O que você precisa saber antes de iniciar sua empresa-plataforma

Os economistas Richard Schmalensee e David S. Evans mostram caminhos para ter sucesso no tipo de empreendimento que virou objeto do desejo de muitas pessoas e organizações em todo o mundo (empresas-plataforma).

É grande o entusiasmo com as estratégias de plataforma que vêm surgindo em todo o mundo. Empreendedores sonham em criar o próximo Uber ou Airbnb, por exemplo, enquanto executivos de grandes companhias reformatam suas estratégias em torno de plataformas para poder competir digitalmente. No entanto, nada é tão fácil, alertam os economistas Richard Schmalensee e David S. Evans, autores do livro “Matchmakers: the new economics of multisided platforms”.

Nesta entrevista, Schmalensee, ex-diretor da MIT Sloan School of Management, e Evans, presidente da consultoria Global Economics Group, não desconsideram as dificuldades associadas à construção de uma plataforma de sucesso, mas também tratam dos caminhos que podem fazer diferença. Afinal, como eles próprios escreveram, o empreendedor disposto a iniciar um negócio baseado em plataformas multilaterais “precisa resolver um quebra-cabeça complicado e lançar mão de estratégicas contraintuitivas para ter sucesso”.

  • O modelo “matchmaking”, de negócios que criam valor conectando diferentes grupos, existe há muito tempo. Inclui de mercados gregos a empresas de cartão de crédito, segundo vocês. Podemos dizer, então, que o diferencial trazido pelas tecnologias digitais é tão somente fazer com que esses negócios se tornem mais comuns e mais importantes?

Schmalensee: Sim. As tecnologias digitais turbinaram esse modelo de negócio. Ficou mais fácil se conectar.

Evans: Pense no Uber. Como negócio, algo assim poderia existir em 2008, por exemplo.

Schmalensee: Certo. Sem o uso de smartphones em larga escala, o modelo Uber não funcionaria.

Evans: O que gerou grandes oportunidades para esses negócios baseados em plataformas foi o fato de que a internet está disponível de modo generalizado no mundo físico. Com as redes sem fio, o mundo físico foi conectado à internet, oferecendo uma enorme possibilidade de desenvolvimento de negócios baseados em plataformas que conectam diferentes grupos.

  • Uma das questões levantadas é a dificuldade de ser bem-sucedido no modelo de negócio de plataforma multilateral. Por que isso acontece?

Schmalensee: É fácil olhar para empresas como o Uber e se encantar com o sucesso que alcançaram, esquecendo todos os que tentaram algo parecido antes e fracassaram. São duas as principais dificuldades associadas ao início de um negócio desse tipo.

Primeiro, você precisa oferecer uma solução para um problema real dos grupos que está buscando conectar, criando algo que não existia antes, com impacto positivo para o grupo A e para o grupo B, e com algum valor também para você.

A segunda dificuldade está no fato de que você precisa começar de alguma forma. É fácil imaginar modelos de negócio que funcionam bem quando já há 10 milhões de pessoas de um lado da plataforma e outros 10 milhões de pequenos negócios do outro. Mas chegar a esse patamar não é fácil. Se você proporciona a um lado da plataforma acesso ao outro lado, a fim de criar valor, mas não há ninguém interessado lá, você não tem um produto. É o que chamamos de problema “o ovo ou a galinha”.

  • Vamos falar da primeira dificuldade…

Schmalensee: Claro. O sistema de pagamento com dispositivos móveis M-Pesa resolveu um grande problema no Quênia: a transferência de dinheiro das pessoas da família que vivem e trabalham nas grandes cidades para os familiares que ficaram no interior. Seria possível levar um sistema assim para os Estados Unidos? Não, porque os norte-americanos não enfrentam dificuldade para transferir dinheiro.

  • E quanto ao problema “o ovo ou a galinha”?

Schmalensee: Uma vez que você consegue que muitas pessoas participem de uma plataforma, ela pode se tornar bastante atraente para novos integrantes, pois já há muitos lá com quem eles querem interagir. Um produto só existe se você consegue vender o acesso a um grupo atraente de potenciais participantes.

