Sucesso na china, a varejista japonesa Uniqlo quer dominar o mercado de roupas casuais (e práticas) dos estados unidos. Esta reportagem apresenta a rede e seu fundador e CEO, Tadashi Yanai.
Tadashi Yanai nasceu em 1949, durante a ocupação do Japão pelos Estados Unidos, por conta da Segunda Guerra, e foi muito influenciado pela cultura do empreendedorismo norte-americano. Mas suas oportunidades ele encontrou nos negócios da família. No mesmo ano em que nasceu, seu pai, Hitoshi, abriu uma loja de ternos em Yamaguchi, cidade que havia sido porto medieval e tinha longa história de abertura para ideias e culturas de fora.
À medida que a economia japonesa se recuperou, Hitoshi construiu uma bem-sucedida rede de 22 lojas. Em 1984, Tadashi se tornou presidente da empresa e abriu uma loja em Hiroshima chamada Unique Clothing Warehouse. O nome, mais tarde reduzido para Uniqlo, era um tanto irônico. No começo, não havia praticamente nada de único sobre a loja —o estoque era formado principalmente de roupas esportivas da Nike, da Adidas e de outras marcas estrangeiras.
Foi mais tarde que Yanai, abrindo outras lojas, foi acrescentando ao estoque mais produtos de marca própria. À medida que a rede cresceu, ele conseguiu baixar preços, pois encomendava grandes quantidades das grifes famosas, e, em 1998, havia mais de 300 Uniqlos no Japão.
Yanai sempre admirou varejistas como a Marks & Spencer, do Reino Unido, a Benetton, da Itália, e, é claro, a Gap, dos Estados Unidos.
Por que, ele sempre se perguntava, não havia algo assim no Japão? “Ele nunca teve medo de expressar seus sonhos, mesmo que eles parecessem um pouco sem modéstia”, diz um amigo muito próximo. “Isso não é muito japonês”, acrescenta. Na década de 1990, Yanai dizia aos amigos que queria que a Uniqlo fosse maior que a Gap.
Comunicação
Yanai é, ao mesmo tempo, ambicioso e humilde, pois não tem vergonha de pedir ajuda. E uma ajuda veio de John Jay, publicitário norte-americano de origem chinesa, que teve na Uniqlo sua primeira cliente japonesa. “Devo muito a John Jay”, reconhece Yanai. Jay, que por mais de uma década tinha trabalhado na Bloomingdale’s, primeiro como diretor de criação e mais tarde como diretor de marketing, enviou várias jaquetas da Uniqlo para Nova York e pediu que seus colegas fossem às ruas fazer uma pesquisa. “Eles passaram dois dias abordando pessoas no SoHo para que provassem as jaquetas, e elas reagiram com expressões como ‘Incrível!’ e ‘Que luxo!’. Perguntamos quanto estariam dispostas a pagar por aquilo e as respostas variaram entre US$ 50 e US$ 75. Só que as jaquetas custavam US$ 19”, relata Jay.
A Uniqlo sabia fazer as roupas; o que ela não sabia era mostrar aos compradores como usá-las. Então, Jay e sua equipe ajudaram: para apresentar melhor as camisas masculinas, mostraram que bastava dobrar as mangas; para transmitir o compromisso da Uniqlo tanto com qualidade quanto com acesso, um anúncio de página inteira foi veiculado em vários jornais japoneses mostrando jeans de US$ 29 com padrão japonês. Comerciais exibiam pessoas de diferentes estratos sociais vestindo-os, o que foi particularmente significativo para a sociedade japonesa, tão estratificada.
“No Japão, um professor é muito mais importante do que uma criança. Tentamos igualar isso”, conta Jay. “Cada pessoa tinha 30 segundos. O que as ligava era o produto. Dar a pessoas reais, comuns, 30 segundos de tempo valioso na TV foi muito radical”, acrescenta. Pessoas reais, comuns, compram coisas.
No ano 2000, a Uniqlo já havia vendido jaquetas suficientes para vestir um terço da população do Japão. O trabalho de Jay e sua equipe foi tão eficiente que chegou a criar um conflito com seu mais famoso cliente, a Nike. A agência teve de deixar a conta da Uniqlo, mas seu trabalho foi o impulso de que a marca japonesa precisava.
Praticidade
A reportagem da Fast Company perguntou a consumidores em frente à loja da Uniqlo no luxuoso bairro de Guinza, em Tóquio, que palavra eles mais associavam à rede japonesa. “Yasui”—ou “barato”— foi a palavra mais ouvida. A Uniqlo nunca foi associada a algo cool no Japão. Mais recentemente, porém, a empresa tem se esforçado, nas mensagens publicitárias, para assegurar que o barato seja visto como acessível, não como baixa qualidade. “Ser cool é bom; mas ser cool demais é ruim”, afirma Naoki Takizawa, diretor de criação da Uniqlo.
