Leis rigorosas de proteção ao consumidor têm alimentado milhares de processos, que podem render aos passageiros irritados até US$ 3.000. Os passageiros em voos domésticos no Brasil têm 800 vezes mais chances de processar sua companhia aérea do que os passageiros voando nos EUA. Esses processos dos consumidores tornaram-se um dreno financeiro para as companhias aéreas que operam no Brasil.
Na maioria dos países, atrasos de voo e perda de bagagem são uma realidade lamentável das viagens aéreas. No Brasil, são uma oportunidade de ganho. Passageiros insatisfeitos no país podem facilmente processar companhias aéreas – e ganhar de 8.000 a 15.000 reais (US$ 1.600 a US$ 3.000) – por tais questões, de acordo com Ricardo Bernardi, especialista em direito aeronáutico da Bernardi & Schnapp e consultor jurídico da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) no Brasil.
Essa bonança para os passageiros é devido ao forte código de proteção ao consumidor do Brasil, que também se aplica às transportadoras aéreas. Além disso, o sistema legal acessível do país permite que as reclamações sejam registradas gratuitamente e sem a assistência de um advogado, tornando o processo sem atrito para os consumidores.
A cada mês, as companhias aéreas brasileiras enfrentam de 8.000 a 10.000 processos judiciais, e as transportadoras internacionais que operam lá enfrentam cerca de 5.000. Segundo Bernardi, os consumidores tendem a ganhar cerca de 80% das vezes.
Os processos judiciais custam às companhias aéreas brasileiras pelo menos 1 bilhão de reais por ano, de acordo com a Associação Nacional de Empresas Aéreas, conhecida como Abear. “A chance de um passageiro em um voo doméstico no Brasil processar uma companhia aérea é 800 vezes maior do que a de um voo doméstico nos EUA”, disse a associação à Bloomberg News em uma resposta por escrito.
Os efeitos em cascata de condições climáticas adversas, tráfego aéreo e/ou problemas mecânicos em uma aeronave estão “além do controle das companhias aéreas, mas ainda podem forçar uma empresa a compensar seus passageiros no Brasil”, diz Guilherme Resende, assessor especial para assuntos econômicos do Supremo Tribunal do Brasil.
Considere o caso de Juliana. Em uma viagem de esqui do Rio de Janeiro para Aspen, Colorado, em 2019, sua bagagem e a de uma amiga foram perdidas depois que uma tempestade de neve fez com que perdessem o voo de conexão em Houston. Elas ficaram sem suas roupas por metade de sua viagem de seis dias. A companhia aérea as reembolsou pelo custo das novas roupas e ofereceu um voucher de US$ 500. Ainda assim, Juliana, que preferiu não compartilhar seu sobrenome para esta história, optou por processar. Ela recebeu 10.000 reais.
Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Azul Linhas Aéreas Brasileiras e Latam Airlines Group – as maiores transportadoras que operam voos domésticos no país – referiram-se à quantidade de processos judiciais como “excessiva” e “um problema crítico” em respostas por escrito a perguntas.
A situação tem levado algumas companhias aéreas a reduzir voos no Brasil em um momento em que já estão sendo esmagadas pelo aumento do custo do combustível e pelos atrasos na produção de novas aeronaves. Os cortes de voos, por sua vez, resultam em preços mais altos das passagens. Em dezembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse a jornalistas em Brasília que o custo das passagens aéreas havia aumentado 65% nos quatro meses anteriores.
O governo do Brasil deve tomar medidas para lidar com o excesso de litígios contra companhias aéreas, de acordo com o ministro dos Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho. De fato, mais de 98,5% dos processos contra companhias aéreas no mundo são movidos no Brasil, de acordo com a IATA. A Abear chamou o país de “mais beligerante do mundo” quando se trata do mercado de aviação.
Isso também está afastando novas companhias aéreas que querem fazer negócios no país, diz um agente do governo com conhecimento do assunto.
A equipe econômica do Brasil está trabalhando em uma medida provisória para ajudar o setor aéreo com novas regras para reclamações legais. O plano do governo é incluir regras mais claras para quais situações uma empresa pode ser responsabilizada por danos ao passageiro, diz uma pessoa com conhecimento do assunto que não quis ser identificada discutindo assuntos internos do governo.
As transportadoras reduziram voos para alguns locais no Brasil devido ao alto nível de litigância. A Azul reduziu suas operações no pequeno estado de Rondônia depois de enfrentar milhares de processos em 2023, de acordo com a empresa. A Gol também encolheu suas operações no estado, atualmente ela tem apenas um voo diário entre Brasília e a capital estadual, Porto Velho – pelo mesmo motivo.
A Latam Airlines disse que não reduziu os voos, mas estava “preocupada com a excessiva judicialização no setor aéreo brasileiro e os altos valores aplicados nas decisões judiciais”. A transportadora – a maior da região – disse que seus negócios no Brasil representam mais da metade de sua operação total; também é responsável por mais de 98% de seus processos judiciais.
Fonte: Bloomberg Business Week, edição de fevereiro de 2024, por Martha Viotti Beck e Beatriz Reis, com tradução do ChatGPT