Executivos do Walmart e herdeiros da família compartilham discretamente um vínculo que ajuda o gigante do varejo e supermercados a prosperar ano após ano. Suas apostas mais recentes em tecnologia e vendas omnichannel estão valendo a pena.
Por quase todos os meios de avaliação, o Walmart é um colosso. A maior empresa dos EUA em receita e número de funcionários — com US$ 648 bilhões e 2,1 milhões, respectivamente (mais do que a Amazon em ambas as métricas) —, o Walmart gerou US$ 15,5 bilhões em lucro no ano passado e possui uma capitalização de mercado de US$ 663 bilhões. Eleições polarizadoras vão e vêm, mas, independentemente do vencedor, no dia seguinte cerca de 36 milhões de pessoas farão compras em uma das 5.205 lojas do Walmart nos EUA (além de outras 5.414 no exterior) ou em seus sites.
Uma visita recente à movimentada sede do Walmart em Bentonville, Arkansas, e ao seu gigantesco novo campus, ainda em construção, revela uma empresa preparada para mais crescimento. O Walmart tem desafiado os céticos e avançado no comércio eletrônico, na publicidade e nos programas de assinatura. Os acionistas devem agradecer a Doug McMillon, que completará 11 anos como CEO em 1º de fevereiro.
Durante a gestão de McMillon, as ações do Walmart subiram 231% (em comparação aos 225% do índice S&P 500), com o desempenho mais impressionante ocorrendo recentemente, à medida que os investimentos do CEO em novas linhas de negócios começaram a dar retorno. Não é nada mal para uma gigante que no passado era descartada como apenas uma varejista tradicional. E, ainda assim, pode-se argumentar que a empresa ainda não é completamente considerada no panteão das elites corporativas, como Apple, Walt Disney ou Berkshire Hathaway, o que é estranho, dado o sucesso do Walmart e sua importância para a economia e a sociedade.
Parte disso se deve ao fato de o Walmart não ter muita presença em lugares como Manhattan ou bairros da Califórnia, como Beverly Hills ou Berkeley — onde poderia atrair mais atenção da mídia. Mas parte disso também é intencional. O Walmart prefere manter um perfil discreto, o que reflete o modus operandi de seu maior acionista, a família Walton, descendentes do fundador e patriarca Sam Walton.
O Walmart e a família Walton recusaram-se a falar com a revista americana Barron’s, que publicaram esse artigo em novembro de 2024. Manter um perfil baixo é apenas um aspecto da influência da família sobre a empresa. Mais amplamente, a administração da família Walton é uma das maiores vantagens do Walmart, uma relação simbiótica única quase sem paralelo nos negócios americanos.
Com uma participação de 46% no Walmart avaliada em US$ 300 bilhões, os Waltons são a família mais rica dos EUA (Elon Musk tem um patrimônio líquido de US$ 268 bilhões). Mas, fora do noroeste do Arkansas, eles poderiam andar pela rua sem serem reconhecidos. E, claro, preferem assim.
É interessante pensar nessa fortuna — nascida da participação de Sam Walton na empresa e agora distribuída entre mais de duas dezenas de membros da família — como um todo, já que, na maior parte, a família age de forma unificada. O irmão de Sam, James Bud Walton, tinha uma fatia menor da empresa, passada para as filhas Ann, esposa do magnata esportivo Stan Kroenke, e Nancy, que possuem patrimônios líquidos de US$ 20,7 bilhões e US$ 11,9 bilhões, respectivamente, segundo a Bloomberg.
Há vinte anos, escrevi um artigo sobre os Waltons para a revista Fortune. Olhando para trás, dois pontos se destacam. Primeiro, observei que, com uma fortuna de US$ 90 bilhões, a família Walton era tão rica quanto Bill Gates e Warren Buffett juntos. Isso ainda é verdade, já que, juntos, Gates e Buffett agora possuem cerca de US$ 300 bilhões, de acordo com a Bloomberg. Segundo, o valor dos dividendos que a família recebe é impressionante.
Em 2004, a família possuía 39% da empresa, ou 1.680.506.739 ações. “Com o pagamento do Walmart a 52 centavos por ação,” escrevi, “o cheque anual de dividendos chega a US$ 873,8 milhões.” Hoje, a participação de 46% da família equivale a 3.661.911.302 ações, e o dividendo anual é de 84 centavos, gerando um impressionante pagamento de US$ 3,076 bilhões.
