Mudanças de cargos e demissões não têm de gerar o caos, mas a maioria delas gera, e por longos períodos; o que falta é um plano com três elementos para se comunicar com os funcionários – e com outros stakeholders. Vamos analisar nesse artigo os desafios para uma reorganização mais eficiente.
Gente desviando socos. Um gerente surtando e descontando no computador. Pessoas caindo no choro de modo descontrolado. Essas são algumas das reações a reorganizações corporativas que temos testemunhado ao longo de 35 anos de experiência com empresas. E a razão para que aconteçam é simples: a maioria dos executivos e seus funcionários tem muito medo de reorganizações.
Há várias causas para o medo. De acordo com nossa experiência, uma das principais está relacionada com um dos maiores erros cometidos pelas empresas – o de não envolver as pessoas ainda no começo do processo. A seguir, nós nos concentramos nas lições que aprendemos sobre esse tema perene, mas ainda muitas vezes tratado e compreendido erroneamente: a comunicação. Importante: embora faça sentido pensar em envolver na comunicação da reorganização diferentes stakeholders ao mesmo tempo – funcionários, associações de classe, clientes, fornecedores, reguladores etc. –, os funcionários exigirão mais atenção. Priorize-os.
DUAS ARMADILHAS
Em geral, os executivos que lideram reorganizações caem em uma de duas armadilhas quando se comunicam com seus colaboradores:
A primeira armadilha é a de “esperar para ver”.
O líder à frente da reorganização julga que tudo deve ser mantido em segredo até o último instante, quando terá todas as respostas. Ele faz com que a equipe de reorganização e a liderança sênior jurem segredo e, depois, fica surpreso quando as notícias vazam em toda a companhia.
Os rumores aumentam em meio a comentários como “Tive de preencher um formulário de análise de atividades” e “Ouvi dizer que 20% dos empregos vão desaparecer”.
Finalmente, depois que a equipe de reorganização produziu um diagrama organizacional de alto nível, o líder anuncia a nova estrutura e comunica que o fechamento de algumas vagas será necessário, mas insiste que as mudanças vão ajudar a alcançar resultados fantásticos.
Ao ouvirem isso, os funcionários só gravam que o chefe do chefe do chefe vai ser trocado e que alguns deles vão perder o emprego. Nada do que o líder disse se contrapõe às impressões negativas que se formaram em volta do bebedouro.
A segunda armadilha é a do “idealismo da torre de marfim”.
O idealismo da torre de marfim é um pouco melhor. Nesse caso, o líder mal consegue conter a excitação causada pela oportunidade de dirimir todas as suas frustrações pregressas e alcançar seus objetivos numa tacada só. Então, ele decide dar início ao processo com um webcast para todos os funcionários, para lhes falar das excitantes oportunidades de negócios que estão à frente, seguido de uma série de visitas às principais fábricas e escritórios. Ele também publica um blog pessoal na intranet da empresa.
Porém, sendo a natureza humana como é, ninguém acredita no que ouve: os colaboradores ainda acham que a reorganização tem a ver com demissões e, para eles, o entusiasmo do líder soa contraditório, até antipático. Um chefe carismático pode facilmente naufragar em um mar de cinismo.
RESPOSTAS A DAR
Como lidar com esses desafios? O processo de reformulação organizacional diz respeito às pessoas e deve ter uma comunicação frequente, clara e envolvente.
Frequência
Primeiro, você precisa se comunicar com frequência, muito mais do que imagina ser normal. Iain Conn, diretor-executivo da Centrica, que liderou três grandes reorganizações, explica quanto a comunicação exaustiva pode ser importante: “Você precisa tratar as pessoas com respeito e dignidade, dizendo- -lhes o que está acontecendo e quando.
O maior erro é comunicar uma única vez e pensar que isso basta. Você tem de continuar comunicando, mesmo as coisas que as pessoas já ouviram, de maneira que elas saibam o que você quis dizer. Você nunca pode esquecer que deve se comunicar tanto com os funcionários cujos empregos podem estar em perigo como com o grande número de colaboradores que vão continuar na empresa e torná-la bem-sucedida”.
Clareza
Em segundo lugar, você precisa ser claro em relação ao que a equipe quer saber. “Por que isso está acontecendo?”, “O que vai acontecer depois?”, “O que isso significa para mim, para meu emprego e para o ambiente de trabalho?”, “O que você espera que eu faça de modo diferente?”.
Pesquisas mostram que funcionários ansiosos em relação a seus empregos têm saúde física e mental significativamente pior do que aqueles que desfrutam um trabalho seguro: um estudo sobre desempregados da região sul do estado de Michigan, nos EUA, mostrou que quase metade deles apresentava certo grau de depressão.
Os líderes podem aplacar essa ansiedade explicando com todas as palavras o que eles sabem desde já, o que acontecerá mais tarde e quando. Eles também podem tranquilizar as pessoas lembrando o que não mudará – por exemplo, os valores fundamentais da empresa. A tarefa será infinitamente mais simples se for possível comunicar por que a empresa está passando por uma reorganização e qual é o plano geral.
Em essência, a comunicação deve passar da informação inicial ao exercício de estimular a equipe quando – e somente quando – ela ficar sabendo o que será feito dos novos empregos. Espalhar a comunicação por meio de canais digitais e promover um diálogo interpessoal em encontros informais são ferramentas importantes.
Cada comunicação é uma oportunidade de articular uma grande pensata sobre a reorganização (a passagem do impresso para o digital, por exemplo, ou um esforço para atribuir aos gerentes locais a responsabilidade pelos lucros e perdas) e as três ou cinco grandes mudanças organizacionais necessárias para que ela aconteça.
