Treinador do célebre tenista alemão Boris Becker e dos campeões croatas Goran Ivanisevic e Marin Cilic, o australiano Bob Brett afirma, nesta entrevista conjunta com Roger Martin, da Rotman School, que a chave do sucesso está em apostar nos indivíduos de maior potencial, seja nos esportes, seja nas empresas.
Segundo o senso comum, atletas de alto desempenho têm habilidades que conseguem exercer em qualquer lugar do mundo, sejam eles CEOs famosos, vendedores de primeira linha, grandes desenvolvedores de produtos ou estrelas de uma modalidade esportiva. No entanto, eles precisam de líderes que consigam seu melhor desempenho sustentável. Como fazer isso?
Para explorar essa pergunta, Bob Brett, que dedicou sua carreira a treinar os tenistas que tiveram grandes conquistas e reconhecimento, incluindo Boris Becker (que foi número um do mundo, além de ganhador de seis Grand Slams), Goran Ivanisevic (número dois do mundo e campeão do torneio de Wimbledon) e Marin Cilic (número 24 do ranking mundial), conta sua experiência, em conjunto com Roger Martin, diretor da Rotman School of Management, do Canadá. Atualmente consultor do Tennis Canada, o conselho nacional de administração desse esporte, Brett está escrevendo em parceria com Roger Martin um livro sobre coaching.
Como saber quem tem o que é preciso ter para ser campeão de tênis?
Bob Brett – Começa-se pelo talento de primeiro nível, que é uma combinação da capacidade de aprender e de ler o jogo com as habilidades físicas. Mas não se podem ignorar também o desejo e o caráter.
Em geral, três coisas devem ser observadas no tênis: mãos, pés e olhos. Nas mãos, a facilidade com a qual o jogador pega a bola e faz com que ela saia da raquete; nos pés, certa graça e eficiência de movimentos; e, nos olhos, uma fagulha, um grau de atenção aguda e capacidade para aprender sozinho, observando e imitando, sem que seja necessário o treinador oferecer muitos detalhes.
A capacidade de aprender deve ser constante nos campeões, mas a definição de talento varia segundo a área. O que Roger Martin pensa sobre o talento no mundo dos negócios?
Roger Martin – Bob parece ter uma definição mais completa de talento do que eu tinha quando comecei em meu campo de trabalho, e ela foi aperfeiçoada em 30 anos de experiência. Tanto que, quando era mais jovem, tentei desenvolver muitas pessoas em vão, pois careciam do talento básico. Agora, sou mais seletivo.
O segredo está realmente em encontrar o potencial. Quem tem potencial para sobressair? Nos negócios, isso tem a ver com a capacidade de operar em meio à complexidade com regras gerais e intuição, no lugar de executar um algoritmo. Na área de consultoria, e no trabalho intelectual em geral, boa parte da tarefa requer aplicação do critério pessoal. Então, é essa fagulha nos olhos que procuro. Significa detectar os primeiros sinais do potencial futuro.
Brett – Eu acrescentaria que, em vez de focarmos só o desempenho passado e presente, a pergunta mais importante para selecionar pessoas de alto desempenho é: “Até onde ele, ou ela, pode chegar?”. O que poderia ser construído sobre essa fundação? Ao treinar alguém, a questão é: “O que esse indivíduo pode conquistar?”. Onde estão as forças e como relacioná-las, além de reduzir ao mínimo as fraquezas?
É especialmente importante entender como as pessoas talentosas lidam com a pressão, o que as motiva, como enfrentam o fracasso e as limitações, e o que mais valorizam.
Há atletas extraordinariamente talentosos que não conseguem ser campeões, assim como há jovens brilhantes que não têm sucesso. Além de talento, o que é necessário?
Brett – Os atributos que persigo são similares aos que meu amigo Stan Nicholes, grande treinador de preparação física, chamava de “qualidades de um campeão”. São quatro: primeiro, a capacidade de jogar no melhor nível quando a pressão é mais alta; segundo, a capacidade de ir além das expectativas, ou dos níveis de dor, para ser melhor do que nunca –melhor do que qualquer um pensava ser possível; terceiro, a capacidade de superar dificuldades e obstáculos, em lugar de desmotivar-se; e, em quarto lugar, a lealdade e o compromisso –com a equipe, com o treinador e com um projeto de longo prazo.