Segundo ele, “mais do que tendências, os consumidores precisam de funcionalidade. O produto tem de ser forte e conveniente para ser usado no dia a dia. Tudo precisa de um elemento de moda, mas isso é só um tempero.” Antes da Uniqlo, Takizawa estava na grife Issey Miyake, onde não havia isso de ser cool demais. “Na Issey Miyake era sempre colocar mais e mais elementos”, recorda. “Aqui a questão é tirar.”
Um item a menos em uma roupa pode significar 90 segundos de economia de tempo de produção. Em 600 mil peças, há um ganho enorme de tempo e, consequentemente, de dinheiro. E isso ajuda a explicar como a Uniqlo mantém sua roupas baratas. “As únicas coisas que permanecem são aquelas de que você precisa: a roupa deve proteger você da chuva e deixar que o calor se dissipe”, afirma o diretor de criação. “De certa maneira, é o que eu fazia na Issey Miyake. Nos dois casos, é necessário um senso de design, mas os objetivos são diferentes.”
Não há moda? Sim, o tempero, como nas parcerias com estilistas de fora da empresa. No outono, as novidades foram as coleções de Orla Kiely e Jun Takahashi. A divulgação disso, porém, é secundária, de acordo com Yuki Katsuta, vice-presidente sênior para pesquisa e design global. Segundo ele, o tempero, na verdade, traz o futuro. “O que nós mais queríamos nessas colaborações eram talentos que nos dessem pistas sobre o futuro”, diz Katsuta, ex-Bergdorf Goodman.
Tecnologia
“Não somos uma empresa de moda”, Yanai gosta de dizer. “Somos uma empresa de tecnologia.” Ele é tão orgulhoso dessa ideia que a repete sempre. Indagado sobre o tipo de tecnologia das prateleiras das lojas, responde: roupas que se adaptem automaticamente ao corpo do cliente e não precisem de lavanderia —basta colocar na água, balançar um pouco e a sujeira some.
No momento, a principal inovação da Uniqlo, contudo, é um material sintético que retém calor, exclusivo da rede, chamado HeatTech, desenvolvido com a Toray Industries em Ishikawa, cidade cercada de montanhas cobertas de neve, que há muito tempo é um centro de inovação têxtil. Lá, em uma fábrica notavelmente versátil, que também produz fibras de carbono para turbinas de vento, a Toray faz o tecido de poliéster e náilon, que no final se transforma em camisetas e meias.
Em 1999, Yanai leu um artigo que mencionava que a Toray estava fazendo trabalhos de pesquisa e desenvolvimento para a Boeing, a titã da indústria aeronáutica, e se inspirou: “Se as duas empresas podiam se juntar e aparecer com alguma coisa competitiva, algo similar poderia acontecer conosco”.
A filosofia empresarial japonesa do kaizen —de melhoria contínua— tem sido aplicada ao HeatTech. De estação para estação, as melhorias têm sido significativas. De ano para ano, o tecido fica mais delicado e mais quente. O HeatTech é importante também como símbolo do que Yanai mais valoriza: a funcionalidade. O fato é que, nos meses frios de 2012, a rede de lojas de Yanai vendeu mais de 100 milhões de peças confeccionadas com o HeatTech.
Sonho americano
Vender roupas esportivas aos norte-americanas, diz John Jay, “é como vender arroz para os chineses”. E, com a ambição que o caracteriza e o sonho de infância, Yanai afirma: “Queremos dominar o mercado dos EUA”. Se o fracasso de 2005, quando a Uniqlo abriu três lojas em shoppings de Nova Jersey, para fechá-las um ano depois, o impedirá? Não. “Ninguém nos conhecia e aprendemos a dura lição.”
Embora a Uniqlo venha operando uma loja em Manhatan desde 2006, sua maior aposta em território norte- -americano começou em 2011, quando abriu uma loja de grandes proporções na Quinta Avenida e outra megastore na 34th Street, a apenas uma rua da Macy’s, com alarde publicitário. Nos próximos quatro anos, pretende instalar mais duas ou três dúzias de pequenas lojas em pontos centrais de Nova York, São Francisco e Los Angeles —uma de São Francisco ficará em um prédio histórico a apenas dois quarteirões da famosa Union Square. O plano de conquista dos norte-americanos replica em linhas gerais o que a Uniqlo fez na China, seu maior mercado fora do Japão.
Na China funcionou bem: em agosto, a empresa contabilizava 175 lojas em território chinês, a partir de capitais do consumo como Pequim, Xangai e Hong Kong. E os resultados mais recentes da empresa mostram que o crescimento de 70% nas vendas internacionais e o aumento de 48% no lucro geral são quase inteiramente atribuídos à China. Mas os Estados Unidos não são um mercado emergente. Isso funcionará?
Fontes: Revista HSM Management, por Jeff Chu, Stephanie Schomer e Maya Uchida para a Fast Company