Todos culpam o “bode expiatório”

Quando as vendas caem, cabeças rolam, mas logo a história se repete. O problema dos fracassos comerciais é “mais embaixo” e não admite solução superficial. Estudo A.T. Kearney conta o que fizeram algumas empresas para resolvê-lo, alinhando sua força de vendas às metas estratégicas.

O que acontece quando um time de futebol é rebaixado para a segunda divisão de um campeonato, mesmo com programas de incentivos e treinamento pesado? Como não dá para demitir a torcida –os clientes–, os jogadores e/ou o técnico –o gestor– (os bodes expiatórios) acabam perdendo o emprego. Agora, como explicar quando esses profissionais demitidos vão para outros times e lá têm bom desempenho? E quando os novos contratados, trazidos para atuar segundo as estratégias existentes, não conseguem melhorar os resultados?

Os profissionais demitidos foram os bodes expiatórios e tirá-los da sala, como se fez, não resolveu a questão. Exatamente como ocorre com as equipes de vendas das empresas. Tomam-se as mais variadas iniciativas de gestão –renovação dos programas de incentivos, investimentos em software, treinamentos e processos de gerenciamento de carteira de clientes– e as vendas continuam caindo. Troca-se quase todo o grupo e as vendas continuam caindo. Nada dá certo. Por quê? A experiência da firma de consultoria A.T. Kearney mostra que a dificuldade tende a estar “mais embaixo” e que as equipes de vendas apenas “pagam o pato” porque alguém tem de pagar.

A troca de profissionais ou de sistemas não ataca a raiz do problema, pois esta costuma se encontrar na incapacidade de alinhar o sistema de vendas a uma estratégia comercial voltada para as necessidades do consumidor. Assim, o caminho para retomar o sucesso nas vendas tende a estar em fazer uma reengenharia dos processos comerciais de acordo com as diretrizes estratégicas da organização.

Quatro arquétipos do fracasso nos departamentos de vendas

Avaliamos nossa experiência com empresas de setores diversos e nos perguntamos: como um sistema de vendas dá errado? Descobrimos, então, que existem basicamente quatro categorias de “fracassos”, que enxergamos mais como arquétipos, ou seja, como modelos idealizados que norteiam boa parte da cultura dos negócios.

Nós nos concentramos, em seguida, nos mecanismos utilizados por algumas organizações para superar os desafios clássicos e alinhar as equipes de vendas aos objetivos estratégicos. Em todos os casos estudados, o novo foco levou ao aumento da rentabilidade, dos lucros e/ou da fatia de mercado.

Arquétipo do explorador caprichoso

Conta com um barco sólido, uma tripulação confiável e bastante suprimento, mas não tem mapa.

Com o tempo, novos segmentos de clientes surgem e a equipe de vendas precisa se esforçar para atender às necessidades desses recém-chegados. Um exemplo é o que aconteceu com os setores de discos e de seguros após a disseminação da internet.

logotipo simbolo appleAlgumas empresas, como a Apple e a Geico, moveram-se rapidamente para ajustar seus modelos comerciais e conquistar novos canais de distribuição, para, assim, enfrentar a concorrência das companhias iniciantes. Outras, como a Sony Records e a Farmes Insurance, perderam força. Será que esse enfraquecimento pode ser atribuído às equipes de vendas?

Na década passada, um dos mais voláteis ambientes de negócios do mundo era o setor de serviços públicos nos Estados Unidos. A desregulamentação despontava no horizonte e muitas empresas se esforçaram para conquistar o mercado limitando os aumentos de tarifas e melhorando o atendimento ao consumidor. A tão prometida desregulamentação parecia ser uma miragem, como se o mapa que a posicionava tivesse perdido a precisão.

A A.T. Kearney assessorou uma dessas companhias em tal momento delicado. Montar uma prestadora de serviços de energia capaz de fornecer produtos não-regulamentados para além dos mercados tradicionais não era uma escolha, era obrigatório. Os potenciais clientes dos novos mercados não estavam familiarizados com a marca dessa empresa, cujo nome omitiremos, e o episódio da Enron contribuía para criar desconfiança. Ao mesmo tempo, a organização enfrentava pressão sobre os lucros.

“Estávamos diante da possibilidade real de reduzir as tarifas nos próximos anos”, lembra o presidente da empresa. “Perante a expectativa de uma queda de US$ 300 milhões nos lucros, era preciso agir rápido. Mas como? Não tínhamos um departamento de marketing, quanto mais uma estratégia. Não sabíamos quem eram nossos clientes nem quais eram suas necessidades. E não dava para botar a culpa na equipe de vendas.”