Martin – Essa lista de critérios também vale para o mundo dos negócios. Quando penso sobre os que se destacaram genuinamente, vejo alguns elementos predominantes, como o desejo de superar expectativas –os talentosos têm predisposição a buscar uma grande solução para o cliente, quando a este bastaria uma boa solução, por exemplo. Superar a dificuldade também é um item coincidente; tem a ver com o aprendizado. Na vida, todos nós nos chocamos contra muitas paredes, mas, quando os de alto desempenho se chocam contra uma parede, veem-na como oportunidade de aprender e crescer.
Para muitas pessoas, chocar-se contra uma parede é o fim e, para os talentosos, é o começo. O que dizer de saber jogar sob pressão e lealdade?
Martin – A lealdade aos outros é um ponto muito importante: os grandes talentos não abandonam o caminho pela metade; ficam até o fim. É o que disse Malcolm Gladwell sobre as regras das 10 mil horas: leva muito tempo chegar à maestria autêntica, tenha sido você bem capacitado ou não.
Quanto a jogar em seu máximo nível quando mais importa, o mundo dos negócios, de alguma forma, favorece isso. Se Bob não pode sair da quadra enquanto o jogador está disputando uma partida, eu, como gerente, não preciso ir a uma reunião dar apoio a um funcionário júnior; ele terá de chegar aos mais altos níveis de desempenho sem que eu esteja presente.
Como em tudo, a mentalidade importa e esse é um diferencial dos campeões.
Brett – Sim. Os campeões assumem responsabilidade pessoal por seu desempenho. Podem, e isso até os estimula, ser parte de uma ideia do treinador e fazer o resto sozinhos. Aceitam não dominar o quadro completo da situação e assumem o risco de tentar de todas as maneiras. Podem trabalhar em um projeto que não foi concluído, criar uma parte crucial da iniciativa e executá-la. Estão ansiosos para ser donos do desafio e veem o treinador como fonte de orientação geral e inspiração, mais do que como fonte de instruções detalhadas.
Em 1985, Ivan Lendl era o número um do tênis mundial. Ele vivia agregando novas rotinas de treinamento porque acreditava que permitiriam manter sua supremacia. Os campeões são assim: não se medem pelo triunfo de hoje, mas em relação ao futuro possível, e, em vez de descansar confortavelmente em seu posto de número um, esforçam-se por fazer as coisas ainda melhor, para que cheguem a ser, sei lá, o número zero. Ser campeão diz respeito a repetição, ir além do limite, encarar uma oportunidade que não é confortável mas parece correta.
Como se treina esse indivíduo?
Brett – É preciso trabalhar com o que se tem e construir vantagens a partir daí. Existe uma grande diferença entre trabalhar com jogadores do circuito profissional e com principiantes.
Com os jogadores mais jovens, há uma janela de desenvolvimento maior, durante a qual a visão de um treinador pode ser mais criativa. Nesse ponto, o coach deve ser consciente e acompanhar os elementos de desempenho de um indivíduo que atraiam sua atenção, algo que o diferencie dos demais e que poderia ser vantagem competitiva nos níveis mais elevados. Onde estão as forças, as armas potenciais, segundo as perspectivas técnica, física e psicológica? E, depois, desenvolver essas áreas até convertê-las em vantagem competitiva sustentável. Poderá existir um campeão nesse ponto.
Martin – Todos os que alcançam alto desempenho são diferentes e necessitam de um enfoque distinto de desenvolvimento. O treinamento de longo prazo, porém, é menos difundido no mundo dos negócios do que no dos esportes. No tênis, praticamente todos precisam de um coach para ter sucesso, e a maioria dos grandes permanece com o mesmo treinador por longos períodos. Nos negócios, muitas estrelas têm mentores informais, mas não alguém que as capacite no longo prazo. Pergunto-me quão melhores poderiam ser se sua capacitação fosse real e consistente.
A ideia de que treinar para o desempenho superior significa adotar um enfoque individual de desenvolvimento é interessante. Quando se pensa sobre o que deve ser construído, quanto pertence ao treinador e quanto ao jogador?
Brett – Um aspecto fundamental do treinamento é entender e avaliar o que está na cabeça do jogador no que se refere ao que ele acredita poder conseguir. A imaginação do jogador é fundamental para qualquer conquista. Os treinadores podem estimular o desenvolvimento da criatividade, do pensamento independente, para que o atleta tenha capacidade de tomar decisões sob pressão. O treinador não pode fazer a jogada perfeita no momento perfeito; é ele quem precisa poder pensar nisso sob a pressão da partida.
Martin – O critério é uma parte muito importante de seu enfoque, Bob. Praticamente toda a sua filosofia se baseia em critério. Você aceita que não haja uma regra única, que funcione sempre. Se houvesse, seria muito mais fácil, aliás. Há pessoas que dizem: “Quero a regra”. Elas se enganam.