Envolvimento
A equipe precisa de algum tempo para discutir o que uma reorganização representa para sua própria parcela no negócio. Assim, além da iniciativa corriqueira de promover sessões de perguntas e respostas e informações em cascata para toda a empresa por meio das gerências, a comunicação direta é essencial. Para qualquer pessoa que tenha dúvida sobre a reorganização, em qualquer fase – mas especialmente quando a nova organização já estiver definida –, deve ficar claro a quem procurar na equipe de reorganização.
Também pode ser útil pinçar comentários ou preocupações que a equipe não deseja apontar em voz alta – por exemplo, configurando um endereço de e-mail confidencial ou fazendo pesquisas online regularmente. Deve-se checar se essas ferramentas digitais estão funcionando, claro. Durante uma reorganização que testemunhamos, descobriu-se depois de três meses do processo que os e-mails destinados a toda a empresa só haviam sido encaminhados para as caixas de correio dos líderes seniores, onde ficaram. O envolvimento é um item ainda mais obrigatório quando o contexto da reorganização é a expansão do negócio.
Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, explica: “À medida que as empresas crescem, um dos maiores desafios é manter a coesão. No começo, enquanto progridem, elas ganham eficiência com a especialização, mas, quando reúnem mil funcionários ou mais, a produtividade por pessoa cai e a comunicação despenca”.
Para Musk, se um funcionário júnior de algum departamento precisa falar com outro departamento para determinada tarefa, ele deve poder entrar em contato com a pessoa adequada diretamente, em vez de ter de passar por seu gerente, diretor, VP e, em seguida, de volta a seis escalões inferiores, até chegar à pessoa certa.
Algumas empresas buscam envolver representantes de variadas equipes de trabalho na fase inicial de design da reorganização. Por exemplo, Lawrence Gosden, diretor de águas residuais da Thames Water, a maior concessionária de água do Reino Unido, engajou 60 funcionários de várias seções da empresa, incluindo o primeiro escalão, para modelar o diagrama organizacional.
“Pedimos ao grupo que apresentasse um ponto de vista sobre o que a nova organização precisava fazer, incluindo contenção de despesas. Ele trouxe uma visão simples focada no serviço ao cliente. O resultado é que o plano que precisávamos apresentar ganhou várias adesões, apesar de muita gente estar perdendo o emprego.”
TEMPO E ENERGIA
Sob praticamente qualquer circunstância, as reorganizações empresariais consomem muito tempo e energia das pessoas, em especial a energia emocional. Quando os funcionários são devidamente priorizados, os líderes estão atentos às armadilhas e, principalmente, existem planos de comunicação adequados, é possível diminuir a ansiedade desnecessária e a mobilização improdutiva e fazer a reorganização ir em frente.
NÃO IGNORE OS OUTROS STAKEHOLDERS
Poucos líderes fazem um plano de comunicação da reorganização dirigido aos demais stakeholders além dos funcionários. Não menos que outros quatro grupos precisarão de alguma dedicação:
• Associações de classe e sindicatos.
Na União Europeia, a legislação determina que as empresas se comuniquem com os representantes dos trabalhadores no início do processo; já na Ásia, os sindicatos costumam ser importantes. Muitos sindicatos compreendem o que precisa ser mudado e são ainda mais implacáveis que a empresa no esvaziamento dos níveis médios da hierarquia. Em alguns casos, os representantes sindicais integram formalmente equipes de reorganização.
• Clientes e fornecedores.
O perigo de uma reorganização é olhar demais para o próprio umbigo. Se o negócio é dirigido aos clientes ou depende essencialmente de uma cadeia de fornecedores, a nova empresa deve trabalhar melhor com esses stakeholders do que a antiga. (Até porque é difícil manter uma reorganização em segredo, uma vez que os vendedores conversam muito com os clientes B2B.) Assim, quando você refletir sobre como a empresa vai atuar no futuro, deve avaliar de que modo isso afetará clientes e fornecedores. Não os obrigue a passar a falar com muito mais pessoas ou a adicionar etapas no processo de relacionamento; não espere que eles incorporem a complexidade de sua nova organização.
• Reguladores e outros braços do governo.
A preocupação desse grupo ante uma reorganização estará focada em saúde, qualidade e segurança, embora eventuais perdas de emprego e seu impacto sobre a economia local também pesem sobre políticos e funcionários públicos. Eles vão querer uma garantia do que esperar. O exemplo do braço asiático de uma multinacional ilustra o que não se deve fazer nesse caso: em uma reunião com um alto funcionário do governo logo depois da reorganização corporativa, o executivo-chefe no país foi convidado a atualizar o desempenho da empresa na região. “Isso não é mais de minha responsabilidade”, respondeu. “Você deve falar com nossa nova equipe de excelência em operações nos EUA.”
• Conselho de administração.
Reorganizações sempre resultam em desvantagens de curta duração. O conselho precisa, portanto, entender o que está acontecendo e por que e estar ciente do prazo, dos benefícios e dos riscos ao longo do processo. O CEO ou outro líder devem informar os conselheiros, individual e coletivamente, sobre o progresso de cada etapa
Fonte: Revista HSM Management, o estudo é de autoria de Rose Beauchamp, Stephen Heidari-Robinson e Suzanne Heywood. Beauchamp trabalha no escritório da McKinsey em Londres, Heidari-Robinson foi até recentemente conselheiro em energia e meio ambiente do primeiro-ministro do Reino Unido e Heywood é diretora-executiva da Exor Group. Este artigo se baseia no livro ReOrg: How to Get It Right, dos três autores. Publicado originalmente em inglês pela consultoria McKinsey Quarterly