Em situações assim, é tentador apontar o dedo para o setor de vendas. O presidente teve de admitir que seus vendedores haviam se transformado em “tiradores de pedidos”, presos ao telefone à espera das ligações dos clientes. Ele poderia maldizer a falta de iniciativa dos profissionais, mas admitiu sua parcela de culpa. A equipe precisava de uma estratégia (o que uma tripulação pode fazer sem um rumo para o navio?). Necessitava de serviços e produtos para vender, assim como de metas e apoio para atingi-las.

A companhia tomou diversas decisões estratégicas, entre elas a de se concentrar no mercado local e investir nos clientes preferenciais. Foram identificados segmentos-alvo entre os clientes industriais, comerciais e residenciais, e iniciativas conjuntas de marketing e de vendas permitiram desenvolver produtos de valor agregado para cada um. Para o segmento comercial, por exemplo, a empresa criou um pacote amplo que oferecia melhor iluminação pública, pensando na segurança, e conta simplificada. Para os clientes industriais de tamanho médio, a oferta incluiu um pacote especial para reduzir as interrupções e otimizar o uso de energia na fábrica com tecnologia de ponta e manutenção preventiva.

A estratégia exigiu uma complexa manobra intersetorial. Antes de lançar os produtos, a companhia reuniu talentos dos setores de geração, transmissão e distribuição, além de áreas essenciais, como as de precificação e de serviço de atendimento ao cliente. Liderada pelo presidente, a diretoria executiva desenvolveu projetos para a oferta de produtos sustentáveis do ponto de vista de custos, reorganizou o marketing e aperfeiçoou os departamentos de vendas e de atendimento ao consumidor. A equipe de vendas foi treinada para conhecer os novos produtos e juntou-se ao pessoal de marketing para elaborar um planejamento estratégico de contas. Em seguida, os profissionais de vendas receberam ambiciosas metas de crescimento e incentivos para atingi-las.

As empresas de serviços públicos têm fama de ser lentas na hora de promover mudanças. Em um ano, porém, essa organização lançou produtos e serviços novos para os segmentos preferenciais e atingiu suas metas tanto de receita como de lucro. Mais recentemente, cumpriu a meta de três anos: US$ 50 milhões suplementares no lucro anual.

Arquétipo do esquiador mal equipado

Esquiador de nível médio, tem dificuldade para fazer manobras que os amigos fazem sem esforço porque dispõem do equipamento adequado.

Às vezes, uma equipe de vendas não conta com os recursos corretos. Vejamos o que aconteceu quando a Johnson & Johnson comprou a divisão de produtos de saúde para o consumidor da Pfizer, em dezembro de 2006.

A J&J é famosa por sua incrível força de vendas, essência de seu ímpeto pelo crescimento constante. Era provável que a equipe de vendas da Pfizer não conseguisse se equiparar aos colegas da outra parte da fusão antes de receber as novas metas. Em outras palavras, teria de enfrentar um terreno difícil mesmo sem dispor dos apetrechos corretos.

Trabalhamos com uma empresa que passava por situação similar, uma fabricante de bens de consumo que enfrentava problemas como ameaça da concorrência, maior exigência dos consumidores e aumento dos custos. Tratava-se do resultado da fusão de três grandes organizações, e os acionistas reivindicavam crescimento e melhores resultados tanto na receita como nos lucros. A integração pós-fusão praticamente tinha ignorado o setor de vendas, limitando-se a reunir os núcleos de cada país. “Não investimos em habilidades de venda e ninguém de fato se preocupou em saber como isso era feito”, lembra o presidente.

O resultado desse descaso foi uma elevação dos custos das vendas de 6% da receita total, o que correspondia ao dobro do parâmetro de melhor prática do setor.

A maior tentação era olhar para esses custos em busca de uma forma de reduzi-los –de fato, a empresa se via mergulhada em uma intensa campanha de corte de gastos. No entanto, os gestores estavam preparados para uma abordagem diferente: ao examinar os motivadores das vendas, descobriram que o problema se relacionava mais com ineficiência do que com custos.