O Conselho da Família Walton importa para os acionistas do Walmart
O conselho da família Walton tem grande peso para os acionistas do Walmart, segundo Oliver Chen, analista de varejo da TD Cowen, que classifica a ação como sua principal ideia para este ano, com recomendação de compra. “A família considera outros stakeholders, como fornecedores, clientes e funcionários, o que beneficia os acionistas,” diz Chen. “Eles trazem uma visão de longo prazo e foco no que a empresa chama de ‘regenerativo’.”
“Regenerativo” é uma palavra usada nos esforços de ESG (ambiental, social e governança) da empresa, algo que para muitas outras organizações se tornou um ponto fraco. O Walmart, porém, não se afasta do que chama de valores compartilhados: “Aspiramos a nos tornar uma empresa regenerativa—ajudando a renovar as pessoas e o planeta por meio de nossos negócios… Abordar questões sociais de forma que gerem valor para nosso negócio e nossos stakeholders está no centro da estratégia empresarial do Walmart.”
As intenções do Walmart nesse sentido são notáveis, especialmente porque alguns ainda veem a empresa como um gigante monolítico voltado para estados conservadores, o que não é verdade. O Walmart aderiu à sustentabilidade há quase duas décadas. Mesmo avançando em questões sociais como igualdade racial e restrição de vendas de armas, a empresa se manteve fora do tumulto político—diferentemente de Disney, Starbucks e BlackRock—e encontrou um caminho equilibrado. Isso é mérito dos membros da família, cujas posições políticas vão do conservadorismo a uma linha moderada de republicanos, além de alguns libertários e democratas.
O crédito também vai para Doug McMillon, um “garoto local” que jogava como armador no time de basquete da escola de ensino médio de Bentonville. Ele começou a trabalhar na empresa há 40 anos, descarregando caminhões em um armazém. “Conheci todos os CEOs depois de Sam Walton, e a história de Doug é a mais incrível porque ele começou de baixo e chegou ao topo,” diz Tom Mars, ex-vice-presidente executivo e conselheiro geral do Walmart. “Ele superou em muito as altas expectativas que haviam para ele.”
Se você está se perguntando se McMillon pretende sair, “ele não vai,” segundo o CEO de uma empresa da Fortune 500 que se reuniu com ele recentemente. A empresa confirma que não há planos imediatos de sucessão. McMillon tem apenas 58 anos, e considerando seu sucesso e a dificuldade de ser um CEO nos dias de hoje, substituí-lo por mera mudança seria algo sem sentido.
A relação da família Walton com McMillon e seus antecessores merece atenção. Desde Sam Walton, que deixou o cargo de CEO em 1988, 26 anos após fundar a empresa, houve apenas quatro executivos-chefes: David Glass, Lee Scott, Mike Duke e McMillon, todos promovidos internamente, o que permitiu à família avaliá-los ao longo dos anos. Esse vínculo entre CEO e família é muito próximo.
O comitê executivo do conselho do Walmart, por exemplo, era dividido igualmente entre membros da família e externos. Até recentemente, era composto por McMillon; o diretor externo principal, Tom Horton (ex-CEO do American Airlines Group); o presidente Greg Penner; e Rob Walton. Rob, filho de Sam, que acaba de completar 80 anos e é dono do Denver Broncos, da NFL, deixou o conselho em junho após 46 anos de atuação. Rob foi presidente do conselho do Walmart desde a morte de seu pai, em 1992, até 2015, quando passou o cargo para Penner, CEO do Broncos, especialista em finanças e estratégia, que trabalhou no Walmart.com e é casado com Carrie, filha de Rob. Carrie é membro do conselho da gigantesca organização filantrópica da família, a Walton Family Foundation.
O único outro membro da família no conselho do Walmart é Steuart Walton, 43 anos, filho de Jim Walton (irmão de Rob), um capitalista de risco e entusiasta de ciclismo, o que dá à família duas cadeiras no conselho.
“Com o presidente do conselho e outro assento, mais 46% das ações e uma longa história, é possível afirmar que os Waltons têm controle, mesmo com a maioria do conselho sendo independente,” diz John C. Coffee Jr., professor da Columbia Law School. “Mas os Waltons não precisam admitir isso, e isso pode ser litigado por muito tempo. O histórico factual se torna relevante aqui, e muitas anedotas sobre como as decisões foram tomadas poderiam entrar em jogo.”
Tecnicamente, a família não é acionista controladora.
No entanto, para todos os efeitos práticos, a família exerce influência significativa sobre a empresa, o que pode beneficiar os acionistas.