Pense no serviço de reserva em restaurantes OpenTable. Se não há um número suficiente de restaurantes no sistema, ele deixa de ser interessante para os consumidores. O mesmo ocorre se o sistema não consegue atrair um bom número de potenciais clientes. Assim, no início, o OpenTable teve de superar um grande desafio: como conquistar tanto restaurantes quanto consumidores.

O OpenTable descobriu que o segredo estava em oferecer aos restaurantes um software que possibilitasse que eles fizessem a gestão das mesas e das reservas. Além disso, a primeira ideia era começar com redes de restaurantes em todo o país para incorporar um grande número de estabelecimentos ao serviço. Porém o fato de haver vários restaurantes de Omaha no OpenTable não interessa muito a quem mora em Boston, por exemplo. Cada usuário quer contar com um conjunto representativo de estabelecimentos perto de onde mora.

Assim, o OpenTable segurou por um tempo sua estratégia nacional e passou a se concentrar, primeiro, em San Francisco e, em seguida, em Chicago, fechando acordo com um grupo de restaurantes de ponta nesses dois mercados.

O insight foi ir primeiro aos restaurantes, dando a eles uma razão para aderir ao OpenTable independentemente da existência de clientes – o software de gestão de mesas e reservas. Só depois o OpenTable cuidaria de atrair consumidores. Essa é uma forma de abordar o problema “o ovo ou a galinha”: começar proporcionando acesso a um dos lados da plataforma.

  • Então há mais formas de lidar com isso?

Evans: Em casos como o do OpenTable, há uma espécie de efeito zigue-zague, em que você consegue alguns restaurantes, atrai consumidores, vai atrás de mais estabelecimentos e novos clientes e segue crescendo com base nesse movimento. Há outras situações, no entanto, em que você realmente precisa ir a campo e fechar negócio com algumas empresas de destaque para efetivamente aumentar o número de usuários da plataforma.

Veja o caso dos consoles de games. É preciso fechar acordos com desenvolvedores com um ano ou dois de antecedência para garantir que os jogos estarão disponíveis em sua plataforma quando for lançada.

Outra solução para esse problema é ter as próprias “galinhas”. Todos nós pensamos no iPhone como uma plataforma multilateral com uma app store, desenvolvedores e usuários. Mas, quando a Apple o lançou, em junho de 2007, não havia uma app store e o produto não estava aberto a desenvolvedores.

Steve Jobs e a Apple fizeram as duas coisas. Primeiro, criaram um conjunto de aplicativos tão diferentes que o iPhone se tornou uma grande experiência para os clientes. Depois, procuraram alguns poucos desenvolvedores para fechar acordos específicos.

Portanto, o iPhone não nasceu em 2007 como plataforma ou exemplo do que chamamos “matchmaker”. Demorou cerca de um ano para a Apple abrir o produto a desenvolvedores externos e seguir esse caminho.

Vale destacar que as diversas estratégias para lidar com o problema “o ovo ou a galinha” não são excludentes entre si. Você pode desenvolver um lado da plataforma e, quando estiver seguro, ir atrás dos demais participantes. As plataformas baseadas em anúncios funcionam assim: a partir de um conteúdo de qualidade, visto por muitas pessoas, vendem-se os anúncios.

  • No que diz respeito à precificação, o processo é mais complicado no modelo de negócio baseado em plataformas do que quando se está lidando com apenas um conjunto de clientes?

Schmalensee: Uma das primeiras coisas que chamam a atenção quando se estudam as plataformas multilaterais é o fato de que, muito frequentemente, uma das partes participa “de graça”.

Por exemplo, o OpenTable me dá pontos de bônus por utilizar o serviço. Eu não pago nada e se trata de um serviço valioso. Se você analisar uma lista de matchmakers, vai encontrar essa situação com frequência: um grupo de participantes usufrui de graça ou não paga o suficiente para cobrir os custos.

Algumas vezes, é óbvio que lado deve ser subsidiado; outras, nem tanto. E também não é sempre que uma das partes deve deixar de pagar.

O equilíbrio pode mudar ao longo do tempo, à medida que o mercado muda. Por isso, conseguir a precificação ideal inicialmente não significa que você vai acertar sempre. É importante continuar atento a isso.

Os negócios mais tradicionais não enfrentam o mesmo desafio em relação à definição de preço. Você pode ter um grupo aqui e outro mais distante e estabelecer um preço para cada grupo, pois eles não vão interagir. Nos negócios baseados em plataformas, a interação é chave. Portanto, a precificação que assegura a interação adequada requer ações para buscar o equilíbrio.