Brett – No treinamento para o alto desempenho, não há regra única mesmo. Há momentos em que não é oportuno dizer algo a um jogador, por exemplo; deve-se esperar outro dia ou até alguns meses para dar o feedback, a fim de que tenha mais impacto e seja mais significativo. Isso é escolher o melhor momento para o atleta, quando ele está pronto para ouvir.
Qual é o melhor momento para treinar uma pessoa para a mudança?
Brett – Começar em fase precoce é ótimo, mas, não raro, o melhor momento para trabalhar com alguém é quando ele, ou ela, sente-se frustrado pelo que percebe como fracasso. Nesse ponto, é mais provável que o indivíduo se abra e seja mais receptivo a novas ideias. Quando tudo funciona bem, o treinamento pode ser complicado. Para um jogador que tem desempenho extraordinariamente bom, sugerir mudanças pode ser visto como arriscado, porque, quando um indivíduo segue o conselho de seu treinador, o desempenho pode, na verdade, piorar de início, até que se estabilize e, depois, avance.
No tênis, são necessários de seis a nove meses para que as mudanças no jogo do tenista se consolidem e o progresso se torne visível –sejam mudanças técnicas, físicas, estratégicas ou psicológicas.
E, de novo, o modo de treinar depende do atleta. Quando se trabalha com um indivíduo hesitante, as instruções de mudar têm de ser dadas com simplicidade, clareza e paciência. Nessa fase, a postura emocional do treinador deve ser de reforço positivo e firmeza na orientação, sem demonstrar frustração.
Martin – Os profissionais de alto desempenho das empresas necessitam de muito elogio e de reconhecimento, não apenas de dinheiro. Precisam que seu coach seja positivo e deixe o aluno assumir a responsabilidade pelo sucesso. Isso é o que significa ser um grande treinador: ajudar os outros a vencer.
O que vocês dizem, ou fazem, para conseguir o desempenho máximo?
Brett – Primeiro, digo ao atleta o que fazer, e nunca o que não fazer. Focar o que alguém está fazendo errado é um erro que muitos treinadores cometem.
Martin – Não dizer a alguém o que não deve fazer é muito difícil. Quando nos pedem para não pensarmos em um elefante, o que fazemos? Pensamos em um no ato.
Brett – Também se tem de respeitar o direito do indivíduo de perguntar por que ele deveria seguir o caminho recomendado. Um treinador cuja meta seja o alto desempenho buscará produzir pensamento independente, caráter forte e boa disposição para correr o risco de fracassar para conseguir sucesso mais adiante. O treinador estará perdido se o objetivo se limitar a levar seu próprio pensamento à mente do jogador.
De novo, nos momentos críticos, é o atleta, e não o treinador, quem deve ter desempenho do mais alto nível. Quando um tenista está na quadra central de Wimbledon, o coach se senta a uma boa distância dela. Os jogadores têm de saber tomar decisões por si, derivadas das conversas e da repetição, primeiro durante eventos menores e depois nos maiores. É sempre uma tentação para os treinadores ajudar quando veem que alguém precisa, mas é um erro. Encontrar a solução sozinho é uma das qualidades de um campeão.
Como lidar com um indivíduo de alto desempenho que tenha fracassado?
Martin – Os indivíduos de alto desempenho são difíceis, egoístas por natureza, têm vontade firme, são inquietos e nervosos. E muitas vezes põem as coisas a perder. Quando isso acontece, pedem perdão (embora não tenham pedido permissão). É importante saber perdoá-los.
SAIBA MAIS SOBRE BOB BRETT E ROGER MARTIN
Bob Brett, nascido na Austrália, é um dos treinadores de tênis mais reconhecidos do mundo. Dedicou-se a esse esporte e a seus jogadores líderes durante os últimos 35 anos. Sua fase mais famosa como treinador foi o período entre 1987 e 1991, quando guiou os passos do alemão Boris Becker, sucesso no torneio aberto da Austrália, em Wimbledon e no aberto dos Estados Unidos.
Roger Martin é reitor, à frente da cátedra de pesquisa em competitividade e prosperidade, e professor de gestão estratégica na Rotman School of Management, da University of Toronto, Canadá. Seu livro mais recente, escrito com A.G. Lafley, é Playing to Win: How Strategy Really Works (ed. Harvard Business School Press).
Fonte: entrevista feita por Jennifer Riel para a Rotman Magazine e publicada no Brasil pela revista HSM Management