Como era essa ineficiência? Os clientes não achavam que recebiam o nível de atendimento esperado e os distribuidores reclamavam da falta de apoio e de planejamento. Já os profissionais de vendas produziam pouco e estavam desmotivados, situação agravada pela falta de infra-estrutura para planejamento, pela utilização de processos complexos, pela vigência de sistemas desatualizados de aferição de vendas e pela ausência de apoio do marketing.

Se a empresa tivesse reagido com um programa de corte de custos, teria seguido a clássica receita para o fracasso nas vendas. A redução dos recursos serviria apenas para irritar ainda mais os clientes e distribuidores, aumentando a perda de vendas, reduzindo o brand equity [valor da marca] e gerando novas ondas de reclamações, sem falar no risco de jogar a organização em uma espiral negativa irreversível.

Em vez disso, a companhia desenvolveu um programa amplo para alinhar as vendas à estratégia do clientes. Começando por seus dois maiores mercados globais, ela segmentou os usuários finais para identificar os nichos mais atraentes e reorganizou o modelo de vendas, partindo então para a alocação criteriosa dos recursos. O novo modelo incluía maior apoio do marketing e treinamento de campo, novos critérios para o programa de incentivos e investimentos estratégicos em marketing, planejamento e suporte às vendas.

Algumas dessas medidas fazem lembrar as táticas de resultado rápido citadas no início deste artigo? Sim, mas nesse caso as iniciativas estavam associadas a objetivos estratégicos específicos. Por exemplo: primeiro a empresa fixou a meta de concentrar os recursos em nichos atraentes e depois ajustou o programa de incentivos. O objetivo não era apenas “botar lenha na fogueira”, e sim propiciar o apoio e os recursos para ajudar a equipe de vendas, que, afinal de contas, estava ansiosa para contribuir para o crescimento da empresa.

Cerca de um ano após o lançamento do projeto, o aumento dos lucros superou as já audaciosas metas. Motivada pelo bom desempenho em seus dois maiores mercados, a empresa agora almeja índices de crescimento de 15% a 20%, e o programa de eficiência nas vendas foi implantado no mundo todo.

Arquétipo do missivista

Escreve cartas excelentes, claras, bem articuladas e precisas, mas se recusa a aprender a usar o e-mail, o fax ou os sistemas de mensagens instantâneas.

As rupturas em um setor acontecem quando a concorrência adota sistemas mais adequados às necessidades dos consumidores, o que exige que a equipe de vendas mude seu modo de trabalho.

logotipo ibm

Na década de 1990, a IBM produzia ótimos computadores e não se preocupava com a concorrência. Entretanto, a Dell adotou um modelo de venda direta ao consumidor, aperfeiçoando constantemente a abordagem e as operações internas com o intuito de ampliar os benefícios da nova filosofia. Para o potencial comprador de computadores, era como se a Dell mandasse a mesma mensagem, mas por e-mail, em vez de carta. Os computadores da IBM não perderam qualidade, porém a companhia devia grande parte de seu poder de mercado ao sucesso na hora de lidar com o velho sistema de distribuição. Sem essa segurança, a Dell foi mais ágil e soube aproveitar as mudanças de hábito dos consumidores. Olhando em retrospecto, hoje vemos que foi assim que a IBM perdeu espaço no mercado de microcomputadores. Só que na época a gigante da informática enfrentava um dilema: como entrar no novo canal sem demolir o antigo?

Trabalhamos com uma fabricante de cervejas mundial que passou por mudança similar. Diante dos problemas para crescer e aumentar os lucros nos principais mercados europeus, decidiu cortar os custos operacionais e investir em propaganda. Contudo, a questão essencial passou despercebida: a empresa estava permitindo que os distribuidores locais conquistassem o relacionamento com os clientes varejistas, perdendo o espaço que deveria estar ocupado por suas famosas marcas locais.

Concorrentes mais ágeis estavam trabalhando com os distribuidores para conquistar os clientes, fazendo parcerias para a adoção de novas abordagens. No entanto, a companhia, que fabricava cerveja de qualidade, mas se recusava a reconhecer as transformações do mercado, ficou presa em um círculo vicioso. Apesar dos investimentos altíssimos em campanhas publicitárias, continuou a perder espaço nos pontos-de-venda. Os consumidores de cerveja costumam comprar o que encontram no bar. A empresa vendia grandes quantidades nos bares de clientela fixa, porém os proprietários desses estabelecimentos achavam que não recebiam atenção: não tinham orientações da equipe de vendas da companhia e com freqüência as marcas da casa desapareciam do ponto-de-venda. A organização não tinha conseguido perceber que a chegada dos distribuidores havia mudado as regras do jogo.