Evans: Se você observa uma plataforma de sucesso, ela parece óbvia, mas não é. Para quem está começando um negócio assim, nada é óbvio. Esses empreendedores enfrentam dificuldades com o tema. Os que encontram o modelo de precificação adequado alcançam o sucesso. Há várias dimensões a levar em conta, e o nível de incerteza é grande.

  • Quais são outros erros comuns que as pessoas cometem em plataformas?

Schmalensee: Costumamos falar bastante de estruturas de governança equivocadas. Novamente, depende do tipo de plataforma, mas muitos desses negócios envolvem interações que precisam ser gerenciadas de maneira específica.

Veja o exemplo das redes sociais. Alguém pode ser expulso do Facebook por postar com nome fictício – essa é uma das regras. O OpenTable não aceita que alguém que fez reserva para o jantar não apareça no restaurante. E, se você quer vender pelo Amazon Marketplace, deve cumprir uma série de normas.

Se você estabelece as regras erradas, mesmo que seu preço esteja certo, pode atrair comportamentos inadequados que afastam as pessoas da plataforma.

  • Como saber se uma plataforma é, de fato, uma boa oportunidade?

Evans: Uma forma de descobrir se você está diante de uma oportunidade é averiguar se já há uma plataforma operando de modo tradicional e se, com tecnologias modernas, é possível oferecer o mesmo tipo de intermediação com mais eficiência e maior escala.

Em outras palavras, trata-se de identificar plataformas existentes, nas quais há muita tensão econômica e ineficiência. Um ótimo exemplo é o Uber.

O setor de táxis é uma plataforma de dois lados. As empresas de táxi são, essencialmente, intermediárias que conectam os motoristas e os passageiros por meio de sistemas convencionais. Em geral, trata-se de uma plataforma com diversas ineficiências. O Uber chegou com uma solução inovadora para operar essa plataforma de maneira muito mais eficiente dentro de cada cidade e, ao mesmo tempo, com um modelo que poderia ser aplicado em escala mundial.

Schmalensee: Eu destacaria a tensão econômica como um ponto mais importante do que a tecnologia, porque um erro comum dos empreendedores é pensar: “Eu poderia desenvolver uma plataforma e usar a internet, e isso seria maravilhoso”. E, no fim das contas, a nova plataforma se mostra apenas um aprimoramento das soluções já existentes. É preciso perguntar: a proposta de plataforma efetivamente resolve um problema real ou é somente uma boa “sacada”?

A segunda questão a levantar é: como fazer o projeto virar realidade? Qual a estratégia de lançamento? Qual o caminho para resolver o problema “o ovo ou a galinha”? Como alcançar esse lugar maravilhoso em que você ganha muito dinheiro porque tem metade do mundo de um lado da plataforma e metade do outro? Qual o plano?

Nem todo negócio de plataforma tinha um plano perfeito no início. Assim, é preciso pensar sobre isso e frequentemente fazer ajustes com o avião no ar quando as primeiras ideias não funcionam.

Evans: Não queremos fazer com que tudo isso pareça muito simples. Já estudamos bastante essas plataformas nos estágios iniciais, mesmo nas etapas posteriores, descobrindo quais tiveram sucesso e quais não.

O ponto mais importante é, de fato, garantir que o problema que a plataforma resolve para todos os participantes seja realmente significativo.

Schmalensee: A combinação entre o modelo de negócio matchmaker e as tecnologias atuais faz com que as pessoas possam, cada vez mais, propor novos negócios que, daqui a cinco anos, serão reconhecidos como grandes ideias. Não sabemos quais serão essas novas plataformas, mas com certeza elas vão surgir.


Fonte: Revista HSM Management

SAIBA MAIS SOBRE OS ENTREVISTADOS

• Richard Schmalensee: é professor e ex-diretor da MIT Sloan School of Management.

• David S. Evans: é presidente da consultoria Global Economics Group, especializado em estratégia empresarial.

• O livro Matchmakers: foi lançado em 2016 e explica o negócio de conectar negócios.

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https://www.amazon.com.br/s?k=Matchmakers%3A+The+New+Economics+of+Multisided+Platforms