Considere a nova mega-sede da empresa, que será inaugurada no início do próximo ano: um campus de 350 acres com 19 prédios, localizado a leste do centro da cidade. Os edifícios serão “construídos com materiais sustentáveis, como madeira de origem regional, e alimentados por energia renovável.” O local estará conectado a trilhas da região de Greater Bentonville e contará com uma frota de bicicletas para aluguel, 1.000 espaços de estacionamento para bicicletas e mais de 300 estações de carregamento para veículos elétricos.
Além disso, há um centro de cuidados infantis de 6.780 metros quadrados, com capacidade para 500 crianças, e um centro de fitness de 33.445 metros quadrados, ambos já abertos e disponíveis para todos os funcionários locais. Esses projetos foram financiados com uma transação de ações de US$ 225 milhões feita pela família Walton. Trata-se de uma transformação marcante em comparação com a atual sede da empresa, que se assemelha ao escritório da fictícia Dunder Mifflin, com direito a docas de carga.
Por que passar de uma austeridade ostensiva para uma instalação de classe mundial?
Um motivo importante: atrair uma força de trabalho de classe mundial, especialmente engenheiros, cientistas da computação e programadores, dos quais a empresa depende cada vez mais.
Bentonville também se tornou um atrativo.
De uma vila tranquila com menos de 20.000 habitantes em 1990, a cidade agora tem mais de 60.000 moradores—um pouco maior que Sarasota, na Flórida—e abriga um museu de arte, o Crystal Bridges, com uma coleção de arte americana que rivaliza com museus de Nova York. O museu foi construído por Alice Walton, filha de Sam Walton e a mulher mais rica dos EUA, com 75 anos. Seu irmão Jim, de 76 anos, é presidente do Arvest, um banco local de médio porte de propriedade da família.
A cidade conta ainda com vários restaurantes premiados, inúmeras instalações de arte pública e é considerada um paraíso para ciclistas, com centenas de quilômetros de trilhas e ciclovias. Bentonville possui até mesmo o Ledger, considerado o único prédio ciclável do mundo—onde é possível pedalar até seu escritório, mesmo que ele fique no quinto andar, através de uma rampa de 1.200 metros.
Grande parte desse crescimento foi impulsionado por Steuart Walton, que é casado com a atriz Kelly Rohrbach (proprietária da Sunny’s, que vende alimentos saudáveis e presentes holísticos), e por seu irmão Tom Walton. A esposa de Tom, Olivia Sterns Walton, presidente do Crystal Bridges, é conhecida por seu trabalho como repórter na Bloomberg TV. “Tom e Steuart poderiam morar em castelos na Europa,” diz Craig Gilbert, gerente sênior do museu do Walmart, que cresceu na cidade. “Mas eles decidiram ficar aqui.”
Steuart comentou recentemente: “Não estamos tentando ser Austin, Nashville, Denver ou Seattle. Estamos tentando ser a melhor versão de Bentonville que pudermos ser. É como o conceito de juros compostos, que Warren Buffett chama de a força mais poderosa do universo. Se você continuar crescendo e fortalecendo sua base, um número grande vezes um número pequeno se torna um número ainda maior.”
Todo esse desenvolvimento, financiado diretamente ou estimulado por centenas de milhões de dólares da família Walton, eleva e diferencia a cidade de uma forma que uma pista de Nascar ou um parque de diversões não fariam. Mas uma Bentonville vibrante também protege a cidade de se tornar o exemplo principal de uma das críticas mais incisivas ao Walmart: de que a empresa teria esvaziado milhares de pequenas cidades nos Estados Unidos.
Você pode não ser fã do Walmart—e há motivos legítimos para isso, como os salários pagos aos funcionários—mas seu sucesso é inegável. A jornada do Walmart, no entanto, teve altos e baixos. Seu domínio nunca foi garantido. Uma lembrança marcante: a última loja Kmart de grande porte no país fechou no mês passado.
O que nos leva aos negócios e às ações do Walmart.
Lembre-se de que o slogan da empresa, “Economize dinheiro. Viva melhor”, continua no centro de sua missão. Porém, a carta de Greg Penner aos acionistas apresenta uma versão ligeiramente ampliada:
O Walmart é um varejista omnichannel, liderado por pessoas e impulsionado por tecnologia, dedicado a ajudar as pessoas a economizar dinheiro para que possam viver melhor.
Essa formulação reflete a nova direção da empresa: tecnologia e vendas omnichannel. Vendas omnichannel são uma estratégia de comércio que integra diferentes canais de vendas e comunicação para proporcionar uma experiência de compra unificada e consistente ao cliente, independentemente de como ou onde ele escolhe interagir com a empresa. Isso significa que o cliente pode transitar entre canais (como lojas físicas, e-commerce, aplicativos, redes sociais ou call centers) sem interrupções ou diferenças na experiência.
