AWS e da Microsoft têm uma taxa de execução anual (as receitas trimestrais mais recentes multiplicadas por quatro) de US$ 14 bilhões em 2016.

Em termos de escala, então, houve muito progresso. No entanto, em contraste gritante com a AWS, que fornece a maior parte dos lucros da Amazon, o Azure ainda está dando prejuízo. Alguns analistas são otimistas que isso poderá mudar. Mark Moerdler da Sanford C. Bernstein, uma empresa de pesquisa, acredita que, uma vez que a Microsoft reduzir seus investimentos em data centers e a utilização aumentar, ela poderá se aproximar das margens aproveitadas pela AWS, que ultrapassou 30% no último trimestre.

Scott Guthrie, que lidera o Azure, admite que as margens para serviços baseados em nuvem provavelmente serão mais baixas do que para software convencional. Mas, quando os aplicativos são entregues online, ele observa, a Microsoft pode capturar uma fatia maior do bolo geral. Além de oferecer seu software existente como serviços na nuvem, ela também cuida de componentes dos sistemas de TI, como armazenamento e redes, que costumavam ser fornecidos por outros fornecedores. O mercado endereçável da empresa é muito maior, ele diz.

Talvez. Mas, por melhor que a Microsoft se saia, a vida na nuvem sempre será muito mais difícil do que era no campo dos computadores pessoais, argumenta David Mitchell Smith, da Gartner, uma consultoria. A Microsoft não só terá que competir com a Amazon, mas também com o Google, que pretende atrair clientes empresariais.

Embora a nuvem seja o cerne da nova Microsoft, o hardware é outra aposta importante. A empresa se livrou de sua divisão de telefones celulares, que havia comprado da Nokia, mas em seu campus em Redmond, centenas de funcionários estão ocupados desenvolvendo novos dispositivos. Seu laboratório de prototipagem oferece tudo o que um designer de dispositivos móveis poderia querer, como impressoras 3D para produzir novos modelos de uma dobradiça durante a noite, por exemplo, ou máquinas para cortar a carcaça de um novo laptop a partir de um bloco de alumínio.

“Falhar mais rápido” é o objetivo do novo equipamento, diz Panos Panay, que está encarregado dos negócios de hardware da Microsoft. Os designers podem testar ideias mais rapidamente em busca do objetivo da empresa de desenvolver novas categorias de produtos. Hardware, software e serviços online devem ser agrupados em um único produto para criar o que a empresa chama irritantemente de “experiência“.

Um exemplo é o Surface Book, um laptop de alta qualidade. Possui uma tela destacável que funciona como tablet de computação – uma combinação que já conquistou seguidores e, segundo alguns, oferece melhor custo-benefício do que laptops comparáveis da Apple.

Ainda mais ousado é o HoloLens, um dispositivo de realidade aumentada na forma de um visor sem fio. Ele é capaz de misturar a realidade “real” e virtual para fins comerciais, projetando, por exemplo, novas peças em um chassi de motocicleta para que um designer possa ver facilmente o que funciona.

Os designers do HoloLens esperam que ele também seja um dispositivo em que as pessoas usem serviços de inteligência artificial – a terceira grande aposta de Mr. Nadella. Em setembro de 2017, a Microsoft formou uma nova unidade de IA, combinando todos os seus esforços no campo, incluindo seu grupo de pesquisa básica com mais de 1.000 pessoas e a equipe de engenharia por trás do Bing, seu mecanismo de busca.

Todo aplicativo de negócios será disruptado pela IA, diz Harry Shum, que está encarregado da nova unidade. Algoritmos treinados por pilhas de dados poderiam dizer aos vendedores em quais leads gastar mais tempo e ajudar a identificar acordos arriscados em que, por exemplo, o cliente pode não cumprir os termos do contrato. Isso, explica ele, também é uma grande razão pela qual a Microsoft gastou uma quantia enorme de US$ 26 bilhões para comprar o LinkedIn, uma rede social profissional que tem 467 milhões de usuários. O acordo adiciona os dados necessários para treinar suas novas aplicações de IA.

Lembrando que esse artigo foi publicado em 2017, mais de 5 anos antes do lançamento do OpenAI ChatGPT!

A IA é uma parte crescente do Azure também. Nos últimos meses, a Microsoft introduziu duas dezenas de “serviços cognitivos” no Azure. Alguns entendem a linguagem e podem identificar palestrantes individuais, outros reconhecem rostos e podem acessar conhecimentos acadêmicos. A ideia é que outras empresas possam usar essas ofertas para tornar seus próprios produtos mais inteligentes, assim “democratizando a IA”. A Schneider Electric, que fabrica equipamentos para gerenciar sistemas de energia, por exemplo, usa alguns dos serviços de IA da Microsoft para monitorar seus equipamentos.

É fácil ficar impressionado com o que Mr. Nadella alcançou em apenas três anos. Mas não é certo que suas apostas tecnológicas se concretizem como planejado. Para administrar uma nuvem de computação com lucro, é necessário ter operações hiper eficientes; algo que a Amazon, ao contrário da Microsoft, cresceu com ela. Embora a Microsoft tenha expertise em IA, outros, como Google e IBM, começaram muito antes. E o design de dispositivos integrados não faz parte do DNA da Microsoft da mesma forma que faz para a Apple. A realidade aumentada é um campo extremamente promissor, mas o HoloLens pode se revelar nada mais do que um brinquedo caro para desenvolvedores.

O sucesso ou o fracasso nas novas áreas, é claro, continuará sendo amortizado por algum tempo pelas receitas e lucros do Windows e do Office. No entanto, também existem riscos lá. Se o mercado de PCs, cujo declínio secular diminuiu desde o ano passado, tomar outro rumo para pior, as finanças da empresa sofreriam muito, alerta John DiFucci, da Jefferies, um banco de investimentos.

Mr. Nadella não parece estar preocupado com essas incertezas, que são esperadas em uma indústria de mudanças rápidas. Em vez disso, ele se preocupa com muito sucesso. “Quando você tem um núcleo que está crescendo a mais de 20%, é aí que o apodrecimento realmente se instala”, diz ele. Resta saber se a empresa pode novamente atingir tal velocidade. Por enquanto, no entanto, seu preço das ações está mostrando muita velocidade.


Fonte: The Economist, com tradução do ChatGPT