Depois de compreender a nova realidade, era preciso criar uma estratégia adequada. A empresa identificou os segmentos de clientes-alvo e definiu novos relacionamentos de conta e planos de gestão específicos. Teve o cuidado de incluir parcerias com distribuidores, como no caso das promoções conjuntas e nas iniciativas de visita de representantes da fabricante e dos distribuidores aos bares.

Antes de perder todo seu espaço, a companhia redefiniu a estratégia a fim de obter o máximo de vantagens da nova estrutura do mercado. Uma das descobertas, por exemplo, foi que os donos de pizzarias conseguem influenciar os compradores (uma espécie de segunda força de vendas) e que não hesitariam em se envolver com uma promoção desde que a empresa não se destinasse a impulsionar apenas a venda de uma marca de cerveja, mas também promovesse a fidelidade à cerveja e à pizzaria.

Novamente, a organização utilizou conhecidas táticas de impulso das vendas com base em uma estratégia bem definida. Nesse caso, a redefinição dos processos, atribuições e incentivos veio depois da ruptura da filosofia da “venda por distribuidores”. Só no primeiro ano a fabricante de cerveja elevou as vendas de suas marcas premium em mais de 30%.

Arquétipo do bom moço

É sério, educado e inteligente, mas sempre fica por último.

Algumas vezes, as organizações perdem espaço no mercado porque suas equipes de vendas simplesmente não compreendem, não conseguem prever ou não atendem às necessidades dos clientes.

No atual mundo complexo, empresas globalizadas precisam coordenar a atuação de unidades de negócios que algumas vezes estão focadas nos mesmos clientes. Quando os esforços de vendas ocorrem sem coordenação, os consumidores tendem a suspeitar de que há algo errado. E, quando profissionais diferentes entram em contato com o mesmo cliente (ou, pior ainda, concorrem entre si), transmitem a prejudicial idéia de falta de objetivo.

Trabalhamos com uma destacada fabricante de produtos de alta tecnologia que recebia constantes reclamações de clientes procurados por vários vendedores. Além disso, a participação no mercado também vinha caindo (o que provavelmente não era coincidência). Os profissionais de vendas se incomodavam com a concorrência interna e acreditavam que os clientes tinham necessidade dos diversos produtos e serviços oferecidos pela companhia –mas, quando tentavam contatar as respectivas divisões, tinham de conversar com muitas pessoas e enfrentar exaustivos procedimentos. Os concorrentes, por outro lado, conseguiam passar uma imagem de empresa integrada e oferecer produtos direcionados a atender às necessidades dos clientes e a suprir demandas futuras.

O presidente da organização deu início a uma minuciosa avaliação dos planos de marketing e vendas, além de uma profunda análise do desempenho de vendas com base nos dez principais clientes da empresa. Os planos aparentemente eram consistentes e incluíam todas as táticas do momento, só que a orientação predominante era interna e sem conexão com as demandas e estratégias dos clientes. Embora bem elaborados, esses planos não forneciam uma solução compacta para as expectativas dos consumidores. Ficou claro para o presidente que os clientes não tinham como notar diferenças na abordagem da companhia, e por isso a rentabilidade só tenderia a cair.

O dirigente optou por uma abordagem mais estratégica, segmentando a base de clientes. Os gerentes de vendas puderam contar com propostas de valor dirigidas a segmentos específicos para ajudá-los a desenvolver soluções adequadas para cada empresa e cada setor. Um setor de vendas com os dias contados melhorou seu índice em 40%, e a rentabilidade geral da organização teve um aumento de cerca de 30%.

SEM MEDO DO FRACASSO

Muitos gestores consideram a estratégia de vendas mera abordagem “clientecêntrica”. Para eles, não existem os quatro tipos de erro aqui apresentados, mas apenas um: a falta de foco no consumidor. No entanto, devemos alertar, estão enganados. É preciso criar estratégias (e munir o pessoal de vendas das táticas adequadas) para superar essas situações arquetípicas que os profissionais podem enfrentar. Esse é o caminho para transformar seus ideais e projetos em um panorama de crescimento rentável.


Fonte: A.T. Kearney, publicado no Brasil pela revista HSM Management. O estudo é de Mary Larson e Donna Stella, sócias da A.T. Kearney, sediadas respectivamente em Toronto, Canadá, e Nova York, Estados Unidos.