Inicialmente, analistas questionaram os movimentos do Walmart em tecnologia e suas aquisições de varejistas online como Bonobos, Jet.com e Flipkart, que pareciam não dar retorno. Isso mudou nos últimos cinco anos. “O Walmart historicamente competia pelo preço e continua fazendo isso,” diz Robby Ohmes, do BofA Securities, que avalia as ações com uma classificação de compra e um preço-alvo de US$ 95, acima do valor recente de cerca de US$ 82.
“Mas agora também está vencendo em conveniência. A tecnologia foi o motor disso. Eles conseguem alcançar mais de 80% dos EUA com entregas no mesmo dia. O Walmart+ [o serviço de assinatura de rápido crescimento da empresa] contribui para isso, oferecendo entrega gratuita no Walmart.com ou em compras acima de US$ 35 em lojas, por uma assinatura de US$ 98. O aplicativo funciona muito bem agora. O ciclo está girando.”
É verdade que os supermercados, que representaram quase 60% da receita total do Walmart nos EUA no ano passado, são um negócio de baixa margem. Mas, assim como a Apple expandiu-se para serviços, a nova tecnologia e execução do Walmart ajudaram essa categoria a crescer 21% nos últimos dois anos. Enquanto CVS Health e Walgreens Boots Alliance enfrentam dificuldades, o Walmart anunciou, no final de outubro, a expansão de seus serviços de farmácia, com planos de oferecer entrega no mesmo dia até o fim de janeiro em 49 estados.
Digital, como negócio isolado, ainda não é lucrativo, segundo Ohmes, mas publicidade, assinaturas e a venda de tendências de dados de clientes para parceiros como a Disney estão mitigando isso. A empresa espera que o segmento digital se torne lucrativo em breve. “Eles são muito bons e estão melhorando na área de publicidade,” disse um executivo sênior da Microsoft recentemente. “Seth Dallaire [novo diretor de crescimento da empresa, vindo da Instacart e da Amazon] é incrível.”
No ano passado, o negócio de publicidade do Walmart cresceu 28%, alcançando US$ 3,4 bilhões—menos de 1% da receita total e muito menor do que os US$ 50 bilhões da Amazon nessa área—, mas o Walmart está mirando US$ 6 bilhões no próximo ano. Chen, do Cowen, estima que o negócio tenha uma margem de lucro operacional (Ebit) de 75%. Em uma teleconferência de resultados em fevereiro, o diretor financeiro John David Rainey declarou que “publicidade global e assinaturas, sozinhas, representarão 20% da receita operacional anual no ano fiscal de 2025.”
Os fornecedores estão correndo para acompanhar. “O Walmart exige a melhor qualidade, preço e cumprimento,” diz um deles. “Além disso, se gostarem de você, você precisa estar preparado para escalar.”
Em um ambiente competitivo brutal, incluindo a Amazon no e-commerce, a Costco Wholesale nos clubes e Aldi e outros no segmento de preços baixos, o Walmart conseguiu aumentar as vendas nas mesmas lojas em mais de 6% ao ano desde 2022. Chen espera um crescimento de receita de 4,8% neste ano, mesmo com menos lojas, e um aumento da margem operacional de 4% em 2023 para 4,3%. Tanto Chen quanto Ohmes reconhecem que as ações, negociadas a 34 vezes os lucros passados, não são baratas. “Matematicamente, factualmente, estatisticamente, é um múltiplo alto,” diz Chen. “Mas as pessoas diziam isso quando era 18 vezes.”
Considere isso: Sam Walton foi um gênio do varejo que fundou a empresa e criou uma cultura quase cultuada. No museu da empresa, você pode interagir com uma versão holográfica do fundador e acompanhá-lo no famoso grito de guerra do Walmart.
O filho de Sam, Rob, mostrou sua própria aptidão ao alinhar os interesses da família com os de cada CEO e ajudar a identificar e cultivar seus sucessores por quase cinco décadas. Agora, com Doug McMillon e quem eventualmente o suceder, cabe a Greg Penner, Steuart Walton e outros gerenciar coletivamente essa relação entre família e negócios. Se eles tiverem o mesmo sucesso que seus predecessores, continuarão a dar ao Walmart uma vantagem competitiva sem igual.
Fonte:
Revista americana Barrons, novembro de 2024
Autor:
Andy Serwer